“A existência da Petrobrás como estatal talvez esteja mais ameaçada do que nunca”, afirma especialista

Entrevista

Diante da conjuntura política, a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) vai publicar uma série de entrevistas com representantes de importantes institutos que fizeram parte da construção da luta da categoria petroleira nos últimos anos. A primeira delas é Durval Wanderbroock Junior, da coordenação Nacional do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS).

Bacharel em Psicologia, com mestrado em Educação, autor de vários livros, Junior afirma que o projeto de poder que Bolsonaro defende baseia-se num Estado Mínimo para o povo e o Estado Máximo para banqueiros.

Em entrevista para a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Junior faz uma análise substancial sobre o que devemos esperar com o governo de Bolsonaro e aponta o encolhimento do Estado por meio da ampla e irrestrita abertura ao exterior, privatizações de empresas e do sistema de financiamento público e supressão de direitos trabalhistas.

“Primeiro, é importante reconhecer que este não é um governo de trabalhadores. Não é de origem trabalhadora, não possui um programa de trabalhadores e não construiu uma equipe de trabalhadores. Ele vai governar essencialmente para os ricos. E somos forçados a reconhecer que nisto nunca mentiu. Está em cada entrevista e no seu programa de governo, disponível para qualquer um”, afirma.

“Brasil é o único deste mundo que está pisando numa mina de petróleo, como o pré-sal, e fala em entregá-lo ao concorrente”, completa Junior.

Agora, confira os principais trechos da entrevista concedida por Durval Wanderbroock Junior à FNP.

FNP - A vitória de Bolsonaro coloca o futuro do país em risco de miséria e desigualdade?
Durval Wanderbroock Junior (DWJ) - Eu diria que a miséria e desigualdades que já existem e podem ganhar proporções qualitativamente superiores às já existentes.

Hoje o Brasil, segundo o IBGE, já possui mais de 52 milhões de miseráveis que vivem com menos de R$ 20,00 por dia e não ganham nem mesmo R$ 400,00 mensais. Isto representa um quarto da população em condições insuficientes para comprar sequer um terço de uma cesta básica nos valores apurados para uma cidade como São Paulo, por exemplo. Esta situação se agrava mais ainda nas regiões norte e nordeste, piora em relação às mulheres e entre elas as negras mais que as brancas. Ou seja, a miséria mais grave tem região, gênero e raça. Acho difícil que um candidato que se notabilizou por desqualificar publicamente negros, quilombolas e mulheres possa ajudar a reverter a situação de quem foi precisamente o alvo de suas investidas antes das eleições.

No caso das mulheres ele mesmo já antecipou mais de uma vez que não intervirá para dirimir desigualdades e não há nas mais de 80 páginas de seu programa de governo uma só proposta que nos autorize a dizer que ele irá retirar estes milhões de pessoas da miséria.

A desigualdade segue a mesma lógica. O Brasil já é um dos países mais desiguais do planeta. Seis ou sete brasileiros possuem mais riquezas que mais de cem milhões de brasileiros. Na raiz deste problema está o alto grau de exploração da classe trabalhadora, quadro que se agrava pela rentabilidade dos bancos que consomem mais de 50% do que arrecadamos no país, impedindo qualquer tipo de gasto com políticas sociais e públicas que atenuem a situação dos mais vulneráveis.

A julgar pelo plano e equipe do novo governo, é muito provável que o quadro de desigualdades irá aumentar, já que o liberalismo que defendem é o Estado Mínimo para o povo e o Estado Máximo para banqueiros.

FNP - Devemos enfrentar uma batalha sobre quais perdas, nos próximos anos?
DWJ - Primeiro, é importante reconhecer que este não é um governo de trabalhadores. Não é de origem trabalhadora, não possui um programa de trabalhadores e não construiu uma equipe de trabalhadores. Mais bem é o contrário e vai governar essencialmente para os ricos. E somos forçados a reconhecer que nisto nunca mentiu. Está em cada entrevista e no seu programa de governo, disponível para qualquer um.

Em certo sentido, o governo eleito vai dar continuidade ao que o Temer já está fazendo, mas numa dimensão muito maior e mais agressiva.

