Por que a venda das refinarias criará monopólios privados e quais são as consequências disto?

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

A direção da Petrobrás tem como meta privatizar oito refinarias pertencentes à estatal: REFAP (RS), RNEST (PE), REPAR (PR), RLAM (BA), LUBNOR (CE), REGAP (MG), REMAN (AM) e SIX (PR). Este processo já está na chamada fase vinculante, um estágio mais avançado do processo de venda de ativos. Destas, a Refinaria Landulpho Alves (RLAM) já está quase vendida ao fundo de investimentos Mubadala, dos Emirados Árabes.

O argumento para a venda é a celebração do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) da Petrobrás com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em tese a fim de “estimular a concorrência no mercado nacional de refino, até então explorado quase integralmente pela Petrobras, por meio da entrada de novos agentes que atrairiam investimentos para o setor”[1]. Apesar de empresas privadas poderem construir livremente refinarias, hoje apenas quatro de todas as 17 são privadas, e juntas somam irrisórios 1,4% da capacidade de refino do país.

Mas será que este argumento é verdadeiro? Se a Petrobrás privatizar as refinarias teremos mais concorrência, e com isto menores preços e maior crescimento econômico? Ou seria exatamente o oposto?

Teremos maior concorrência?
Em estudo produzido por Antônio Thomé, Marcelo Seeling, Carlos Maligo, Allan Cormack e Millena Mansur do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio, sob encomenda da Brasilcom - Associação das Distribuidoras de Combustíveis, os pesquisadores chegaram à conclusão oposta a partir de uma análise empírica sobre as possíveis mudanças no setor com a venda destas refinarias. Segundo os pesquisadores, a consequência disto será uma “alta possibilidade de formação de monopólios privados regionais, sem garantia de aumento de competitividade que possa ser refletido em redução do custo aos consumidores finais”[2].

 Eles chegaram a esta conclusão analisando a produção e o escoamento de Gasolina A e Diesel A das refinarias do país, considerando os diferenciais de custo entre as possíveis alternativas de suprimento, isto é, a possibilidade da concorrência real – levando em conta tanto os custos de produção quanto a possibilidade e o custo de levar seus produtos para regiões geográficas onde estariam as outras refinarias (verificando se há formas de escoamento por dutos, ferrovias, portos e rodovias e quanto isto adiciona no preço do seu produto).

Como exemplo, na REFAP, no Rio Grande do Sul, os autores afirmam que há “alta probabilidade de estabelecimento de monopólio regional privado no mercado do RS. Com exceção do Sul do estado, em que pode haver pressão competitiva da Refinaria Rio Grandense, no entanto com impacto limitado, já que a produção da Rio Grandense no óleo diesel é 10% da produção da REFAP, e em torno de 15% na gasolina”. Além disto, temos: (i) “mercado protegido pela falta de infraestrutura portuária para internação de produtos derivados claros importados”, (ii) “é provável que a venda da REFAP fique limitada a troca de agente econômico, sem benefícios de aumento de competitividade na comercialização de óleo diesel e gasolina neste mercado”        e, consequentemente, (iii) “não havendo investimentos em expansão de infraestrutura logística para movimentação de derivados que possa mitigar o monopólio natural configurado para o estado do Rio Grande do Sul, é baixa a probabilidade de que a pressão competitiva se reflita em redução de preços aos consumidores finais deste mercado”. Em síntese, como não há forma real de chegar produtos de outras refinarias (seja a partir da REPAR, no Paraná, seja importando), a REFAP terá um monopólio privado no estado, fazendo com que não haja novos investimentos e logicamente sem redução de preços. Pelo contrário, quando um monopólio privado é estabelecido, a tendência é que haja elevação dos preços.

Os autores aplicam esta mesma metodologia para todas as outras refinarias que devem ser privatizadas e concluem que as únicas que têm apenas “moderada” (e não “elevada”) chance de virar um monopólio privado são a REPAR (por conta da REFAP, das importações e da proximidade da Petrobrás do Sudeste) e a RNEST (também por conta de importações e da possibilidade de Petrobrás do Sudeste levar estes produtos utilizando-se de cabotagem).

Concluindo, trocaremos o monopólio estatal por monopólio de empresas privadas.

Aumento das importações e impactos negativos na economia brasileira

Eu chamaria a atenção para outro elemento que os autores não tinham por objetivo explorar. A concorrência pode ser basicamente via importações. Como já tratei em outro artigo[3] – a partir de simulações feitas por Matriz Insumo-Produto por pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) –, esta substituição de produção nacional por importados diminui o PIB e eleva os preços, além de diminuir empregos e as receitas públicas. É importante lembrar que a diminuição da produção de derivados nacionais e o aumento das importações destes produtos já vem ocorrendo nos últimos anos, sendo que a venda das refinarias poderá intensificar este processo.

Mais um impacto possível é que o comprador de uma refinaria possa simplesmente parar a produção, e optar por transformar seus ativos em um depósito de produtos importados. Utilizando-se da estrutura herdada de logística da Petrobrás e do novo monopólio regional poderá ser uma opção do novo dono ser apenas um revendedor, e não um produtor.

Como pudemos ver, o efeito é exatamente o oposto do discursado pelo Cade e pela Petrobrás, a venda das refinarias não irá gerar concorrência e queda de preços, e sim a criação de novos monopólios, sendo estes agora privados. Com monopólios privados não teremos mais controle sobre os preços, diferentemente do que temos quando há um monopólio (ou ao menos um importante player) estatal no mercado – sendo o preço submetido às decisões de política econômica e de bem-estar geral da população.

Esta desculpa, sem comprovação empírica, está acontecendo também em outros mercados que a Petrobrás atua/atuava. Basta lembrar do TCC da Petrobrás com o Cade para a venda da NTS e TAG (além da Nova Lei do Gás), que transferiu um monopólio estatal no transporte de gás natural para um monopólio privado. Ou também da Liquigás, que com a sua privatização irá gerar um oligopólio privado liderado pela Copagaz e a Nacional. Em síntese, a política de Guedes e cia. não é gerar competitividade, e sim criar mercados amigáveis para os seus clientes.

 

[1] http://www.cade.gov.br/noticias/cade-e-petrobras-celebram-acordo-para-venda-de-refinarias-de-petroleo

[2] http://www.mme.gov.br/documents/36220/1123057/Apresentação+Estudo+PUC-Rio+-+Brasilcom+27-04-2020++%28versão+final%29.pdf/e332ddfa-3c2e-8b6d-16b8-2a9bd3e4184a

[3] https://www.sindipetrosjc.org.br/publicacoes/p/2096/politica-de-diminuicao-da-utilizacao-das-refinarias-da-petrobras-diminui-pib-e-aumenta-inflacao