O que será da segurança do offshore brasileiro?

Ineep

Aumento das atividades de exploração e produção de óleo e gás no país não é acompanhado por ampliação de pessoal e patrulhas da Marinha.

Até o final desta década, a produção de petróleo no Brasil deve saltar de aproximadamente 3 milhões de barris/dia (b/d) para 5,5 milhões de b/d, possivelmente alçando o país ao quarto lugar no ranking de maiores produtores da commodity em 2029, atrás apenas dos EUA, Rússia e Arábia Saudita, de acordo com o Ministério de Minas e Energia.

O crescimento de mais de 80% no período virá com a instalação de 42 novas unidades flutuantes de produção, armazenamento e transbordo de petróleo (FPSOs) – praticamente o dobro da frota atualmente em operação. As plataformas serão responsáveis sobretudo pelo desenvolvimento de novos ativos na Bacia de Santos, onde está localizado o polígono do pré-sal e o megacampo de Búzios – o maior em águas profundas do mundo.

O potencial petrolífero brasileiro vai além de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Prova disso é que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou a ANP a leiloar, na 17ª Rodada de Concessões, programada para 2021, seis blocos exploratórios situados além do limite das 200 milhas náuticas do litoral, em região chamada pelo governo de “Espelho do Pré-sal”.

A expansão da exploração e produção (E&P) de óleo e gás no país demandará, necessariamente, maior atenção com a segurança das instalações offshore. No entanto, segundo informações obtidas pelo Ineep via Lei de Acesso a Informação, a Marinha do Brasil (MB) não tem planos de aumentar o contingente de pessoal e embarcações encarregados dessa função.

“A Marinha do Brasil encontra-se realizando um programa de redução de cargos e efetivo de sua Força de Trabalho, de forma a atender às exigências estabelecidas no âmbito da própria Força e os compromissos assumidos em virtude da publicação da Lei no 13.954/19 [que alterou as regras da Previdência para as forças armadas]”, declarou o órgão pela Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR).

Como afirma o Ministério da Defesa (MD) no Livro Branco de Defesa Nacional 2020, o Atlântico Sul é uma área de “incontestável importância estratégica e econômica (…) que incorpora elevado potencial de recursos vivos e não vivos, como as maiores reservas de petróleo e gás natural do Brasil”, e da qual o país depende fortemente para performar suas atividades de comércio exterior. Por isso, elenca como um dos pressupostos básicos de sua Defesa Nacional buscar a manutenção do Atlântico Sul como zona de paz e cooperação.

A região do Atlântico Sul sobre a qual o Brasil exerce soberania e jurisdição nos assuntos afetos à exploração e ao controle das águas jurisdicionais e plataforma continental possui uma área equivalente à da Amazônia brasileira, por isso chamada de “Amazônia Azul”. Sob essa região, estão abrigadas as reservas de petróleo e gás em águas profundas e ultraprofundas, tão importantes para o desenvolvimento do país. Daí a necessidade de intensificar medidas de acompanhamento, monitoramento e controle do tráfego marítimo, assim como dos incidentes na área de vigilância marítima sob a responsabilidade do Brasil(1).

No mesmo documento, o MD alerta que o aumento de incidentes de pirataria e roubo no Golfo da Guiné, por exemplo, evidencia a importância de fortalecimento da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), a fim de prover a segurança marítima e a estabilidade na região – ou seja, para além da ZEE brasileira.

Tendo em vista o Atlântico Sul ser uma área de interesse geoestratégico para o Brasil, a proteção dos recursos naturais existentes nas águas, leito e subsolo marinho sob jurisdição brasileira deve ser uma prioridade do Poder Naval. No entanto, os interesses brasileiros não se limitam às Águas Jurisdicionais Brasileiras, e se projetam para a parte leste do Atlântico Sul, ultrapassando os limites da nossa Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental(2).

