O que é bom para Bolsonaro é, de fato, bom para o Brasil e a Petrobrás?

Por Raquel Sousa e Rafael Prado

Por Raquel Sousa, advogada de sindicatos de petroleiros e historiadora. Rafael de Paula Prado Alvarelli, presidente do Sindipetro SJC (São José dos Campos e Região) e dirigente da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) 

Em janeiro de 2003, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, o litro de gasolina custava no Brasil em média R$ 2,16.

Em abril de 2016, último mês completo do governo Dilma Rousseff, o litro valia R$ 3,71.

Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República com a promessa de baratear os combustíveis.

Em janeiro de 2019, o litro de gasolina custava em média R$ 4,27 e o botijão de gás de 13 kg, R$ 69,15.

Três anos depois, a média nacional do litro da gasolina está em R$ 6,61 e o botijão de gás, R$ 104,65.

Tanto que hoje o impacto das sucessivas altas dos preços dos derivados do petróleo é um grande drama vivido por milhões de brasileiros, em particular pela população de baixa renda.

Nos próximos dias o Senado Federal deve votar o PL 1472/2021, que promete baixar o litro da gasolina em até R$ 3,00 e o botijão de gás de 13kg em até R$ 20,00.

O projeto é do senador Rogério de Carvalho (PT/SE), que o apresentou em 20 de abril de 2021.

Em 9 de novembro de 2021, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) é designado relator. 

Em card na capa do seu perfil de rede social, o senador reforça as promessas.

À primeira vista, a aprovação do PL 1472/2021 pode parecer uma solução justa.

Afinal, acesso a combustível e gás de cozinha baratos, como foi garantido pela Petrobrás durante os governos do PT até o Golpe de 2016, é o que todos nós desejamos.

O problema é que a “solução” apresentada pelos senadores Rogério de Carvalho e Jean Prates é injusta.

O PL 1472/2021 transfere recursos públicos – portanto, dinheiro do povo brasileiro — às grandes petroleiras internacionais, como Shell, Total, Exxon Mobil, Texaco –, para que continuem mantendo os seus elevados lucros.

Em entrevista ao UOL, em 18 de janeiro de 2022, o senador Jean explica como isso se dará na prática:

“Quem que ganhou com a alta? A Petrobras e o governo federal ganharam dividendos, os royalties aumentaram, participações governamentais na indústria do petróleo aumentaram, também as reservas internacionais se valorizaram, também alguns fundos estatais que têm superávit ganharam com isso.

Então, a gente pega todas essas fontes, normalmente vinculadas à alta excepcional do dólar e do petróleo, joga numa conta de compensação e permite que se faça o seguinte: Garantir o preço internacional para o refinador e para o importador para ele não deixar de investir, e para o consumidor garantir preços mais acessíveis e condizentes com a nossa condição de país autossuficiente em produção de petróleo”.

Leitor, você não entendeu errado nem o jornalista responsável pela reportagem se equivocou.

O senador diz com todas as letras que é preciso “garantir o preço internacional para que o refinador e o importador não deixem de investir”.

Essa afirmativa seria aceitável se partisse de um neófito total na área.

Mas nunca do presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobrás, que é o próprio senador Jean Prates.

Aliás, desde o governo do usurpador Michel Temer, grande parte dessa frente parlamentar denuncia a criminosa rapinagem do patrimônio da Petrobrás

Subsidiárias, refinarias e campos de petróleo valiosíssimos estão sendo entregues para as grandes petroleiras internacionais, por preços vis, em processos obscuros.

A lista é imensa: TAG, NTS, BR Distribuidora, Petroquímica Suape, Refinaria Landulfo Alves (RLAM), Termobahia; campos do pré-sal como Lapa, Iara (aqui se doou a tecnologia de operação dos campos para a Total) e Carcará.

A aprovação desse PL representa:

— Comprometimento da própria existência da Petrobrás enquanto empresa estatal, já que transfere ainda mais recursos do petróleo brasileiro para garantir o preço internacional no mercado de derivados de combustíveis.