Tenho impressão de que o novo governo vai atacar o país em três eixos prioritários: soberania, direitos e liberdades democráticas. É como na fábula dos três porquinhos.

Tudo indica que a primeira “casinha” que tentará derrubar é a dos direitos, começando pela Reforma Previdenciária que ele já está pressionando o atual governo e Congresso a aprovarem ainda este ano. Provavelmente depois disto será a continuidade aos ataques trabalhistas. Como ele mesmo já disse, os trabalhadores terão que optar entre ter direitos ou ter emprego. A carteira verdade-amarela que ele propõe é a do emprego sem direitos e a azul é seria a dos direitos sem empregos. Qualquer um que tenha uma cabeça em cima do pescoço já pode prever que, em sendo aprovada esta proposta, os empresários irão substituir os empregados com direitos por outros que trabalhem sem direitos. A carteira verde e amarela é o passaporte pra escravidão!

A segunda “casinha” será das liberdades democráticas, que já estão ameaçadas e podem piorar. Assistimos estarrecidos as recentes invasões de escolas e universidades durante as quais foram suprimidas arbitrariamente faixas e cartazes que coincidentemente tinham mensagens opostas ao autoritarismo. Uma deputada da base aliada do novo governo está fustigando pais e crianças a caçarem o direito de expressão de professores e professoras nas escolas. Pautas como o "Escola sem Partido", fim da cláusula pétrea de presunção de inocência, criminalização de movimentos sociais e tantas outras medidas que afrontam as mais básicas liberdades democráticas conquistadas até aqui, já estão ameaçadas e podem ser suprimidas a qualquer momento pelo novo governo.

Por fim, a terceira “casinha” é a da soberania, com a já anunciada entrega de quase todo patrimônio público e estatal nas mãos de multinacionais estrangeiras. Se as estatais não servissem pra nada, ninguém as compraria. Os sucessivos governos sucatearam as estatais para que sejam vendidas a preço de banana. E o atual governo já fez sua lista de vendas, transformando o Estado num verdadeiro balcão de negócios, confirmando a máxima segundo a qual o governo não é senão um comitê para gerir os negócios dos patrões.

Qual destas “casinhas” cairá primeiro dependerá da resistência dos trabalhadores. A esperança é que a união da classe trabalhadora seja suficientemente forte para que nosso país tenha um fim como no da fábula dos três porquinhos.

FNP - Como você vê o guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes e o que se pode esperar dele?
DWJ - Guedes é um filho da escola econômica de Chicago. É um Chicago Boy. Esta escola foi a maior expressão do neoliberalismo no mundo que ganhou força no final da década de 70 e permanece até os dias atuais.

O neoliberalismo foi o responsável pelas maiores derrotas da classe trabalhadora nos últimos anos. Na Inglaterra levou às demissões em massa de trabalhadores, sendo os mineiros os mais afetados. No Brasil foi marcado pelas demissões em massa dos bancos, da Vale do Rio Doce, da privatização da Embraer (que demitiu mais de 4.200 só em 2009), enfim, de todas as estatais que foram sucateadas e logo em seguida privatizadas.

Foi o neoliberalismo que emprestou um novo ímpeto de lucros para os bancos e multinacionais, transformando o Brasil num celeiro exportador de matérias primas.

Quem acha que liberalismo é o mesmo que democracia, deve se lembrar que a maior e mais profunda experiência liberal da América Latina foi feita durante a ditadura de Pinochet no Chile, seguramente a mais sanguinária de todas. Hoje, o Chile ostenta um dos maiores índices de suicídios do mundo entre idosos por conta das medias neoliberais aplicadas na previdência, que impedem com que os aposentados tenham o mínimo para sobreviver. É este precisamente o modelo de previdência no qual Paulo Guedes se espelha, só pra ficar neste exemplo.

Paulo Guedes é um dos maiores donos de um dos maiores bancos privados do país, o BTG-Pactual. Já está ganhando fortunas só com o anúncio das privatizações das estatais. É o guru econômico que está manuseando as cordinhas que movimentam os braços do Bolsonaro. Não está ali pra implementar um plano de governo a serviço de trabalhadores e pobres. E nunca se propôs a isto.

