Opinião
Por Cláudio da Costa Oliveira* (reprodução parcial), publicado no site Viomundo
O aumento da ociosidade nas refinarias, causava aumento correspondente na exportação de óleo cru. Mas os importadores e as refinarias estrangeiras ainda não estavam satisfeitos. O modelo podia ser melhorado. O câmbio e o preço do petróleo oscilavam com muita frequência. A correção mensal de preços estabelecida na nova política dificultava os negócios. Então em 30 de junho de 2017 [Pedro] Parente resolveu o problema implantando nova política de preços.
"Nossa Diretoria Executiva aprovou, ontem, a revisão da política de preços de diesel e gasolina comercializados em nossas refinarias, visando aumentar a frequência de ajustes nos preços que passará a vigorar na próxima segunda-feira, dia 3 de julho. A revisão da política aprovada permitirá maior aderência dos preços do mercado doméstico ao mercado internacional no curto prazo e possibilitará a companhia a competir de maneira mais ágil e eficiente."
Ao mesmo tempo o G1-Economia informava:
A Petrobras revisou nesta sexta-feira (30) a política de preços do diesel e da gasolina, dando certa liberdade para que a área de marketing e comercialização da empresa reajuste a cotação na refinaria de forma mais frequente, inclusive diariamente, em busca de competitividade e COM O OBJETIVO PRINCIPAL DE RECUPERAR RECEITA E PARTICIPAÇÃO DE MERCADO.
A nova política que dizia ter o objetivo de “recuperar a participação de mercado” animou os importadores de derivados que neste mesmo mês de julho criaram a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis – ABICOM, formada por 9 empresas, a maioria empresas internacionais.
Em fevereiro de 2018 a ABICOM envia oficio ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade solicitando abertura de investigação para detectar possíveis práticas de anti concorrência pela Petrobras.
O Cade é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que tem como objetivo orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder econômico, exercendo papel tutelador, da prevensão e da repressão do mesmo.
Mas qual seria a prática anti concorrência da Petrobras ?
Desde 1997 o mercado brasileiro de petróleo e derivados é aberto á livre concorrência.
Exploração, produção, refino e distribuição estão abertos a quem quiser e tiver competência para competir.
Qualquer empresa decente defende suas conquistas e seus direitos até a última instância.
Mas é isto que faz a Petrobras?
Não. Segundo informação do Valor Econômico:
“A companhia nega a acusação e aponta que o crescimento das importações por agentes comprova que a estatal não impõe obstáculos à atuação dos abastecedores”.
A Petrobras aceita as imposições do Cade sem nenhuma atuação de autodefesa diante das acusações absurdas.
Em algum momento, acho que após a greve dos caminhoneiros (maio/2018), o site da Petrobras substituiu o termo “Preço de paridade internacional” por “Preço de paridade de importação” com a explicação:
Preços para a Gasolina e o Diesel
Os preços para a gasolina e o diesel vendidos às distribuidoras tem como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo. A paridade é necessária porque o mercado brasileiro de combustíveis é aberto à livre concorrência, dando às distribuidoras a alternativa de importar os produtos. Além disso, o preço considera uma margem que cobre os riscos (como volatilidade do câmbio e dos preços). Fonte: cópia do site Petrobras
Notem que a adição do lucro, que existia na explicação de 2016, sumiu.
De qualquer forma nunca foi apresentada qualquer memória de cálculo para sabermos exatamente como os preços são calculados.
O fato é que consumidor brasileiro sabe que os preços dos derivados estão muito acima de sua capacidade de pagamento e não deveria e nem precisaria ser assim.
A política de preços da Petrobras penaliza os consumidores brasileiros, que tem de pagar preços mais elevados do que deveriam.
Penaliza a própria Petrobras que perde mercado e renda, ficando com suas refinarias na ociosidade.
Prejudica a economia brasileira que se torna menos competitiva.
Só beneficia os “traders” internacionais e as refinarias estrangeiras para onde transferimos empregos e renda.
Em 2019 o Brasil exportou 1,3 milhões de barris dia de petróleo cru (44% da produção) e importou 600 mil barris dia de derivados.
Estamos vendendo óleo cru e importando derivados enquanto nossas refinarias ficam na ociosidade.
DRIBLANDO A LEI PARA VENDER REFINARIAS
Em 06 de junho de 2019 o STF decidiu:
“que o governo pode vender empresas subsidiárias de estatais sem necessidade de lei específica e sem realização de licitação. Para a alienação do controle acionário de empresas matrizes ou sociedades de economia mista, diferentemente, é preciso autorização do Legisltivo e processo licitatório.”
