Sindicato denuncia médicos da RPBC por descaso com trabalhadores na pandemia

Negligência crônica

Sem uma mudança efetiva à negligência crônica da gestão da Refinaria de Cubatão (RPBC) diante da Covid-19, o Sindipetro Litoral Paulista decidiu denunciar todos os médicos da unidade ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Em um ofício detalhado sobre o que vem ocorrendo na unidade, que amarga 3 óbitos e mais de 130 operários que já testaram positivo, a entidade sindical acusa os profissionais de descumprirem o código de ética médica.

O fato mais problemático, que ilustra o desdém pelos protocolos médicos e medidas de prevenção sugeridas pelas autoridades sanitárias, ocorreu no início de junho. Segundo denúncias apuradas pelo sindicato, o setor de saúde da refinaria passou a determinar que trabalhadores próprios e contratados, mesmo enquadrados como casos suspeitos e até confirmados, continuassem trabalhando normalmente. A denúncia foi inclusive levada ao ar, em rede nacional de televisão, pelo programa Brasil Urgente, da Band, mas novos casos seguem chegando ao conhecimento dos dirigentes sindicais.

Em seu ofício, o Sindicato lista seis trabalhadores que não tiveram o afastamento garantido mesmo testando positivo para Covid-19. Descumprindo o que preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica isolamento social de no mínimo 14 dias para casos suspeitos, a empresa se apoia em um protocolo interno, chamado de Nota Técnica 28, para seguir produzindo e lucrando. Através dela, a direção da companhia obriga o retorno ao trabalho daqueles que testaram positivo a presença dos anticorpos IgM, tresultado que sozinho já assegura dois cenários preocupantes: a contaminação por Covid-19 em seu estágio inicial ou em sua fase ativa, quando se está no pico da infecção com possibilidade de transmissão.

Expondo toda força de trabalho ao risco de contágio, a norma da empresa se contenta com os resultados obtidos a partir de testes rápidos, ignorando a cobrança do Sindicato por um diagnóstico mais preciso, por exame de alta confiabilidade do tipo RT-PCR. Com isso, além de se chocar com a OMS, a empresa também contraria todos os pesquisadores que produziram trabalhos sobre o tema.

No dia 8 de maio, em estudo minucioso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, alertou que o uso dos testes rápidos, pelo governo e empresas para legitimar o retorno ou permanência no trabalho, tem elevado as situações de risco. “Esses testes, com altas taxas de falsos positivos e falsos negativos, são incapazes de assegurar que os anticorpos são específicos para o novo coronavírus e garantir proteção contra a doença, a chamada imunidade contra o vírus. Ou seja, não é um “passaporte de imunidade” para que o trabalhador circule livremente nos locais de trabalho e nas ruas. Pelo contrário. A aplicação massiva de testes rápidos para fins de certificado de imunidade e justificar a suspensão ou o relaxamento das medidas de distanciamento social pode ser um passe livre para aumentar a transmissão do novo coronavírus”.

Marcelo Juvenal, do departamento de Saúde e Segurança do Sindipetro-LP, tem acompanhado de perto a situação na refinaria. Para ele, a irresponsabilidade da empresa é nítida. "Como não existem dados científicos que atestam a existência de imunidade nas elaborações que a empresa vem se apoiando, via norma interna, o que se pode afirmar é que se o trabalhador teve contato com o vírus ele já se enquadra como caso suspeito e deve, no mínimo, ser isolada por 14 dias. Essa é a orientação da OMS. Caso não queira deixar o trabalhador em casa, que a empresa ao menos faça o teste mais rigoroso. Mas, de forma alguma, os gestores estão dispostos a gastar dinheiro com isso. Entre salvar vidas ou o lucro da empresa, já sabemos de que lado estão".

Descaso com a vida e assédio moral

A necessidade da denúncia se confirma pelos novos casos de desrespeito com a vida dos trabalhadores nos últimos dias, com boa parte deles acompanhados de assédio moral. Nesta semana, um dos trabalhadores que entrou em isolamento, e só após intervenção do Sindicato, passou a receber mensagens, um dia antes do término da quarentena, de que deveria retornar ao trabalho. A avaliação foi de que ele já estaria imunizado, sobretudo por não apresentar mais sintomas. Evidentemente, tal “diagnóstico" se apoia na norma técnica interna que cumpre um objetivo econômico e não sanitário: manter a refinaria produzindo. Além de dificultar um pedido simples do trabalhador, o retorno de táxi para evitar aglomeração, o setor médico considerou seguro liberar o retorno do trabalhador por telefone. Um absurdo!

Lutar pela vida e contra a impunidade

Ao solicitar que seja instaurado processo disciplinar, o sindicato também sustenta que essas medidas contrariam a legislação trabalhista e previdenciária. Isso porque, conforme relata, há subnotificação dos casos, repetindo um cenário nacional, e também não está sendo feito o registro da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Considerando a demora na implementação de medidas de prevenção, com o fornecimento tardio de máscaras e álcool-gel, e consequente surto de Covid-19 na refinaria, fica evidente a necessidade da CAT, notificando ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) os casos da doença adquirida no ambiente de trabalho.

Como relata Juvenal, "os trabalhadores contaminados, recuperados e casos de óbitos, não tiveram a escolha de permanecerem isolados”.  Embora a pandemia tenha sido caracterizada em 11 de março, ainda que os representantes da CIPA e representantes do sindicato cobrassem medidas preventivas, a única medida naquele mês adotada foi a alteração da jornada de trabalho de 8 horas para 12 horas diárias. No final de abril, após muita insistência da CIPA, a RPBC passou a fornecer as primeiras máscaras de proteção facial e álcool-gel. Ou seja, após 40 dias de caracterizada a pandemia pela OMS. Por isso, ao contribuir para a disseminação da pandemia, ainda pesa sobre os médicos o desrespeito ao Código Penal.

No que se refere ao código de ética médica, alguns trechos são ilustrativos para entender o que esses profissionais não têm feito na refinaria. Dentre outras obrigações, determina que "o médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício”; que ele se empenhe “pela eliminação e pelo controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais”; sendo proibido, ainda, causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência".

Não temos dúvida de que, em última instância, a responsabilidade pelo que ocorre hoje na RPBC e em todo Sistema Petrobrás é do governo Jair Bolsonaro, cuja política genocida se estende a todos aqueles que hoje formam o seu grupo de apoio. O próprio presidente da companhia, Roberto Castello Branco, cumpre neste sentido o simples papel de executor. E o faz com prazer, conduzindo uma resposta irresponsável à Covid-19. Pior, tem se aproveitado da pandemia para desferir ainda mais ataques, com a continuidade da privatização e ameaça de terceirização da gestão da AMS.

No entanto, sabemos também que sem a cumplicidade dos “meros soldados” aqui embaixo tais abusos e absurdos não se reproduziriam com tanta facilidade. Por isso, o Sindicato seguirá transformando o luto em luta, brigando por condições dignas de trabalho, em defesa da vida, mas também seguirá lutando por justiça. Nossa luta não será em vão.