Entre as iniciativas em curso para alcançar os objetivos previstos estão a implantação do Sistema de Gerenciamento da “Amazônia Azul” (SisGAAz), a fim de garantir a segurança das embarcações que realizam atividades de valor estratégico e incrementando as capacidades de busca e salvamento”(3), e a construção de um submarino convencional de propulsão nuclear, que “elevará, consideravelmente, a capacidade de defesa do Brasil no Atlântico Sul”(4).

Contudo, dados da MB obtidos pelo Ineep sobre a disponibilidade de patrulhas navais (PATNAVs) e tripulantes de distritos navais (DNs) que possuem plataformas de exploração e produção marítima de petróleo e gás em sua área de jurisdição indicam cenário preocupante. Atualmente, o país conta com apenas dez PATNAVs e 202 tripulantes no 1º, 2º e 8º DNs, números muito inferiores aos de 2015, quando havia 35 PATNAVs e 1,212 mil tripulantes disponíveis. Desde 2016, tais contingentes vêm caindo, com tímidas altas em 2017 e 2019.

A história e o presente do modus operandi do mercado petrolífero guardam pouca relação com os modelos econômicos da ortodoxia liberal, vide a natureza do Acordo de Achnacarry(5) e a própria existência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) – um cartel que controla a maior parte da produção de petróleo no mundo. Ao contrário,

Dadas as características do petróleo como fonte de riqueza e ativo estratégico, há necessidade constante de incorporar novas descobertas para manter o fluxo de produção por meio de uma geoestratégia próxima a uma lógica militar(6) .

De fato, os hidrocarbonetos estão por trás de boa parte dos principais conflitos bélicos ocorridos desde o século passado, ao passo que, hoje, os principais pontos de passagem de petróleo e gás do mundo, como o Canal de Suez e os estreitos de Ormuz e Malaca, são locais onde há forte tensão militar, além de alta incidência de pirataria.

O crescimento das atividades de E&P e de transbordo e transporte de cabotagem e longo curso de petróleo e gás no Brasil na próxima década será acompanhado de uma diversificação cada vez maior de operadoras de distintas nacionalidades em sua costa — o que já vem sendo observado nos últimos anos, com a entrada de grandes International Oil Companies (IOCs) como BP Energy, Equinor, ExxonMobil, Shell e Total, via leilões de partilha da produção, além de multinacionais de menor porte que ingressam no país adquirindo ativos da Petrobras, como a australiana Karoon, a britânica Trident Energy e a anglo-francesa Perenco.

Essa mudança implicará a necessidade de um novo modelo de coordenação entre as autoridades responsáveis pela segurança offshore e a indústria, não mais centralizado na Petrobras, com quem o governo sempre contou, por exemplo, para responder a emergências, como no caso do vazamento de óleo que atingiu o Nordeste. Além disso, a pulverização de operadoras estrangeiras aponta para um cenário de interesses dispersos, que, em termos geopolíticos, pode representar ameaça à soberania nacional, eventualmente afetando o pleito do Estado brasileiro junto à ONU para estender os limites de sua plataforma continental.

Diante da esperada ascensão do Brasil na geopolítica do petróleo, é recomendável que o governo e as forças armadas nacionais se preparem para permitir que o país possa usufruir integralmente das riquezas advindas da exploração de sua Amazônia Azul pelas próximas décadas.

Fontes:

1. MINISTÉRIO DA DEFESA. Livro Branco de Defesa Nacional. 2020, p. 31.

2. Idem, p. 137.

3. Idem, p. 139.

4. Idem, p. 46.

5. Acordo firmado em 1928, na Escócia, por representantes da Shell, da Standard Oil Company e da Anglo-Persian para dividir as zonas de produção e estabelecer os custos de transporte e preços de venda de petróleo, formando o primeiro cartel da indústria de óleo e gás.

6. PINTO, E. C. Pré-sal: realidade, desafios e apropriação estrangeira. Jornal dos Economistas, nº 351, nov. 2018. Disponível em:.

Fonte: Ineep