A hora de pagar a conta

Ações populares

Por Felipe Oliveira

Foi no ano de 2014 que os brasileiros – e o mundo – tomaram conhecimento dos esquemas de corrupção praticados em uma das maiores estatais do País, a Petrobrás. Era o deslanchar da Operação Lava Jato. Coube à Justiça Federal em Curitiba, na Seção Judiciária do Paraná (SJPR), pertencente à 4ª Região, conduzir as ações voltadas à responsabilização das organizações criminosas envolvidas, já que os primeiros delitos ocorreram em Londrina (PR).

Naquele momento, apenas quatro grupos estavam sendo processados. Com o avanço dos inquéritos, se percebeu a grande proporção do esquema. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os crimes, cometidos há pelo menos 10 anos, têm a participação de grandes empreiteiras, que, organizadas em cartel, pagavam propinas para executivos da estatal e outros agentes públicos.

A quantia desviada era distribuída por meio de doleiros, como são chamados os operadores do mercado paralelo de câmbio. É estimado, pelo MPF, que o prejuízo aos cofres públicos tenha atingido a casa dos bilhões de reais. As investigações seguem sendo realizadas tanto na Primeira Instância, no caso, em Curitiba, quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Com o caixa no vermelho, foi chegada a hora de pagar a dívida. No ano seguinte à deflagração da Operação, a Petrobrás lançou um plano de desinvestimentos em suas diversas áreas de atuação, a fim de arrecadar receita. A intenção era conseguir o valor total de US$ 15,1 bilhões, no biênio 2015/2016.

Segundo a petroleira, o progresso da ação, que totalizou US$ 13,6 bilhões, foi destacado pela agência de classificação de risco Fitch. No ano de 2016, o Conselho de Administração da Petrobrás aprovou o Plano Estratégico e o Plano de Negócios e Gestão 2017-2021, no qual se definiram duas metas principais, com vistas a orientar a gestão estratégica da companhia: reduzir em 36% a Taxa de Acidentados Registráveis (de 2,2 em 2015 para 1,4 em 2018) e diminuir a dívida líquida (que, em 2015, foi 5,3 vezes superior à sua geração de caixa) para, apenas, 2,5 neste ano.

Esta última medida deverá proporcionar a queda do endividamento para US$ 77 bilhões. A estatal também prevê, para o biênio 2017/2018, o aporte de US$ 19,5 bilhões com as parcerias e desinvestimentos. Espera-se que essa iniciativa, associada a outras, minimize o percentual de endividamento, sem a necessidade de novas captações líquidas.

À frente da Petrobrás de junho de 2016 a junho deste ano, o então presidente Pedro Parente declarou que a política de desinvestimentos da companhia não é novidade, pois vem sendo realizada desde 2012, quando o endividamento começou a crescer. Entre 2012 e 2014, foram vendidos US$ 10,7 bilhões em 21 operações, incluindo campos na África, a Petrobrás Peru e ativos de exploração e produção na Colômbia, Estados Unidos e Uruguai. “O que estamos fazendo agora se diferencia do passado, porque tem como princípio a gestão ativa do nosso portfólio. Ou seja, buscamos, além de recursos que vão abater a nossa dívida, uma redução do risco e aumento de valor. Dessa forma, garantimos que a Petrobrás continue com o melhor perfil para sustentar a sua produção futura de petróleo. Os recursos que entram em caixa a partir do programa de desinvestimentos ajudam a reduzir a dívida”, garantiu.

Se, por um lado, o desinvestimento visa ao aumento da reserva de caixa da Petrobrás, por outro, ele vai de encontro àquilo que os petroleiros acreditam. Não à toa, o Sindicato dos Petroleiros de Sergipe e Alagoas (Sindipetro AL/SE) tem recorrido à Justiça Federal na 5ª Região, na intenção de preservar o patrimônio público, questionando, por meio de ações populares, por que as alienações dos bens da companhia do petróleo estão sendo feitas “sem licitação e a preço vil”.

Assim, em outubro de 2017, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 afastou, por unanimidade, a existência de ilegalidade no processo licitatório que tinha por fim a venda do Campo de Carcará, pertencente à Petrobrás. Situada na bacia de Santos, no estado de São Paulo, a área foi adquirida pela empresa norueguesa Statoil Brasil Óleo e Gás Ltda.