A votação havia começado na semana anterior e já dava para prever qual seria a decisão do Supremo.
O advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou “o país agradece a decisão que hoje foi tomada”…”o atual modelo endividou as estatais, que têm de desinvestir para que foquem naquilo que dá lucro”.
O advogado-geral mostrou que não entende nada de empresas, projetos de investimentos e balanços contábeis.
As refinarias não são subsidiárias, pois fazem parte da empresa matriz.
Portanto, pela determinação do STF, só podem ser vendidas com autorização do Legislativo e em processo licitatório.
Mas “autorização do Legislativo” e “processo licitatório” é tudo que a atual administração da companhia não quer.
Aliás, a imprensa já vem anunciando quais serão os prováveis compradores das refinarias, que já teriam sido escolhidos.
Por nova solicitação da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis – ABICAM em abril de 2019, o Cade abriu inquérito contra a Petrobras para avaliar se a empresa estaria utilizando o monopólio no refino para ter vantagem na determinação dos preços.
Novamente, como no caso do estabelecimento da política de preços em que a empresa atuou contra os seus interesses favorecendo seus concorrentes, sem existir nenhuma exigência ou sequer solicitação, a Petrobras por vontade própria em 04 de junho de 2019 (dois dias antes da deliberação do STF) propõe ao Cade acordo para venda de refinarias.
PORTANTO A VENDA DAS REFINARIAS NÃO FOI UM EXIGÊNCIA DO CADE, MAS UMA PROPOSTA DA PRÓPRIA PETROBRAS COM O PROPÓSITO DE ENVOLVER O ORGÃO NO PROCESSO.
Segundo o mesmo artigo do Estadão:
“Um acordo com o Cade facilitaria o trabalho do governo nesse sentido (privatizar), já que partiria de um órgão regulador a exigência da venda de ativos, cabendo à estatal cumprir a determinação. Isso evitaria discussões sobre o processo de desinvestimento”.
Logo em sequência, como se tudo estivesse combinado e planejado, em 11 de junho o Cade aprovou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) prevendo a venda de 8 das 13 unidades de refino da Petrobras até 2021.
No dia seguinte , 12 de junho, a direção da Petrobras assinou o TCC.
Todo o processo foi finalizado com uma rapidez inusitada.
Um estudo muito bem elaborado retrata a situação:
“O parque de refino brasileiro conta com apenas 17 refinarias, sendo 13 unidades da Petrobrás, que respondem por 98,2% da capacidade total do País.
Em um contexto de monopólios regionais de atividades que são monopólio da União, não se considera adequada a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, de 11 de junho de 2019, de homologar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com a Petrobrás, no qual a estatal se comprometeu a alienar oito de suas treze refinarias e seus terminais e dutos associados.
Nesse TCC, estranhamente, reconhece-se que o inquérito administrativo não imputou uma conduta ilícita por parte da Petrobras.
A Conselheira Paula Azevedo, voto vencido, afirmou que “não há nos autos do presente processo qualquer conduta – entendida aqui no sentido de comportamento ou ação – imputada à Petrobras que seria passível de tipificação como uma infração à ordem econômica”.
O que o Cade tratou como potencialmente anticompetitivo foi a estrutura do mercado de refino no País.
No entanto, a competência do Cade, nos termos do art. 173, § 4º, da Constituição Federal, é para a repressão do abuso do poder econômico, não para a repressão do poder econômico em si.
O mercado de atividades de transporte e refino, que são monopólios da União, deve ser regulado, ainda mais no caso do Brasil, onde os monopólios naturais e regionais, como ressaltou o BNDES, são evidentes.
Na produção, venda, transporte e exportação de minério de ferro, por exemplo, a Vale S.A. também tem grande poder econômico.
Caberia, então, a mesma drástica e estrutural intervenção do Cade, de modo a negociar uma alienação de ativos que reduzisse a atuação da empresa privada?
Na realidade, a Petrobras celebrou um TCC que firma remédios agressivos, de magnitudes inéditas e que retiram dela metade do atual parque de refino para entregar a concorrentes. Essa decisão dos administradores da Petrobras, é, no mínimo, curiosa.”
Homero Pontes e Paulo Cezar Ribeiro Lima, 2019.
A bem da verdade a Vale já sofreu diversos processos por práticas de abuso do poder econômico inclusive com a participação do Cade.
A diferença é que a Vale, como qualquer empresa faria, sempre defendeu suas posições até a última instância.
Na Petrobras estranhamente a direção da empresa, desde 2016, trabalha em defesa dos concorrentes.
*Cláudio da Costa Oliveira é economista da Petrobras aposentado