Liminar obtida pela FNP barra venda da NTS e impõe nova derrota à Petrobrás na Justiça

Privatização

A Petrobrás vem tentando até agora sem sucesso reverter as derrotas sofridas na Justiça que envolvem liminares suspendendo alguns dos principais negócios do seu plano de desinvestimento. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) segue obtendo vitórias importantes no campo jurídico que se transformaram numa grande dor de cabeça para a companhia seguir vendendo ativos valiosos “a preço de banana podre”, conforme define a advogada Raquel Sousa, responsável pelas ações populares ajuizadas pela FNP.

Na manhã desta sexta-feira (10), foi concedida a mais recente liminar favorável: a suspensão da venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS). A empresa anunciou a venda da malha de dutos por onde escoará todo gás do pré-sal através da entrega de 90% de seu capital para um grupo estrangeiro liderado pela Brookfield canadense. O negócio, conduzido de maneira exclusiva com a empresa estrangeira, foi fechado em US$ 5,19 bilhões. Sem licitação e qualquer transparência - razões que fundamentaram a ação.

Na última quinta-feira (9), portanto apenas vinte e quatro horas antes da liminar favorável, deveria ter sido selada a venda. No entanto, a possível entrada da Itausa atrasou as transações. Segundo matéria publicada no site Bloomberg, a Itausa negociava com a Brookfield a compra de uma fatia entre 7% e 9% da NTS.

Em sua decisão, o juiz federal Marcos Antônio Garapa de Carvalho ressalta que "por se tratar de bens de ente integrante da Administração Pública indireta, há a necessidade de serem observados os princípios do art. 37 da Constituição Federal (…), especialmente o da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. (…) parece que o procedimento adotado pela Petrobras, ainda que fundado em decreto regulamentar, não atende àquelas quatro diretrizes republicanas, pois a empresa não comprovou ter havido ampla publicidade da oferta daquele ativo para venda, o que certamente atrairia mais interessados e poderia determinar a elevação do preço. Pelo contrário, pois segundo os próprios informes que a empresa divulgou ao mercado (…) a negociação levada a efeito com a outra ré (Brookfield Incorporações S/A) teria ocorrido "em caráter de exclusividade", o que parece ofender o princípio republicano da impessoalidade, já que não está suficientemente claro por quais razões e em que circunstâncias a compradora foi escolhida".

Atualmente, a NTS é quem controla os dutos que fazem o transporte de gás natural em toda a região Sudeste por onde se escoa cerca de 80% da produção de gás da Petrobrás. Ou seja, é uma empresa estratégica e qualquer negociação envolvendo os seus ativos tem interferência direta na economia do país e na vida dos brasileiros.

Pelo contrato firmado, e hoje suspenso com a liminar, por vinte anos a Petrobrás seria obrigada a manter um contrato extremamente prejudicial com a Brookfield. O escoamento de gás de 158,2 milhões de m³ por dia seria feito com tarifas entre R$ 1,38 e R$ 2,40 por milhão de BTU por dia. Considerando a tarifa mínima, a Petrobrás iria desembolsar por dia mais de R$ 8 milhões, o que equivale a quase R$ 3 bilhões por ano. Isso significa que em seis anos a Petrobrás pagaria para a Brokfield cerca de R$ 18 bilhões - valor superior ao que está recebendo pela venda da NTS em quase R$ 500 mil.

Esses “detalhes" não passaram despercebidos pelo juiz. No documento onde é publicada a suspensão da venda, ele afirma que "parece ser pouco prudente vender justamente a subsidiária responsável pela distribuição do gás natural no sudeste do país, região que concentra a maior parte das indústrias e que gera a maior parte do produto interno bruto do Brasil, com São Paulo à frente, pois ela tenderia a ser a mais rentável dentre as duas (NTS e TAG). Ora, se uma empresa qualquer se vê na necessidade de alienar parte de seu ativo para aumentar sua liquidez ("fazer caixa”), será pouco provável que ela escolha justamente a fatia mais rentável de seu patrimônio para tanto, já que uma escolha dessas vai de encontro à lógica comum de qualquer negócio. (…) não parece ser economicamente viável vender patrimônio a empresa pelo preço anunciado, contratar a comparadora para continuar a prestar o mesmo serviço que a subsidiária vendida prestava e manter uma outra subsidiária sua (a Transpetro) contratada pela compradora, como operadora das atividades”.