Com a decisão, a liminar concedida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe (SJSE), que suspendia a venda, foi derrubada. O bloco foi vendido por US$ 2,5 bilhões.

“O que se questiona nas ações populares é que essas alienações estão sendo feitas sem licitação, contrariando o que exige a Constituição Federal, e por um preço vil, que tem causado um imenso prejuízo à Petrobras e ao patrimônio do País. É essa, centralmente, toda a discussão que temos levado à Justiça Federal em Sergipe e que tem sido levada, inclusive, ao Tribunal. Se a Petrobras acha que deve vender seus ativos, que o faça na forma da lei, de forma a buscar o melhor preço. E isso não tem sido feito. O prejuízo não é imaginário, é real”, avaliou a advogada da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Raquel Souza, que representa o Sindicato.

Na ocasião, o relator do caso, desembargador federal convocado Leonardo Coutinho, trouxe à baila o respaldo jurídico do referido processo de alienação, a Lei nº 9.478/97 (Lei do Petróleo).

“Não enxergo também a existência da prática de preço vil na transação da questionada cessão de participação da Petrobras, haja vista que o valor do barril de petróleo, utilizado como paradigma para tal alegação, não se presta, suficientemente, para estimar o valor real daquele bloco petrolífero, que sequer começou a ser explorado, fato esse que deve ser também levado em consideração para a fixação do preço do negócio”, esclareceu o magistrado à época do julgamento.

Segundo a estatal, em março deste ano, a Statoil pagou a segunda parcela referente à alienação, que consistiu no valor de US$ 300 milhões. O primeiro pagamento da operação foi de US$ 1,25 bilhão, efetuado no fechamento da venda, realizada em novembro de 2016. Até agora, o montante recebido soma US$ 1,55 bilhão.

O último repasse se dará por meio de parcela contingente, relacionada à celebração do Acordo de Individualização da Produção (unitização), o qual estabelece a unificação da produção do campo. Para o advogado Guilherme Vinhas, cuja atuação jurídica está relacionada ao Direito Administrativo e Regulatório, dentre outros ramos, a parceria feita com a Statoil foi justificada em razão da expertise que esta detém na recuperação de reservatórios, algo que interessa à Petrobras na Bacia de Campos.

Para ele, a nova sistemática de desinvestimentos, estabelecida entre a companhia do petróleo e o Tribunal de Contas da União (TCU), obriga a apresentação de justificativas técnicas que descrevam a geração de resultados positivos não só para acionistas, mas para todo o País.

“Em 2017, a Petrobrás ajustou com o TCU novos procedimentos para acelerar a política de desinvestimentos, de forma a dar mais publicidade ao processo de desinvestimento e aumentar a concorrência entre empresas interessadas nos ativos. O acordo celebrado foi de grande importância, não apenas para destravar o processo de desinvestimento, mas também para aperfeiçoar o processo de venda de ativos, potencializando a concorrência e, portanto, os eventuais resultados para a empresa, uma vez que a venda de ativos pode e deve ser usada para reduzir a dívida”, recomendou Vinhas.

Já em novembro de 2017, o presidente do TRF5, desembargador federal Manoel Erhardt, suspendeu a liminar que impedia a venda dos campos de exploração de petróleo de Iara e Lapa. As regiões foram alienadas à Total Brasil E&P.

A cessão em Iara, que abrange os Campos de Sururu, Berbigão e Atapu, foi de 22,5%. Na área de Lapa, a participação transferida atingiu 35%. A localização desses bens é no pré-sal da Bacia de Santos/SP. Segundo Erhardt, a suspensão da liminar proferi-da pelo Juízo da 3ª Vara Federal da SJSE foi o melhor caminho a seguir, em razão do risco de lesão às ordens pública e econômica envolvidas no processo, “tendo em vista o alto valor do negócio jurídico entabulado, cerca de US$ 2,225 bilhões de dólares, sendo US$ 1,675 bilhão à vista, pelos ativos e serviços, uma linha de crédito que poderá ser acionada pela Petrobrás no valor de US$ 400 milhões, representando parte dos seus investimentos nos campos da área de Iara, além de pagamentos contingentes de US$ 150 milhões”.

