Gilberto Bercovici fala dos prejuízos ao país com mudança na lei do pré-sal

Indicado pela FNP para debater Lei 4567/16

“Temos uma oligarquia que vive de explorar renda a partir da posse de terras ou da exploração de bens primários. É uma oligarquia ligada ao sistema financeiro, cujo o único interesse é explorar ao máximo a riqueza do nosso país. Exportá-las ao preço que for para obter rapidamente o máximo possível e aplicar no sistema financeiro. O resto da população, não estão nem um pouco preocupados. Eles não se identificam nem com o país, nem com o povo.” Tais frases não brotaram de um discurso proferido por algum aventureiro. Elas são de autoria de Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da USP e especialista em Vargas e João Goulart.

No dia da entrevista, na terceira semana de abril, Bercovici havia acabado de participar da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em Brasília, indicado pela FNP para discutir e avaliar o projeto de lei 4567/16, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP). Ele se disse decepcionado por se deparar com um roteiro já definido. “Eu não sei para que eles fazem essas audiências públicas. Acho que é só para mostrar para a plateia, porque tá na cara, pelo presidente e pelo relator da comissão, que eles vão propor a retirada da Petrobrás como operadora única do pré-sal”, disse ele.

Vale a pena lembrar que o PL 4567/16 altera a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, que estabelece a participação mínima da Petrobrás no consórcio de exploração do pré-sal e a obrigatoriedade de que ela seja responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção.

Durante a entrevista, Bercovici aborda ainda assuntos como a Petrobrás no período de Vargas e João Goulart, além do entreguismo no Brasil, que persiste por décadas na história do País. Esta é a primeira entrevista de uma série com os Indicados da FNP para participar da Comissão Especial. Confira abaixo, a opinião de Bercovici.

FNP – Qual a importância do pré-sal para o Brasil?
O pré-sal, na realidade, é uma luta de paradigma na indústria do petróleo no Brasil, porque até a descoberta do pré-sal, o Brasil tinha reservas mas não tinha grandes reservas. Então, toda lógica de atuação da Petrobrás e do Estado brasileiro era um pouco na lógica de garantir o abastecimento. Com o pré-sal, o abastecimento é mais do que garantido e se pode começar a pensar em outras oportunidades para fazer com essas reservas: utilizar para exploração industrial, energética e inclusive exportar. Existe uma série de oportunidades.

FNP – Tirando a Petrobrás da condição de operadora única do petróleo vai resolver a crise financeira pela qual estaria passando?
Pelo contrário, vai agravar ainda mais. Na verdade a crise financeira da Petrobrás se deve a outros motivos. A indústria petrolífera mundial está em crise devido as baixas do preço. Grandes empresas petroleiras estão cortando investimentos, estão revendo os seus planejamentos porque perderam receita e também, no caso do Brasil para agravar tem a questão do colapso do setor de infraestrutura. Todas as empreiteiras estão paradas a mais de anos. A Petrobrás acabou sendo atingida por essas duas frentes, digamos assim. A crise transcende a ela. Então, a crise é uma situação conjuntural e é obvio que a Petrobrás vai se recuperar. Mesmo sabendo que ela vai se recuperar, querem retira da Petrobrás um papel essencial que é o de operadora única do pré-sal. Tendo em vista que sendo operadora única do pré-sal é ela que mantém o controle tecnológico, consegue ditar o ritmo da aplicação do conteúdo nacional para a indústria petrolífera e consegue também controlar o ritmo e o nível de exploração do pré-sal.

FNP – A Petrobrás descobriu o pré-sal a parti de sua própria tecnologia. Que país no mundo seria capaz de abrir mão de sua tecnologia e de seus recursos para outros países?
Nenhum. A Noruega e a Inglaterra quando descobriram jazidas, nos anos 70, também jazidas importantes, logo garantiram o controle dos seus respectivos estados sobre essas reservas. Os Estados Unidos, por exemplo, jamais abririam mão. O Canadá jamais abrirá mão. Rússia, China, os países árabes, nenhum país no mundo abriria mão das reservas e o Brasil parece que quer abrir. Eu tive numa audiência pública na Câmara dos Deputados, nessa semana, e o que eu escutei lá dos deputados foi que tinha que vender logo o pré-sal para o Brasil não ficar com “mico na mão”. Eu queria saber como milhões, milhões barris de petróleo pode virar mico?

FNP – Você participou da Comissão Especial da Câmara. Arriscaria um palpite sobre o que vai acontecer futuramente?
Ali, o roteiro já está traçado. Eu não sei porquê eles fazem essas audiências públicas. Acho que é só para mostrar para a plateia. Está na cara, pelo presidente da comissão e pelo relator da comissão, que eles vão propor a retirada da Petrobrás como operadora única do pré-sal. Só não sei eles vão manter a proposta que veio do senado – que a Petrobrás tenha preferência – ou se vão adotar a proposta original do senador José Serra – que era a Petrobrás realmente não exercendo nenhuma vantagem na exploração do pré-sal. Ainda temos o risco, de acordo com declarações do próprio presidente da câmara, de eliminar o modelo da partilha. No fundo, é isso que eles querem. Você destrói a operadora única e abala um dos pilares do modelo de partilha, modelo adotado a partir de 2010 para exploração do pré-sal.

