O lucro da Petrobrás de 2020, impairment e AMS

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

2020 foi um ano atípico na economia, e com forte influência no setor de petróleo. Foi o ano em que o barril WTI chegou a ser vendido a valores negativos, e mesmo o brent chegou a cerca de 9 dólares no auge da crise. A Petrobrás, neste contexto, teve grandes variações em seus resultados ao longo do ano passado, com três trimestres apresentando prejuízo (em grande parte por questões contábeis abordada em textos anteriores) e o último com um lucro líquido de R$ 59,89 bilhões, fechando o ano de 2020 com R$ 7,1 bilhões em lucro líquido.

Apesar do número aparentemente animador, várias questões contábeis se sobrepõem novamente a este resultado. O primeiro é o impairment, um tipo de mudança nos valores de ativos de uma determinada empresa. Neste caso, ocorreu principalmente nas reservas de petróleo por conta da queda e depois da recuperação do preço internacional do barril de petróleo. No primeiro trimestre de 2020, a Petrobrás havia feito uma baixa contábil de R$ 65,3 bilhões, pois mudou suas previsões acerca do preço do barril de petróleo, projetando que o seu preço ficaria em 25 dólares em 2020, e só chegaria a 50 dólares em 2025, uma projeção que se mostrou extremamente errada – à época tendo feito um impairment muito superior aos seus pares internacionais[1]. Com a revisão desta projeção, tendo hoje um barril a mais de 60 dólares, a Petrobras repôs o valor antes eliminado, criando um resultado financeiro positivo contábil de R$30,97 bilhões em impairment – ajudando a jogar para cima o seu lucro líquido.

Um outro elemento contábil que favoreceu o resultado foi a mudança na AMS. Com a assinatura do ACT 2020-2022, e a consequente mudança na proporção de custeio do plano (de 30x70 para 60x40 e depois 50x50), a estatal reconheceu um ganho no resultado do exercício de R$ 13,1 bilhões. Isto é, como a Petrobrás terá menos despesas com o plano de saúde dos funcionários (obrigações futuras), adicionou esta economia ao balanço de 2020, também aumentando seu lucro contábil.

Dito isto, vejamos as variáveis que nos dizem mais concretamente sobre o ano de 2020 da Petrobrás. As receitas de vendas da empresa caíram 10%, se comparado ao ano de 2019, principalmente pela queda da venda de derivados devido à pandemia. As receitas com derivados caíram 17% - tanto pela diminuição do volume vendido quanto dos preços (à exceção do GLP, que teve sua demanda aumentada na pandemia). Por outro lado, as exportações (principalmente de óleo cru e de óleo combustível) continuam a subir, com avanço de 12% neste ano. Isto se dá pela demanda por petróleo com menor teor de enxofre, característica do óleo advindo do pré-sal.

O pré-sal é uma chave importante (e verdadeira, diferentemente do blá blá blá do futuro ex-“CEO” da companhia) para entender os avanços da estatal nos últimos anos. Além de ela ter sido a responsável pelo crescimento das exportações, também foi responsável por grande parte da diminuição do custo de extração do petróleo no Brasil (lifting cost), 29% mais barato em 2020 se comparado ao ano anterior, e do aumento da carga nacional processada pelas refinarias, que passou de 91% em 2018 para 94% em 2020 – o que diminui os problemas cambiais.

Retomando aos dados de receitas, temos que os Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (Ebitda) subiram 11% em 2020, empurrado pelas exportações já mencionadas, mesmo com a queda dos derivados, e pelos menores gastos com a AMS.

Uma mudança importante neste ano foi a revisão da Política de Remuneração aos Acionistas da Petrobrás. Com isto, mesmo a empresa não tendo lucro líquido ela poderá pagar dividendos aos seus acionistas. Um fortalecimento na linha do que importa na empresa são os acionistas (minoritários), mostrando qual é a verdadeira prioridade da empresa, pois isto ocorre em contexto de perda de direitos (por exemplo, PDVs, AMS e Petros) e de entrega de ativos estatais aos amigos e clientes. Os acionistas do ano de 2020 receberão R$10,272 bilhões em dividendos, R$ 5,71 bilhões através da distribuição do lucro do exercício e R$ 4,56 bilhões pela utilização de reservas de lucros. Um valor extremamente alto para quem teve um “lucro líquido recorrente” (quando se elimina os itens extraordinários, como impairtments) de R$ 13,24 bilhões no ano.

Este número é muito parecido com o que a Petrobrás recebeu pelas privatizações em 2020, R$ 10,2 bilhões. Na prática, as privatizações da Petrobrás estão servindo para entregar dinheiro aos acionistas privados da companhia.

Em síntese, os resultados são mais contábeis do que reais. Os aspectos positivos neste ano são basicamente devidos ao pré-sal, que salvou a empresa de um ano muito difícil. Isto é, Castello Branco tenta sair da companhia pela porta da frente, colando nele o mérito que não é, e nunca será, de um sujeito que passou todo o seu mandato a serviço da destruição da empresa.

A estatal colhe frutos de investimentos bilionários do passado, mas e o futuro da empresa? Colheremos o quê do seu encolhimento, das suas privatizações, da sua desistência de participar da transição energética?

[1] https://www.sindipetrosjc.org.br/p/1828/a-desvalorizacao-dos-ativos-da-petrobras-faz-sentido