Todavia, no entendimento do Sindipetro AL/SE, a política de desinvestimentos em questão tem apenas trazido prejuízo para a Petrobrás e para o Brasil, por ser inconstitucional e ilegal, na medida em que não respeita a exigência de que qualquer ente público, empresa pública e sociedade de economia mista venda seus bens, quando assim o decidir, por meio de procedimento licitatório.

“A Petrobrás diz que o fundamento para desinvestir é sair de tudo aquilo que não é essencial, para poder investir todas as suas forças e capital na extração do pré-sal. Esse argumento se desmascara a partir do momento em que ela vende grandes campos do pré-sal, a exemplo de Carcará e de Lapa-Iara. Este último, inclusive, vendido sem licitação, por meio de uma parceria com a empresa Total, que já foi condenada na Itália e na França, e assinou um acordo de leniência nos EUA, justamente, por corrupção de agentes públicos para comprar campos de petróleo a preço vil”, afirmou Raquel Souza.

Erhardt, naquele momento, alertou que a situação da companhia estava agravada pela diminuição da nota de credibilidade atribuída pelas agências financeiras que orientam o mercado, reduzindo, assim, os investimentos em prol da estatal, cujo nível de endividamento já chegou a ser cinco vezes maior que a sua geração de receita.

No período, era de 3,23 vezes, totalizando o valor de R$ 376,5 bilhões de dívida. Em janeiro deste ano, o procedimento de concessão dos direitos de exploração de Lapa e Iara foi concluído. A controvérsia envolvendo a questão também esteve presente na pauta judicial do Tribunal deste ano.

Em fevereiro, o Pleno do TRF5 confirmou, por unanimidade e pela segunda vez, a decisão de venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) à Brookfield Incorporações S/A. A cessão de 90% da subsidiária da Petrobrás ocorreu, em abril de 2017, dento da política de desinvestimentos, com valor total de US$ 5,19 bilhões.

 A primeira prestação já foi paga. A diferença, que corresponde a US$ 850 milhões, será paga em cinco anos. O argumento do autor do recurso, integrante do Sindipetro AL/SE, estava fundado na alegação de vícios no plano da petroleira, fazendo menção, mais uma vez, “à falta de licitação e ao preço vil”.

“No caso da NTS, que não é nada mais que toda malha de dutos que transportam óleo e gás das plataformas para o continente, toda a produção do pré-sal vai ser escoada por ali. Esses dutos foram construídos pelo povo brasileiro. A Petrobrás vendeu esses dutos para uma empresa, para um fundo de investimentos, e agora ela alugou esses mesmos dutos, que antes eram dela, por um preço altíssimo. Inclusive, o aluguel desses dutos foi contabilizado (pela estatal) como prejuízo no balanço trimestral do terceiro trimestre do ano passado”, alegou a advogada.

Em contrapartida, Erhardt afirmou que os embargos de declaração propostos pelo autor popular não mereceram ser atendidos, em virtude de não apresentarem fatos novos para a rediscussão do assunto.

“Caso a Petrobras seja impedida de fazer uso urgentemente da política de desinvestimentos, não restará à União outra saída a não ser ter que realizar grande aporte de recursos financeiros, reduzindo, pois, drasticamente, a aplicação de recursos em políticas públicas, recursos esses bastantes escassos em tempos de crise, tudo para evitar que importante empresa para a economia do País não chegue a um nível maior ainda de endividamento, de perda de seu valor de mercado e de perda do interesse dos investidores”, acrescentou o magistrado naquela oportunidade.

Também em março deste ano, o presidente do TRF5, Manoel Erhardt, autorizou a venda dos campos da Petrobrás situados na costa do estado do Rio Grande do Norte, sendo eles, Ubarana, Cioba, Oeste de Ubarana, Agulha, Pescada e Arabaiana.

Os efeitos da liminar concedida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da SJSE foram suspensos, permitindo, dessa forma, que as áreas e suas instalações industriais conexas pudessem ingressar em procedimentos de alienação.

