Bolsonaro recua em artigo da MP que cortava salário por 4 meses, mas ataque continua

Após forte rejeição

O presidente Jair Bolsonaro publicou no domingo (22) a Medida Provisória 927, que dentre outras ações autorizava às empresas a suspensão dos contratos de trabalho e os salários de seus funcionários por até quatro meses. Após repercussão negativa da MP, com forte pressão nas redes, indignação popular e oposição de boa parte do Congresso Nacional, Bolsonaro publicou em suas redes sociais que revogou o artigo 18 da medida provisória, justamente o que trata da suspensão de contratos e corte salarial.

Vozes de diversos setores da sociedade se manifestaram contra a MP. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) divulgou nota em que repudia a medida provisória. “A MP nº 927, de forma inoportuna e desastrosa, simplesmente destrói o pouco que resta dos alicerces históricos das relações individuais e coletivas de trabalho, impactando direta e profundamente na subsistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e de suas famílias, assim como atinge a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas, com gravíssimas repercussões para a economia e impactos no tecido social”.

Para o deputado Glauber Braga, o recuo de Bolsonaro tem uma pegadinha, uma vez que no artigo 2º da mesma MP ele mantém a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e salário com o texto que segue: “Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”. Para Glauber, essa norma pode se manter com a relação direta entre trabalhador e empregador. “Ele recuou, retirando o artigo que citava expressamente a suspensão do contrato de trabalho por um período de quatro meses sem recebimento de salário, mas mantém essa possibilidade no artigo 2º”.

Para Raquel Sousa, advogada da FNP, é importante que a indignação repercutida nas redes sociais mantenha a bandeira de revogação total da MP. “O Artigo 18 era o mais catastrófico, porém permanecem vários ataques, em especial ao afastar o poder/dever de representação dos sindicatos no caso da negociação das férias coletivas, das alterações e prorrogações das jornadas de trabalho e no que se refere às medidas de segurança no trabalho”.

Mesmo com a revogação do artigo 18, cujos efeitos estão mantidos no artigo 2º segundo Glauber, a MP 927 faz mudanças no pagamento de férias individuais ou coletivas, autorizando o pagamento do período um mês após o gozo (obrigatório) das férias; dispensa a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional, sobre questões envolvendo acordos coletivos e individuais; permite aos estabelecimentos de saúde prorrogar a jornada de trabalho, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso, estabelecendo prazo de até 18 meses após o fim do estado de calamidade, que vai até dezembro de 2020, para pagamento de horas ou banco de horas, dentre outros ataques.

A MP 927 precisa ser votada em 60 dias, ou perde sua validade. No entanto, há nas redes sociais campanha para que os deputados e deputadas federais rejeitem a MP. Uma das ideias que circulou nas redes é a exigência de que presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Maia, devolva a MP, com base no artigo 48 do regimento interno, que estabelece que cabe a ele “impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou ao próprio regimento”.

Escolher entre morrer de fome ou de coronavírus
A proposta de suspensão dos salários e empregos por quatro meses é mais uma prova não só da incompetência do presidente da república em conduzir o país em um grave período de crise mundial, mas da sua escolha por quem merece viver ou morrer. Trata-se de uma proposta antipovo, que beneficia somente os grandes empresários. Aos trabalhadores, resta escolher entre morrer de fome ou de coronavírus, afinal a MP não prevê nenhum subsidio aos trabalhadores.

Ou seja, ao mesmo tempo em que desdenha da pandemia pelo novo coronavírus, propõe ações que beneficiam o empresariado e deixa à própria sorte os milhões de desempregados, autônomos e trabalhadores, que não têm garantia de emprego e renda em caso de uma quarentena mais rigorosa, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O mundo mostra que dá pra ser diferente
Bolsonaro vai na contramão dos principais exemplos que vêm de fora, onde há pelo Estado respaldo mínimo aos mais necessitados. No Reino Unido, o governo britânico anunciou na sexta-feira (20) mais 38 bilhões de libras (cerca de R$ 223 bilhões) que será usado para garantir o pagamento de 80% dos salários dos trabalhadores do país pelo período de três meses contados a partir de março. O governo britânico prevê ainda a suspensão do pagamento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para todo o comércio.

O governo chinês apresentou medidas que acelerará os cortes direcionados de impostos e juros para as empresas, devolverá mais prêmios de seguro-desemprego às empresas que pouparem empregos e subsidiará pequenas empresas para empregar graduados com contratos de trabalho por mais de um ano. Empresas pequenas e privadas na China representam 80% do emprego urbano.

Mesmo os EUA, que teimou em pregar a ideologia do estado mínimo, o governo Trump se viu obrigado a morder a língua e já anunciou que planeja pagar US$ 1.000 diretamente aos cidadãos do país para aliviar as consequências da crise na vida daqueles que precisarem ficar em isolamento para conter a disseminação do vírus.

Segundo projeção do Ministério da Saúde, a saúde pública deve entrar em colapso em abril de 2020. Diante da postura de Bolsonaro chegou a hora da classe trabalhadora e da população mais vulnerável, que representa os 99%, exigir o seu direito à vida e dignidade.