Por fim, ressalta: "não fosse somente isso, o fato das estimativas de faturamento e lucro da NTS no período apontarem para a possibilidade dos compradores recuperarem todo o capital investido em menos de 1/3 do período total do contrato parece apontar para uma ainda maior lesividade da alienação, pois o negócio parece ser muito lucrativo e não haveria motivos para a alienação. Num resumo, por que vender uma empresa que é da Petrobras, que presta serviços à Petrobras, para uma empresa estrangeira composta por fundos de investimentos britânicos e chineses, para que os serviços continuem a ser executados por ela e pela Transpetro? Ou seja, parece que está a haver uma simples transferência de patrimônio público rentável a terceiros sem uma contrapartida justa para a vendedora e, frise-se, para os interesses nacionais".

As ações da FNP contra a venda de ativos
Tudo começou no final do ano passado. No dia 17 de novembro foi interrompida pela Justiça Federal de Sergipe a venda dos campos de Baúna e Tartaruga Verde. Após a ação da FNP, a empresa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem sucesso, pois a liminar foi mantida. 

O presidente em exercício do STJ, ministro Humberto Martins, negou em janeiro o pedido afirmando que a suspensão da venda ‘foi correta, tendo em vista o contexto e o impacto econômico do procedimento’. O objetivo da Petrobras, neste caso, é vender 100% de Baúna, localizado no pós-sal da Bacia de Santos, e 50% de Tartaruga Verde, no pós-sal da Bacia de Campos, para a empresa australiana Karoon Gas.

No dia 29 de novembro, foi a vez da venda da BR Distribuidora ser suspensa, também pela Justiça Federal de Sergipe. Neste caso, junto à Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, novamente a empresa tentou recorrer da decisão com um agravo de instrumento. E, mais uma vez, foi derrotada. Uma outra vitória importante, mais recente, foi a concessão de liminar para impedir a venda da Petroquímica de Suape e de CITEPE - empresas que a Petrobrás gastou R$ 9 bilhões para construir e que pretende vender por US$ 385 milhões. Ou seja, convertido na moeda brasileira isso significa R$ 1,2 bilhão - menos de 15% do seu valor. Além disso, o Tribunal Regional Federal da 5ª região também manteve a decisão liminar que impede a venda dos campos maduros do Nordeste e Espírito Santo.

Vendas sem licitação expõem má fé e geram indignação até na Justiça
A ausência de licitação foi um dos principais fatores que garantiu a suspensão dos negócios na Justiça. Como sociedade de economia mista, a Petrobrás é obrigada a cumprir os princípios da Administração Pública, sendo um deles o da publicidade. Com isso, a ausência de licitação fere este princípio ao retirar dos interessados e da população o conhecimento e controle da negociação, conforme garante a Constituição em seu artigo 37. No caso da BR, em sua sentença o Juiz lembrou que a Petrobrás “não esclarece (...) qual o valor de mercado do capital majoritário a ser alienado (certamente bilionário), entre outros detalhes de suma relevância para a averiguação do interesse público pelos órgãos de controle, inclusive a ANP, e pela sociedade em geral”.

 A Petrobrás em sua defesa diz que “se sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas e desempenha suas atividades em ambiente de livre competição”. Diante dessa argumentação, podemos identificar que nada mudou em relação à falta de transparência que facilitou as obras superfaturadas dos últimos anos. Cai por terra a a imagem de uma gestão técnica, livre do jogo político. Temer não compreende a Petrobrás como uma empresa pública, que deve satisfações ao povo. Sem acesso ao que se negocia, como impedir corrupção?

Papel lamentável teve também a ANP (Agência Nacional do Petróleo). Conivente com a política privatista do governo sobre a Petrobrás, abriu mão de desempenhar uma de suas principais atribuições: promover as licitações, celebrar os contratos delas decorrentes e fiscalizar a sua execução (Art. 8º, IV da Lei 9.478/97). Por isso, a ANP também foi incluída como polo passivo da demanda nas ações populares, sendo responsabilizada por sua omissão.

Para a FNP, um dos méritos da luta na Justiça é expor à população o crime que está sendo cometido e também permitir que o movimento sindical, de conjunto, reúna forças para lutar contra esse desmonte. “Essas ações são muito importantes, mas por outro lado sabemos que possuem limites. Afinal, não existe nenhuma lei que impeça a Petrobrás de vender esses ativos. Dentro desse limite, o que estamos fazendo é denunciar o processo de venda feito sem licitação”, opinou Emanuel Cancella, secretário-geral da FNP e diretor do Sindipetro-RJ. Na opinião de Adaedson Costa, também secretário-geral da FNP e coordenador-geral do Sindipetro-LP, mesmo que essas ações continuem sendo vitoriosas não significa que o processo de privatização será interrompido. “Seguiremos entrando com novas ações e novos recursos, inclusive contra a venda da Liquigás, mas só uma grande mobilização que envolva todos os brasileiros pode reverter esse crime”.