Quem votou no Bolsonaro acreditando que ele fará alguma coisa diferente do que multiplicar seus próprios ganhos ou os lucros de banqueiros como os de seu Ministro da Economia, deve-se lembrar de que numa mesa de pôquer, quando você não sabe dentre os jogadores quem é o tolo, é porque o tolo é você.

A missão de Guedes é enriquecer quem é rico e empobrecer quem é pobre. É um liberal e o lema do liberalismo é: enriquecei-vos! Nenhuma ilusão deve depositar a classe trabalhadora em quem vive de seu suor.

Portanto, para Paulo Guedes vale o que dizia o Barão de Itararé: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”.

FNP - Como fica a Petrobrás neste contexto político e o que está em jogo com a sua privatização?
DWJ - A existência da Petrobrás como estatal talvez esteja mais ameaçada do que nunca. O petróleo ainda é a mais importante matriz energética do planeta. Países deram saltos inacreditáveis em suas riquezas por conta dele, como a Noruega. Outros, como os Estados Unidos, promovem guerras no planeta inteiro por causa dele. E o Brasil é o único deste mundo que está pisando numa mina de petróleo, como o pré-sal, e fala em entregá-lo ao concorrente.

Bolsonaro fala em nacionalismo, mas quer entregar o maior patrimônio nacional. Diz que é patriota, mas quer dar de presente para países estrangeiros a maior riqueza existente no solo brasileiro. E já disse que quer relações estreitas com os EUA. Prece uma melancia. Verde brasileiro por fora, vermelho norte-americano por dentro. Fala uma coisa, mas na prática quer implementar outra.

A melhor política para a Petrobrás, neste momento, é a de retomar com toda força as obras de refino para que não tenhamos que vender óleo cru barato e comprar refinado mais caro.

O Brasil pode ter uma política de preços mais baixos de gasolina, óleo de cozinha, etc. se investir mais na Petrobrás, preservando seu caráter estatal.

Pagamos hoje um absurdo num galão de gasolina exatamente porque submetemos a Petrobrás ao sabor do mercado internacional. Quanto mais privada a Petrobrás se tornou, mais cara ficou para o povo brasileiro.

Devemos reverter esta dinâmica, fazendo com que a Petrobrás seja cada vez mais estatal, cada vez maior e mais forte, para que ela possa cada vez mais estabelecer preços mais baixos ao consumidor, dar lucros para que sejam investidos em outras áreas sociais, como educação, saúde, manter e ampliar empregos e melhorar a vida do povo brasileiro.

FNP - Existe alguma forma de combater as diretrizes de Bolsonaro?
DWJ - A primeira coisa a se fazer é ajudar a esclarecer ao povo e trabalhadores que muitas ilusões depositadas no atual governo não passam disto: ilusões.

Muita gente votou no Bolsonaro precisamente pelo que ele defende. Acabar com a soberania do país entregando tudo, atacar direitos como a previdência e garantias trabalhistas, diminuição das liberdades democráticas, ataques aos mais vulneráveis, como a comunidade LGBT, etc. Muitos, especialmente aqueles mais concentrados no ápice da pirâmide social, votaram desenganados e esperam que ele faça exatamente o que diz que fará.

Mas a maioria da população, especialmente entre os assalariados e o povo pobre, votou porque acredita em mudança. Muitos reconhecem o preconceito nas falas dele, talvez até apoiem, mas acham que o essencial é que ele vai melhorar a situação do país. A eleição é a arte do engano. E muitos votam completamente ludibriados. De ilusões também se vive.

Então, é preciso se organizar, debater e se preparar para o pior. E é preciso paciência para conversar com as pessoas. Muitas estão desiludidas, desoladas, desempregadas, desesperadas com a vida e sem esperança.

Logo farão sua experiência. E a vida às vezes ensina mais que mil conselhos. As pessoas podem até votar por preconceitos, por ilusões ou ressentimentos, mas são as necessidades as que em última instância movem o mundo. E é sobre estas necessidades que o movimento sindical, as organizações da classe trabalhadora e das minorias devem se apoiar para se defenderem dos ataques que se avizinham.

Fonte: FNP