Preço recorde do GLP fará milhões de brasileiros voltarem para o fogão a lenha

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

A discussão sobre o preço do gás de cozinha no Brasil perpassa em muito a mera lucratividade da Petrobrás e de outras empresas que atuam no setor de produção, distribuição e revenda deste produto. Isto é ainda mais verdade quando falamos sobre o Brasil de 2021, que passa por uma das maiores crises econômicas de sua história, crise esta que já se aproximava antes mesmo do golpe de misericórdia dado pela pandemia. Em um país onde a taxa de desemprego chegou a 14,2% - 14ª maior taxa de desemprego do mundo – e com inflação de 6,10%, sendo a inflação de alimentos 13,87%, falar sobre preço do GLP é falar sobre a sobrevivência das famílias.

O preço do gás de cozinha chegou ao seu maior nível desde que a ANP disponibiliza este dado, iniciado em julho de 2001. Como pode ser visto no Gráfico 1, deflacionando todos os valores para março deste ano, fica evidente que nunca tivemos um botijão de gás tão caro. A última vez que este valor chegou próximo a este patamar foi há quase duas décadas, em julho de 2002. Atualmente estamos com um preço 21% acima da média deste período, média esta de R$ 69,61 para valores de março de 2021.

Gráfico 1 – Preço médio de revenda do GLP no Brasil (em Reais de março de 2021)

Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]

Como já tratamos diversas vezes aqui, isto é explicado pela política de preços da Petrobrás. Estamos em um momento de alta do preço do barril de petróleo, com o brent entre 65 e 70 dólares, alta esta que provavelmente se manterá ao longo deste ano junto à todas as outras commodities. Além disto, entre janeiro de 2017 e hoje, o Dólar já valorizou em 77% diante do Real. Estes dois fatores mais outras particularidades do PPI, fazem a Petrobrás cobrar preços irreais e insustentáveis para a nossa economia, ajudando a derrubar ainda mais o poder de compra dos brasileiros.

Um sintoma dos altos preços do GLP é a retomada da utilização de lenha e carvão pelas famílias brasileiras. Esta fonte de energia residencial, principalmente utilizada para a cocção de alimentos, era muito comum no Brasil até a década de 1970. Desde aquele ano, como podemos ver no Gráfico 2 – esta forma de cozinhar veio diminuindo constantemente. Saiu de 88,4% da matriz energética residencial para 25,9% em 2013, menor patamar da história. No entanto, crise econômica e aumento do preço do gás de cozinha forçaram um retorno da lenha e do carvão em milhões de lares brasileiros, interrompendo a mudança da matriz.

Gráfico 2 – Participação de lenha e carvão na matriz energética residencial do Brasil (1970 – 2019)

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

Como podemos ver no Gráfico 3, as residências do país têm uma matriz energética dividida entre energia elétrica (46%), lenha (27%), GLP (24%) e gás natural e carvão vegetal (2% cada). Mas para a cocção, os meios mais comuns são o GLP e a lenha/carvão.

Gráfico 3 – Matriz energética residencial do Brasil (2019)

Fonte: EPE

Apesar de lenha e carvão serem fontes de energia presentes nas residências do país, a sua utilização tem uma correlação muito forte com o preço do gás de cozinha. Isto é, não é a vontade particular das pessoas de cozinharem utilizando lenha e carvão, e sim o preço da opção mais eficiente e limpa (o GLP) que determina grande parte do montante de famílias que lançarão mão desta opção.

No Gráfico 4, podemos ver que o aumento do preço médio do GLP faz com que muitas famílias passem a utilizar esta fonte. O ano de 2018, que teve o maior preço médio do GLP entre 2016 e 2019 (anos os quais temos os dados do IBGE para utilização de lenha ou carvão para cocção), também foi o ano em que mais famílias utilizaram esta fonte de energia. O aumento de 8 reais no preço médio do GLP (obviamente que aliado aos efeitos da crise econômica na renda e no emprego), fizeram com que quase dois milhões a mais de famílias brasileiras cozinhassem com carvão e lenha em 2018, se comparado a 2017.  

Gráfico 4 –  Milhões de famílias que utilizaram lenha ou carvão para cocção e preço médio anual do GLP em valores de março de 2021

Fonte: EPE, ANP, IBGE [Elaboração própria]

A partir disto, é possível imaginarmos o efeito do preço recorde do GLP nas cozinhas das famílias brasileiras. Se em 2018, a um preço médio de 77 reais por botijão, 14,1 milhões de famílias usaram lenha e carvão, o que será do ano de 2021, quando já temos um preço médio até aqui de R$ 80,43, e que não para de subir?

A aplicação de um preço justo pelos produtos derivados de petróleo, sendo o GLP a R$ 60 reais o botijão, é urgente. Não podemos mais sacrificar a renda e a alimentação das milhões de famílias brasileiras e os milhares de comércios que também dependem desta fonte para saciar a sede de meia dúzia de acionistas. Não podemos mais submeter a economia nacional aos interesses deste deus chamado Mercado.