FNP- Se isso acontecer, como o brasil vai fazer para estimular a indústria nacional?
O impacto na economia vai depender muito de como estiverem os preços do petróleo e do interesse das empresas em vir para o Brasil e investir neste setor. Com certeza deve ter multinacionais com interesse, senão tivesse, não estariam pressionando para alterar a legislação. Agora, o impacto maior é que perdemos a chance de controlar a exploração e vamos virar países exportador de matéria-prima de novo ou simplesmente vão explorar para exportação e não vamos nos beneficiar com o petróleo ou criar a nossa indústria petroquímica, derivadas, a indústria de uma maneira geral, que era o projeto de utilização originária do pré-sal. O pré-sal servi para aumentar a nossa capacidade industrial, até porque, o petróleo acaba e temos que ter uma economia preparada para o momento em que ele deixar de estar disponível. Na verdade, estamos abrindo mão disso. Estamos querendo nos tornar meros exportadores de produto primário, exportando óleo cru, com todos os riscos, em troca de um suposto lucro rápido, porque, afinal, nós não podemos ficar com o “mico na mão”. Então, parece que o petróleo tem que ser vendido rápido, a qualquer preço.

FNP – O senhor é especialista em Vargas e João Goulart. Naquela época, o entreguismo já estava instaurado no País. O que há de semelhante na história do petróleo daquele período com o de agora?
Toda a história da Petrobrás, da constituição do monopólio do petróleo no Brasil é uma luta do brasileiro contra a entrega das nossas riquezas para multinacionais, para empresas estrangeiras que explorariam da maneira mais predatória possível essas riquezas. Toda luta do Vargas pela nacionalização do petróleo, com criação da Petrobrás, depois João Goulart com a reforma de base, foi toda uma luta para garantir a tentativa de desenvolvimento autônomo no país. O que nós vemos de similar são os mesmos argumentos que utilizavam contra a criação, contra a preservação da Petrobrás nos anos 50 e 60, do século XX, se repetem hoje. “Ah, a Petrobrás não tem condições para explorar; a Petrobras não tem dinheiro; o petróleo não tem importância; não é estratégico; vamos deixar os estrangeiros virem aqui e nós aprendemos com eles.” É a mesma linha de argumentação. Eu brincava com colegas que se pegássemos editoriais da grande imprensa brasileira dos anos 50, da campanha do petróleo, e os editoriais da crise da Petrobrás de hoje, é só fazer recorte e cola, os argumentos são os mesmos, mesmas mentiras.

FNP – Por que o entreguismo no Brasil ainda persiste?
Porque a nossa classe dominante, inclusive, destrói a própria capacidade de auto reprodução. Ela, por exemplo, destrói as universidades. Então, nem elite ela é. Porque elite é uma classe social que reproduz, que garante reprodução. O Brasil, nem isso tem. Infelizmente, a gente tem uma oligarquia que vive de explorar renda a partir da posse de terras ou da exploração de bens primários para exportação e aplicação desses recursos no sistema financeiro. É uma oligarquia ligada ao sistema financeiro, cujo o único interesse é explorar ao máximo a riqueza do nosso país. Exportá-las ao preço que for para obter rapidamente o máximo possível de dinheiro e poder aplicar no sistema financeiro. O resto da população, não estão nem um pouco preocupados. Eles não se identificam nem com o país, nem com o povo. É uma luta inglória nesse país defender o interesse público ou defender o interesse nacional.

FNP – Quem é o porta voz hoje do entreguismo?
Hoje tem vários. A grande mídia como O Globo, O Estado de SP, Folha de SP, as cinco ou seis famílias que dominam os veículos de comunicação de massa são os grandes porta vozes desse entreguismo nacional. Eles criam essa cultura favorável, sempre dizendo que a Petrobrás é um antro de corrupto, que só tem roubo, que as pessoas são incompetentes, que a Petrobrás não sabe fazer, que é dinheiro público jogado fora, que é melhor fazer outra coisa com o dinheiro ou então que o estado gasta mal, gasta errado. E esse discurso de que o mercado só tem virtudes e o estado só tem defeito que a grande mídia utiliza. Eles são os grandes porta vozes do entreguismo no Brasil.

FNP -Qual é a saída para a Petrobrás e para o pré-sal brasileiro?
O que pode ser feito e o que deve ser feito é mobilização da sociedade, mobilização popular. Os movimentos sociais, os partidos que se identificam com as causas nacionais, populares, com as causas progressistas e precisam se mobilizar, pressionar o legislativo, o judiciário nas ruas, de todas as maneiras para mostrar que a maior parte da opinião pública é contra a entrega das nossas riquezas, é contra a destruição da Petrobrás, que é contra o desmonte do Estado brasileiro. O único jeito de impedir isso é com manifestações populares e pressão popular, senão, eles vão passar com tudo e quando a gente perceber, vai demorar décadas para reverter os efeitos negativos. Eu acho que tem que ficar claro que a questão do petróleo é uma questão fundamental. A gente tá discutindo aqui a questão do pré-sal e o que vai ser o Brasil no século XXI. Se o Brasil entregar o pré-sal e virar um mero exportador de óleo cru, vamos voltar a ser uma economia primária exportadora, cuja agora o carro chefe, que já foi o café, já foi o açúcar, já foi o ouro, agora vai ser o petróleo, até o petróleo acabar ou deixar de ser interessante. Nós tínhamos que utilizar esse recursos para investir no nosso próprio desenvolvimento, em inovação tecnológica, em educação, na saúde, na formação de um parque industrial mais avançado, autônomo, e que nos dê possibilidade de garantir um futuro melhor para o país e para o seu povo. Não simplesmente usar uma riqueza natural e jogar fora.

Fonte: FNP