— Capitulação da Oposição a um tema extremamente desgastante para o governo Jair Bolsonaro, que busca a reeleição neste ano.

Na verdade, os grandes beneficiários serão:

— o governo Bolsonaro pela redução dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis na bomba em ano de eleição; 

— os privatistas do setor que terão seus lucros garantidos por uma generosa fatia dos recursos estatais oriundos dos royalties e demais participações governamentais na produção de petróleo.

Curiosamente, ao defender o PL 1472/2021, o senador, pelo visto, está retornando às suas origens profissionais. 

Jean Paul Prates — é fato público — foi um dos elaboradores da Lei do Petróleo, que regulamentou a quebra do monopólio estatal do petróleo no Brasil.

Trata-se da lei n° 9.478, sancionada em 6 de agosto de 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Essa lei autorizou a entrega das reservas nacionais de óleo e gás às grandes petroleiras internacionais, cujos interesses foram representados durante anos pela empresa de consultoria Expetro, de Jean Paul Prates.

No artigo Petróleo e direito (na íntegra, mais abaixo), publicado em O Globo, em 18 de fevereiro de 1994,  ele disse que a quebra do monopólio estatal se “justificaria” pela necessidade de investimentos estrangeiros como um dos passos “em direção a uma indústria do petróleo moderna, eficiente, ativa e competitiva!”

Mas como o senador bem sabe, nesses 25 anos de vigência da Lei do Petróleo, os investidores estrangeiros pouco ou quase nada investiram na construção de refinarias, dutos e modernização da indústria nacional do petróleo.

A quase totalidade dos investimentos no setor foi feito pela Petrobrás.

O papel dos investidores estrangeiros tem sido apenas o de fazer lobby para privatizar a Petrobrás e, após o Golpe de 2016, o de se beneficiar com a compra a preço de banana das refinarias construídas com dinheiro público.

Na prática, a defesa da Petrobrás estatal está sendo substituída por um projeto de lei que paga a conta da privatização com recursos do próprio Estado.

O que restará da bandeira de defesa do petróleo para os brasileiros?

Haverá espaço para uma empresa estatal sob legislação privatista e entreguista para o setor de refino?

De acordo com o artigo 173 da Constituição Federal, o relevante interesse coletivo é que justifica a existência da Petrobras enquanto empresa pública.

Mas qual o relevante interesse coletivo em manter uma empresa que servirá basicamente de correia de transmissão para drenar parte de seus lucros e de dinheiro público para as grandes petroleiras internacionais?

Só que é possível, sim, garantir preços baixos e justos à população, sem que dinheiro público (que deveria ser investido em saúde, educação, moradia) seja destinado a financiar o lucro das grandes petroleiras internacionais.

Para isso é necessário romper com a política de privatização da Petrobrás e a nefasta política de Preço de Paridade de Importação (PPI). É preciso garantir que a Petrobrás volte a ser uma empresa de energia, integrada do poço ao posto.

O PL 1472/2021 é a negação de tudo o que foi defendido por anos pelos sindicatos e que também fundamentou a política dos governos do PT, que usaram a Petrobrás  como instrumento de regulação do mercado interno de derivados.

A Petrobrás, exercendo a vantagem competitiva de o Brasil ser produtor de petróleo, buscava combinar as margens de exploração, produção e refino, além de outras participações ao longo da cadeia (como a BR Distribuidora, por exemplo).

Também o fato de operar o transporte do petróleo e seus derivados, através da Transpetro, para precificar seus produtos com uma política independente do mercado internacional de petróleo, mas sempre garantindo o lucro e o financiamento do seu negócio, inclusive investindo muito mais no país.

