O que o lucro recorde da Petrobrás tem a ver com a greve de petroleiros?

R$ 40,137 bilhões

A Petrobrás publicou ontem o seu resultado de 2019. Como já vinha se desenhando, a estatal atingiu um novo recorde em seus lucros, em grande parte por conta das privatizações feitas no ano, cifra esta de R$ 40,137 bilhões. Para além de discutir o resultado financeiro da empresa, quero falar aqui de três pontos que ligam este resultado com a grande greve de petroleiros.

O primeiro ponto é o processo de privatização da Petrobrás. Como dito acima, grande parte do resultado é explicado pelo processo de “desinvestimentos”. As privatizações de 2019 transformaram-se em US$ 14,7 bilhões (o que em um câmbio médio de R$ 3,945 daria aproximadamente R$ 58 bilhões) para o caixa da empresa. Foram 9 ativos vendidos (ativos no Paraguai, Belem Bioenergia Brasil, BR Distribuidora, Refinaria de Pasadena, 90% da TAG, Campo de Maromba – RJ, Polo Pargo – RJ, Campos Tartaruga Verde e Módulo 3 Espadarte (50%) – RJ e o campo terrestre de Polo Riacho da Forquilha – RN), sendo que 77% deste valor veio exclusivamente das privatizações da TAG e da BR. Se compararmos ao que foi privatizado em 2018, tivemos um aumento de 141%.

Um dos motivos que levaram os petroleiros à greve foi justamente o processo de privatizações. A categoria tenta barrar as sucessivas vendas de ativos da empresa, que são extremamente lucrativos. Como já demonstrei em outro artigo[2], estas privatizações além de apequenarem a Petrobrás, aumentam seus custos e diminuem o seu poder no mercado. Esta política autodestrutiva aliada à política de preços, e que será aprofundada com a venda das refinarias da estatal, já fizeram despencar o market share da Petrobrás, como na gasolina e no diesel, onde caíram de 90% e 83%, respectivamente, em 2016, para 76% e 77%, no 4º trimestre de 2019.

Isto nos leva ao segundo ponto, o de que a lucratividade da Petrobrás aumenta por colher frutos da política expansionista anterior, e não vislumbra a manutenção da estatal como uma importante empresa do setor. Se desconsiderarmos os efeitos “não-recorrentes”, como as privatizações, temos que a Petrobrás teve um lucro líquido 7% menor, US$ 9,3 bilhões, ou US$ 700 milhões a menos do que em 2018. Com a desvalorização de 9,5% no preço do barril de petróleo (brent) é um resultado razoável. Mas o que chama a atenção é que a estatal depende cada vez mais do pré-sal, resultado de grande investimento anterior.  O lucro recorrente só não caiu mais porque os custos de exploração no pré-sal diminuíram novamente, de 6,5 dólares por barril equivalente em 2018 para 5,6 dólares em 2019, uma redução de 14%. A participação do pré-sal no total produzido de petróleo e gás no país cresce, e já chegou a 64% no 4º trimestre de 2019, 13 pontos percentuais a mais do que no mesmo período de 2018. Isto que permitiu que Petrobrás batesse um novo recorde na sua produção, pois para este mesmo período, a estatal produziu 44% a mais no pré-sal.

A empresa vive de investimentos passados, com o cínico verniz de “responsável” financeiramente. A Petrobrás diminui ano após ano seu investimento. A estatal investiu 14,8% a menos do que em 2018, desconsiderando “bônus de aquisição”. A empresa ganhou mais com privatizações do que tudo que ela gastou em investimentos para o ano de 2019, inclusive diminuindo em 21,8% seu investimento em exploração e produção. O que será de uma empresa que não investe para o futuro, vivendo do passado?

Por fim, temos que a Petrobrás, enquanto aumenta produção e lucro, piora a vida dos seus trabalhadores. A greve também é em defesa da manutenção de direitos dos trabalhadores da Petrobrás, por conta de sucessivos ataques ao ACT. Com mudanças em tabelas de turno, no plano de saúde e um longo etc., a empresa quer pagar menos para o petroleiro trabalhar mais. Isto ocorre em um contexto em que a estatal está em ótimas condições, então por que diminuir o salário do petroleiro para dar mais dinheiro aos acionistas?

Eric Dantas - Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política.

Fonte: Sindipetro SJC