Venda de ativos da Petrobrás gera bônus para seus diretores

Nova política de remuneração variável

Recente artigo publicado pela AEPET informa que “Petrobrás triplica teto para bônus a diretores”,  Sobre isto a Petrobrás divulgou nota esclarecendo:   

“A Petrobrás esclarece que aprovou, em março de 2019, junto ao seu Conselho de Administração e à SEST, sua nova política de remuneração variável, conforme divulgado na época. Tal política, desenvolvida com base em critérios de meritocracia, vale para todos os empregados da companhia, levando em consideração o cumprimento de metas corporativas”

Aqui cabe uma pausa para mostrar como atual administração da companhia sempre se utiliza de subterfúgios enganosos para tentar ludibriar o entendimento dos menos atentos.
A nota explica que a “remuneração variável”....  “vale para todos os empregados da companhia” tentando dar a impressão de que todos são beneficiados igualmente. Ocorre que para os funcionários o limite de remuneração variável é de 2,6 sálários, enquanto que para os diretores é de 13 salários (teto que agora eles querem triplicar). Um “pequeno detalhe” que a atual administração “esqueceu” de relatar.  

E a nota continua :

“Importante lembrar que, em 2019, a Petrobrás atingiu lucro recorde de R$ 40 bilhões, o maior de sua história”. Novamente a atual administração “esqueceu” de informar que o tal lucro de R$ 40 bilhões foi obtido pelo registro do lucro na venda de ativos (R$ 24 bilhões) mais o lucro na venda do controle da BR Distribuidora (R$ 14 bilhões). Portanto o lucro chamado de “recorde” não foi obtido pela atividade operacional da empresa. Lembro que a Petrobrás obteve lucros constantes de 1991 a 2013 (mais de 20 anos) mesmo passando por crises mundiais e quedas nos preços do petróleo. Sempre foi uma empresa estruturada para dar lucro.

Em 2014 e 2015 ocorreram os “impairments” altamente questionáveis que afetaram o resultado econômico mas não seu desempenho financeiro que se manteve equilibrado graças à excepcional capacidade da companhia gerar caixa.   

Tecnologia própria


Este sucesso foi alcançado graças a estupenda capacidade de desenvolvimento tecnológico de seus técnicos. A descoberta da bacia de Campos e o pré sal não foram obras do acaso.Cada refinaria foi construída dentro de especificações para atender as necessidades regionais da forma mais econômica possível.

No final de semana (8/9 de fevereiro/2020) foi comunicado que pela quarta vez a Petrobrás tinha obtido o premio OTC de tecnologia, pelo desenvolvimento do projeto de Buzios. Trata-se do “Oscar” na indústria de petróleo. Prêmio conquistado concorrendo com empresas de todo o mundo (americanas, europeias e asiáticas). Qualquer petroleira mundial que fosse agraciada com este prêmio procuraria divulgar o fato o mais rapidamente possível e na maior intensidade .

No dia 11 publiquei um artigo com a pergunta “Será que vão vender o prêmio também ?” . Recebi muitas ligações de petroleiros, inclusive lotados no Cenpes, perguntando onde eu havia obtido a informação, pois ninguém havia sido informado do fato.  Só no dia 12 a atual direção da companhia publicou (fatos e dados) o recebimento do prêmio. Sem qualquer comemoração. Seria porque toda a tecnologia foi desenvolvida antes de 2016, sem nenhuma participação dos atuais administradores, que hoje estão mais emprenhados em destruir  tudo, inclusive o próprio Cenpes?

O fato é que todo este empenho e sucesso tecnológico foi que levou a Petrobrás à condição de destaque, considerando sua receita, como a empresa com maior capacidade de geração de caixa, entre todas as grandes petroleiras mundiais, como já demonstrei em diversos artigos.

Como estamos agora?

Hoje depois da venda de importantes ativos (NTS, TAG, BR Distribuidora etc) e da adoção de uma política de preços criminosa que beneficia seus concorrentes colocando suas refinarias na ociosidade, a Petrobrás é uma empresa operacionalmente estruturada para dar prejuízo. Atualmente, graças ao “esforço” da atual administração, a companhia só consegue alcançar algum lucro se desfazendo, a preço de banana, de preciosos ativos.

Acabo de ler um  artigo nas páginas da AEPET “Petrobrás põe à venda os 10% restantes da NTS”. Na linguagem popular : estão “raspando o tacho” A Petrobrás deixou de ser uma empresa de petróleo para garantir o abastecimento e a soberania nacional, para se tornar uma empresa de venda de ativos públicos. E por incrível que possa parecer a diretoria da empresa recebe bônus para vender estes ativos como mostraremos logo .

E a imprensa brasileira?

È impressionante a liberdade com que a atual administração da Petrobrás emite relatórios, divulga notas e informações falsas, claramente enganosas, sem que haja contestação de nenhum importante órgão da imprensa nacional. De onde vem a segurança com que os atuais administradores derramam rios de mentiras com total liberdade, sabendo que não serão questionados ? Quem neste país ainda não foi cooptado pela ganancia gerada pela descoberta do pré-sal ?

O que são os bônus?

Originalmente os bônus são prêmios concedidos nas empresas privadas a seus administradores pelo bom desempenho. O motivo da concessão do bônus não precisa ser claramente explicitado. Isto faz com que muita falcatrua e corrupção utilize o bônus como forma de legalização da lavagem de dinheiro.