Neste sentido, vale resgatar este trecho da entrevista de Guilherme Estrella, o Pai do Pré-Sal:

“Qual é o papel de uma empresa estatal? Ela representa o governo e o Estado e, nesse contexto, a população de seu país. Claro, como uma empresa do Estado, ela tem por obrigação defender os interesses da nação. A presença da Petrobrás no Brasil inteiro já estava sendo destruída fortemente pelo governo FHC. (…)

Dizíamos que uma empresa estatal deve estar, por definição, em todo o Brasil, principalmente operando num setor tão estratégico e básico para o desenvolvimento nacional, que é a energia – no caso, combustíveis líquidos e gás natural. (…)

Com aquela visão – e eu participei disso pessoalmente –, a estatal tinha nas áreas onde operava uma interseção com a sociedade gigantesca, sob o ponto de criação de empregos e desenvolvimento das economias locais e regionais.

Nos estados em que a Petrobrás operava, ela era a maior empresa de lá, mesmo em unidades não muito gigantescas, como em Macaé.

Outra coisa é que a Petrobrás, como nós recuperamos como sistema integrado, enfrentava variações de preço do petróleo com muito mais segurança do que uma empresa que lida só com grandes campos”.

O movimento sindical petroleiro tem denunciado que a alta do preço dos combustíveis é resultado direto da privatização do setor.

Com o fim do Sistema Petrobrás, o Brasil optou por não tirar vantagem da sua capacidade de ser formador de preços de derivados de petróleo e ficou à mercê das intempéries da geopolítica do petróleo.

Por mais que o estado seja o acionista controlador da Petrobrás, hoje é o sistema financeiro que dá as cartas na gestão da companhia.

A política do Preço de Paridade de Importação (PPI) é a ferramenta utilizada pela atual gestão para aumentar os lucros em detrimento do bolso do povo brasileiro.

Em consequência, hoje existem quase 400 agentes de importação que se aproveitam disso para internalizar gasolina e diesel a preços internacionais.

Com isso, a Petrobrás diminuiu sua atuação estatal enquanto cresce a farra dos privatistas no mercado de derivados. Duas refinarias já foram vendidas e outras estão na mira.

Queremos uma Petrobrás forte e estatal, para que os recursos do petróleo brasileiro sejam direcionados para saúde, educação, geração de empregos. Enfim, para que possamos viabilizar um projeto que tenha capacidade de mudar a vida do povo brasileiro.

O PL 1472/2021, portanto, é um golpe na luta do povo brasileiro em defesa da Petrobrás.

É como profeticamente cantou Cazuza na magistral música O tempo não para, de 1988: “Eu vejo o futuro repetir o passado”.

O PL 1472/2021, hoje encampado pelo senador-relator, demonstra o retorno de Jean Prates às suas posições do passado, quando, via Expetro, representava as petroleiras estrangeiras e era grande defensor da quebra do monopólio estatal do petróleo, como mostra o artigo Petróleo e direito, publicado, em O Globo, em 18 de fevereiro de 1994. 

Depois de ajudar a abrir o caminho para a venda das reservas brasileiras de petróleo, Jean Paul Prates passou a assessorar os compradores dessas reservas nos leilões, por meio de sua empresa, a Expetro, que tinha como clientes  Shell, Texaco, Gulf, entre as cerca de 50 empresas privadas de petróleo.

Afinal, o que justifica a defesa de um PL que pavimenta o caminho para a privatização total da Petrobrás, através do repasse de recursos do estado brasileiro para bolsos privados?

O que justifica a defesa de um PL que beneficia os que deram o golpe de 2016 e fortalece os privatistas e o próprio governo Bolsonaro em pleno ano eleitoral?

A propósito. Nos próximos dias, o presidente Jair Bolsonaro deve mandar ao Congresso Nacional um projeto nos mesmos moldes do PL dos senadores Rogério Carvalho e Jean Paul Prates.

Depois dessa, ainda tem alguma dúvida sobre quem se beneficiará com a aprovação do PL 1472/2021, um autêntico Robin Hood às avessas?

Após três anos do governo, uma coisa já está cabalmente comprovada: o que é bom para Bolsonaro não é bom para o Brasil nem para a Petrobrás.