A Petrobrás e o lucro distribuído: inflação para os mais pobres, dividendos para os acionistas

Juliane Furno - Doutora

Por Juliane Furno é Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, assessora parlamentar da Câmara Federal e militante do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular.

Recentemente a Petrobrás anunciou a distribuição de vultosos recursos aos seus acionistas, que receberão não só a quantia de R$ 31,6 bilhões quanto receberão antecipado! E não para por aí: a meta da companhia é que no ano de 2022 se consolide uma nova fórmula de remuneração do acionista, na qual ela fica satisfeita em anunciar que implicará em uma distribuição de dividendos muito superior a média.

O adento, ainda a título de preâmbulo, é que o resultado positivo está, centralmente, vinculado a maiores margens de lucro nos combustíveis! Talvez esse parágrafo inicial dispense muito comentário, necessitando – no máximo – de uma síntese: combustíveis mais caros para quem está mais pobre; lucros maiores para quem já é e está ficando mais rico.

A Petrobrás enseja, no seu âmago, uma contradição fundamental. Ao mesmo tempo em que foi criada para ser uma empresa estatal e exercer o monopólio da produção e refino em nome da União, a empresa não nasceu como uma autarquia, e sim como uma empresa de economia mista, portanto de capital aberto e contando com parte do seu financiamento através do lançamento de ações no mercado de capitais.

Isso encerra a contradição de que ao mesmo tempo em que a Petrobras nasce vocacionada para ser parte constitutiva da consecução dos interesses nacionais, ela enseja uma face “de mercado”, representada pela necessidade de gerar lucros para serem repartidos entre os seus acionistas.

Nos anos 1990, esse pêndulo pesou para que a Petrobras fosse negligenciando seu caráter fundamental de empresa submetida aos interesses macroeconômicos nacionais, aplicando reformas microeconômicas que abriram espaço ao seu controle pelo conjunto dos acionistas. 

Muito embora a Petrobrás tenha permanecido uma empresa estatal, ela passou a atuar de forma idêntica às empresas privadas, privilegiando os objetivos microeconômicos e o retorno aos acionistas.

Nos governos Lula e Dilma ocorreu o que pode ser conceituado como “estatização moderada” imprimida com o novo Margo Regulatório do Petróleo no ano de 2010.

O Estado, e suas partes relacionadas, aumentaram suas participações no capital societário da Petrobras em ações ordinárias e ações preferenciais. Juntas, estas passaram a deter 63,6% das ações ordinárias e 48,4% do capital total, o que antes da oferta pública correspondiam a apenas 57,9% e 39,8%, respectivamente.

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Com o aumento da participação dos agentes públicos, em contrapartida, ocorreu a diminuição da participação dos acionistas minoritários, notadamente de acionistas brasileiros e estrangeiros via ADRs nível III.

O golpe de 2016 e sua continuidade com o governo Bolsonaro mais uma vez fez pender o pêndulo da empresa para o grupo dos acionistas. As ações preferenciais, que têm direito a voto no Conselho de Administração, encontram-se no limite, perfazendo apenas 50,5% delas nas mãos do Estado.

Por outro lado, o grupo de acionistas privados cresceu seu controle dentro da empresa, e dos 49,5% das ações sobrantes, 40,33% são de acionistas estrangeiros, que capturam os lucros da empresa e remetem seus dividendos para fora do país.

Essa afirmação fica explícita com a distribuição de dividendos entre os acionistas de forma geral. O Estado brasileiro hoje fica com apenas 34% de todo o lucro gerado pela empresa, enquanto os investidores externos são os principais beneficiários do lucro da companhia.

De 2018 para 2019 o lucro distribuído para os acionistas cresceu 51%, para a alegria dos representantes do “mercado” / Fonte: Petrobras. Elaboração: Subseção do DIEESE na FUP

Não só isso. De 2018 para 2019 o lucro distribuído para os acionistas cresceu 51%, para a alegria dos representantes do “mercado” que veem engordar seus bolsos as custas do processo de deterioração da cadeia de petróleo e gás brasileira – expressa pela política privatista de venda de ativos fixos e desinvestimento – e de apequenamento da empresa da sua missão principal como empresa estatal.

Num período como o atual, em que paira sobre a sociedade brasileira uma crise de dimensões nunca vista, em que se aprofundam de forma célere as desiguales sociais, a lógica de beneficiar o acionista tem fomentado nossos problemas.

Utilizar a política de “preço de paridade de importação” além de não fazer nenhum sentido pela própria semântica da expressão – afinal, não somos importadores majoritariamente de combustíveis – apenas agrava nosso problema inflacionário e o afirma como mais um elemento de empobrecimento da classe trabalhadora.

Com o aumento do preço dos combustíveis, somado a desvalorização cambial que impacta com um preço medido pelo preço internacional, todas as mercadorias ficam mais caras, apertando ainda mais o já bem apertado orçamento das famílias que sofrem com a volta da fome, com o desemprego e com os cortes de salário.

A luta de classes e o conflito distributivos ganham mais um corpo concreto. A política de preços e de distribuição do lucro aos acionistas, que como vimos são essencialmente privados e estrangeiros, em detrimento do amortecimento dos custos internos, penaliza os mais pobres, enriquece os mais ricos e drena nossos recursos para o capital privado internacional.

Fonte: Brasil de Fato