É assim que funcionam as chamadas “portas giratórias”. Neste modelo de corrupção, um técnico pode ser indicado por políticos e empresários para exercer a presidência, diretoria ou cargo na alta administração de uma estatal para agir beneficiando alguma empresa ou grupo de empresas.  Feito o trabalho, a “porta giratória” gira e o técnico sai da estatal e é admitido em uma empresa privada que lhe concederá um “bônus”. Ou seja a propina é legalizada.

Outra forma de “porta giratória” eu mesmo vi ocorrer quando da privatização de estatais brasileiras durante o governo Collor . Técnicos de projeção nacional que colaboravam para que determinados grupos (principalmente bancos) comprassem as empresas , foram nomeados como diretores destas empresas já privatizadas por um curto período, apenas o suficiente para receberem o “bônus”. De novo propina legalizada.  

Uma forma criativa foi a utilizada pela Odebrecht que descontava do bônus pagos a seus executivos o valor da propina paga a políticos.

Em acordo de delação premiada ao Ministério Público Federal no âmbito da Lava Jato, o ex-executivo da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas declarou :  

“A Odebrecht tem umas formas de trabalhar com delegação plena. Esse assunto cabe ao líder empresarial (executivo) que decidiu assumir um custo de R$ 100 milhões, 150 milhões (com pagamento a políticos). Ele assumiu aquilo, ele sabe que aqueles R$ 150 milhões vão afetar ele na veia. Que se o resultado dele for R$ 300 milhões e ele ganha 10% (de bônus), ele ganha R$ 30 milhões no bolso dele. E ele vendeu R$ 150 (milhões em propinas) e ele só vai ter o resultado de R$ 150 milhões. Em vez de R$ 300 milhões só vai ter o resultado de R$ 150 milhões, e ele só vai botar no bolso R$ 15 milhões. Ele vai botar no ralo R$ 15 milhões dele “ (sic) afirmou Mascarenhas

E o bônus na Petrobrás?

Em março de 2019, com a aprovação de seu Conselho de Administração e da Secretaria de Coordenação e Governança das Empesas Estatais – SEST foi implementada nova sistemática para remuneração variável com as seguintes características:

“A remuneração dos administradores da Petrobrás é definida considerando seus resultados econômico-financeiros, bem como a promoção do reconhecimento dos administradores e um alinhamento destes às estratégias de curto, médio e longo prazos da Companhia, acompanhado pelo cumprimento das metas definidas pelo Conselho de Administração e de indicadores como Dívida Liquida/Ebitda Ajustado, Taxa de Acidentes Registráveis (TAR) e de Volume Vazado de Óleo e Derivados (VAZO). “
(Formulário de Referência 2019, pag. 582)  

Conforme amplamente divulgado, tal política tem com base critérios de “meritocracia”. Neologismo com origem no latim e no grego antigo estabelecendo uma ligação direta entre mérito e poder. Não pretendo aqui discutir a dúbia validade deste conceito e vou me limitar à uma rápida análise prática das metas estabelecidas no caso da Petrobrás.

Sinceramente não consigo ver de forma clara uma ligação direta do mérito de um diretor com o cumprimento de metas em índices de Vazamento de Óleo e Acidentes Registráveis. Quando muito um diretor pode aprovar mais verba para as áreas de segurança e meio ambiente. Mas isto é um dever, uma obrigação. Não vejo razão para distribuição de bônus por metas alcançadas nestas áreas. Principalmente em se tratando de uma empresa estatal.

Com relação à métrica Dívida Líquida/Ebitda Ajustado já tive a oportunidade de publicar artigo mostrando  sua invalidade e extemporaneidade :  De qualquer forma não é difícil de entender que esta meta só pode ser obtida através do crescimento do denominador (ebitda ajustado) ou uma redução do numerador (dívida líquida).

O Ebitda Ajustado (denominador) que é uma tentativa de aproximação da Geração Operacional de Caixa, evolui para mais ou para menos num movimento de longo prazo. É difícil para a administração alterar seu valor no curto prazo. A Dívida Liquida (numerador) no entanto pode ser controlada com simples decisões de gestão.Por exemplo : vamos diminuir os investimentos para sobrar mais caixa para diminuir a dívida, mesmo que as oportunidades e os projetos disponíveis indiquem que , a longo prazo, o melhor seria estar aumentando os investimentos e a  dívida.
 
Ou de uma forma mais deletéria, vamos vender ativos para diminuir a dívida, mesmo que estes ativos sejam imprescindíveis para a geração de caixa futura da empresa. Vejam que , no caso da Petrobras, as metas estabelecidas para o recebimento de bônus, trabalham contra os interesses da própria empresa no médio/longo prazo.É isto que eles chamam de meritocracia ? Acabo de ler um novo artigo publicado pela AEPET com o título “A AEPET sofre da maldição de Cassandra ?”

Neste artigo a direção da associação de engenheiros mostra o quanto já se esforçou em tentar demonstrar, em vão, ao que levaria a desastrosa política de venda de ativos da companhia. E destaca :

“Não se alegue surpresa ;  são erros cometidos desde 2015, sempre analisados pela AEPET. Pode-se, por hipótese, entender um projeto de lesa-pátria que está sendo conduzido, com fins antinacionais, desde então”  

No meu entendimento não se trata de uma hipótese, mas de um fato. Estamos vivendo um grande projeto de lesa-pátria, o maior de nossa história, como esclareci em recente artigo :  

Neste processo podemos acompanhar a criação de mais uma engenhosa “jabuticaba” para distribuição de propina, utilizando o o bônus como instrumento.  

Cláudio da Costa Oliveira
Economista da Petrobras aposentado

Fonte: Aepet