Em sua decisão, Erhardt explicou que a liminar concedida em Primeira Instância se impõe como óbice à reestruturação da Petrobras. “Verifica-se que o cumprimento da liminar, cujos efeitos ora se pretende suspender, implicará grave lesão à economia pública, tendo em vista as cifras de alguns indicadores financeiros apresentados pela ora requerente (a Petrobrás), dentre elas: aumento da dívida líquida, em 2018, de US$ 77 bilhões, para agregar os valores que deixarão de ser obtidos desse desinvestimento; necessidade de investimento adicional no período 2018-2025 (US$ 127 milhões) e redução do caixa, em 2018, de US$ 21 bilhões (se comparado ao ano de 2017)”.

 A advogada reforça que o Sindipetro AL/SE vai continuar ajuizando as ações populares enquanto, na visão deles, houver ilegalidade na política de desinvestimentos, para que prevaleça tudo o que seja bom para o Brasil. Para eles, as vendas significam um sério ataque à soberania nacional, ao patrimônio público, ao futuro de cada brasileiro.

O sindicato acredita que não se furtou do cumprimento de seu papel: defender a Petrobras e o patrimônio do povo brasileiro.

“O que nós temos visto nesse plano de desinvestimentos é, na prática, a retirada da Petrobrás do Nordeste. É a venda de grande parte dos campos terrestres do Nordeste, de todos os campos de águas rasas, da petroquímica Suape, das termoelétricas na Bahia, da TAG (Transportadora de Gás Associada) – que é toda a malha de dutos que transportam gás aqui no Nordeste. Então, o que a gente vive, hoje, é um processo de desindustrialização no Nordeste e que a Petrobras tem cumprido um papel fundamental nisso com a sua política nacional de desinvestimentos. Uma política oposta ao que se esperaria de uma empresa pública, que deveria ter por objetivo o desenvolvimento social e econômico dessa região”, alertou Souza.

Por fim, Vinhas lembra que o petróleo guardado no subsolo não gera qualquer valor para o País. O retorno para a sociedade na forma de impostos, participações governamentais e na geração de empregos somente acontece quando o petróleo é produzido.

Para que isso aconteça em menor tempo e de forma mais eficiente, as parcerias estabelecidas pela Petrobras são fundamentais. “Após um período de queda do preço do petróleo, má gestão e dos mal feitos escancarados pela Operação Lava Jato, a Petrobrás tornou-se refém do seu endividamento, o que a impede de investir plenamente nos ativos potencialmente capazes de reverter tal quadro. O desinvestimento é medida necessária para sanear a empresa, torná-la mais eficiente e, sendo assim, fazê-la voltar a ser um vetor de desenvolvimento para o Brasil”, enfatizou o advogado.

A Petrobrás Distribuidora, em resultado divulgado em março deste ano, apresentou o seu lucro líquido obtido no ano passado. A quantia de R$ 1,15 bilhão foi registrada, revertendo um prejuízo de R$ 315 milhões contabilizado em 2016. De acordo com Parente, a Petrobrás pagou, em 2017, uma conta de R$ 22,3 bilhões de juros.

“Se comparado a outras empresas do setor, em dólares, estamos falando que a Petrobrás gasta todo ano cerca de US$ 5 bilhões a mais que suas concorrentes em juros. Esse dinheiro é suficiente para construir um sistema inteiro de exploração do pré-sal. Ou seja, o atingimento da meta de desinvestimentos é crucial para a garantia da capacidade de investimento da Petrobras”, informou.

Uma das conquistas do Sindipetro AL/SE veio em junho deste ano, quando a Quarta Turma do TRF5, por maioria, suspendeu a venda de 90% das ações da Transportadora Associada de Gás S. A. (TAG).

A subsidiária integral da Petrobras é responsável pelo transporte e armazenagem de gás natural, por meio de gasodutos, terminais ou embarcações.

Os desembargadores federais Edilson Nobre (relator) e Rubens Canuto ressalvaram, contudo, a possibilidade de continuidade do procedimento de alienação, desde que precedido de licitação, o que não tinha sido observado anteriormente.

Fonte: Revista do Tribunal Regional Federal da 5 Região, “Argumento”.