A alta do dólar e as consequências na vida dos petroleiros

Eric Gil Dantas

Por: Eric Gil Dantas, economista do Ibeps*

Os economistas de mercado geralmente aproveitam dados negativos ou positivos da economia para falar, de forma extremamente simplista, que precisamos fazer mais “reformas” (liberais, como privatizações, diminuição de direitos trabalhistas ou diminuição de tributos para empresários). Se o câmbio aumentou, é porque o teto de gastos está sendo ameaçado com uma renda básica para a população, se a bolsa subiu é porque as reformas estão dando certo. Isto é, além de argumentos e receitas simplistas, são contraditórias.

Neste artigo proponho fazermos uma análise mais pormenorizada de uma variável econômica que vem impactando a vida de qualquer trabalhador brasileiro, ela saiba disto ou não, o câmbio.

O que determina a taxa de câmbio de um país é a interação entre oferta e demanda de divisas (como geralmente são nomeadas as moedas no âmbito do comércio internacional). Isto quer dizer que, se uma moeda for mais demandada o seu preço aumenta. Por exemplo, se o Brasil estiver com um grande crescimento do seu PIB, mais indivíduos e empresas estrangeiras entrarão na economia local, e para fazer qualquer tipo de investimento (seja produtivo, seja especulativo) terá que chegar no país com Dólar e comprar Real, aumentando a oferta de Dólar e a demanda por Real. Isto faz valorizar a taxa de câmbio, o Real sobe em relação Dólar.

Em uma economista globalizada e financeirizada, como a que vivemos mundialmente desde a década de 1970, grande parte deste dinheiro não tem por finalidade a produção (como montar uma fábrica em São José dos Campos), e sim a especulação (bolsa de valores ou letras de câmbio) ou ativos puramente financeiros (títulos de dívida, público ou privado). Historicamente, o Brasil é um país que paga altíssimas taxas de juros, não só nos bancos, mas também para títulos de dívida pública. E isto sempre foi um atrativo para a entrada de capitais estrangeiros no país.

A diferença entre o que se paga de juros lá fora e o que se paga de juros aqui fez capitais entrarem no Brasil. Inclusive isto se fortaleceu a partir da crise mundial de 2008, quando vários bancos centrais na Europa e em outros países ricos diminuíram drasticamente suas taxas básicas de juros (chegando ao campo da taxa de juros negativa). Como o Brasil manteve taxas de juros extremamente altas, isto fez dinheiro sair da Europa e dos EUA para virem para o nosso país. O efeito foi uma valorização do Real (enquanto que o câmbio médio no ano de 2008 foi de R$2,33, em 2009 caiu para R$1,74).

Mas agora o efeito é o oposto. Desde 2017 o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, aumentou sua taxa básica de juros, passando de uma mínima de 0% e uma máxima de 0,25% (uma banda, e não uma taxa fixa, como no Brasil), em fevereiro de 2017, para um pico de 2,25% a 2,5%, em junho do ano passado. Mas com a pandemia, as taxas de juros caíram para os mesmos patamares de 2017, a fim de incentivar a economia. Mas isto foi o principal responsável por desvalorizar, mais fortemente no ano passado, inúmeras moedas no mundo, principalmente de países em desenvolvimento – como o Brasil, Argentina, Turquia e África do Sul.

Aliado ao aumento da taxa básica de juros do Fed, também tivemos uma queda da taxa básica de juros no próprio Brasil (SELIC). Segundo levantamento da Infinity Asset Management, publicada pela MoneYou[1], em setembro de 2015 o Brasil tinha a maior taxa real de juros do mundo, um valor de 5,01%, enquanto que os EUA tinham uma taxa real de juros de -0,05%, valor muito próximo aos países da Europa Ocidental (vários deles também no campo das taxas negativas), ainda impactos pela crise econômica mundial de 2008. Hoje, em setembro de 2020, depois de sucessivos cortes da taxa básica de juros, temos uma taxa real de juros negativa de -0,81%, segundo o levantamento da mesma instituição para setembro de 2020[2]. Assim, o Brasil passa a ter a 16º maior taxa real de juros do mundo, e uma taxa de juros muito próxima a de países ricos, como Suíça, Coreia do Sul e Nova Zelândia. Isto faz com que menos capitais estejam dispostos a ficar no Brasil, migrando para outras economias mais ricas – diminuindo a demanda por Real e aumento por Dólar.

A desvalorização se acentua agora, com a crise mundial. Uma medida disso foi a saída recorde de “investidores” estrangeiros na Bolsa de Valores, a B3, desde o início do ano por conta da pandemia (ou o que viria a se tornar a pandemia, em março). Na economia mundial, em momentos de crise, o “dinheiro” foge para países mais ricos, sendo o dólar o principal ativo internacional para este momento (ao lado do ouro).

Esta desvalorização do câmbio vem em um contexto nacional de desindustrialização e reprimarização da economia brasileira, o que agrava o problema para o trabalhador brasileiro. Cada vez mais exportamos soja, petróleo cru e outras commodities e importamos produtos industrializados. E com o Dólar alto isto encarece as mercadorias internamente, além de diminuir a renda do trabalhador (já que cada vez menos tem emprego na indústria, que paga salários mais altos).

Uma outra forma de aumento de preços via desvalorização do câmbio ficou muito famosa nas últimas semanas, com o arroz. Não só o arroz, que está no item “Cereais, leguminosas e oleaginosas”, do IPCA do IBGE, e subiu 26,69% no acumulado dos últimos 12 meses, mas carnes subiram 27,73% e óleos (soja) e gorduras subiram 19,28%. Isto em meio à maior crise econômica do país em pelo menos um século. A explicação disto é muito parecida com o que ocorre no mercado de petróleo, uma commodity, tal como o arroz e a soja. Com o aumento do dólar e da demanda chinesa, o preço praticado no país também sobe, porque apesar de nós produzirmos, basicamente com custos de moeda nacional (à exceção de algumas coisas como máquinas e equipamentos), a decisão de venda dos produtores é em âmbito do mercado internacional. Se o chinês pagar 1 dólar em um quilo de arroz, ele só venderá ao brasileiro se este estiver disposto a pagar 5 reais pelo mesmo produto.

Bem, mas o que quero dizer com tudo isto. O Brasil está com o Real sendo desvalorizado continuamente, mas isto não é porque não estamos piorando a vida do trabalhador suficientemente (com teto de gastos, com corte em Saúde e Educação, privatizações, com retirada de direitos trabalhistas ou com aparelhamento do Estado e demissões de servidores  públicos via Reforma Administrativa), dando tudo o que o “deus” Mercado pediu como sacrífico em nome da “credibilidade” do país. Isto ocorre por termos uma economia global extremamente financeirizada, à procura de países para parasitar, e com a queda da taxa de juros – fruto da maior crise econômica do século XXI –, estes “investidores” não querem mais ficar no Brasil. Inclusive, esta é a mesma explicação para a valorização da Bolsa de Valores (com queda da taxa de juros, fundos e “investidores” migraram para a “renda variável”, aumentando o valor das ações).

Este movimento prejudica, encarece a vida do trabalhador, com o aumento do trigo importado, dos componentes da TV que o trabalhador compra, com as indexações a preços internacionais da gasolina, do diesel, da soja e do arroz. Por outro lado, melhora a vida dos ruralistas, principais beneficiados por esta alta.

Mas não resolveremos com as “reformas” de Guedes, e sim com o fortalecimento de uma economia nacional, com empresas (inclusive estatais) fortes e que produzam para o mercado interno, tal como fazem nossas refinarias.

* Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política (UFPR) e pesquisador-visitante (FGV-SP).