O preço dos combustíveis e a greve dos caminhoneiros

Por Ibeps

O preço dos combustíveis e a greve dos caminhoneiros

Eric Gil Dantas, economista do Ibeps[1]

A Petrobrás anunciou neste mês mais um aumento dos preços do diesel e da gasolina em suas refinarias, com reajustes de 9 e de 10 centavos, respectivamente. Este pode ser um estopim para uma nova greve de caminhoneiros, que põe uma pressão no governo contra a política de preços da Petrobrás – tal como ocorreu em 2018, quando o preço do diesel chegou ao maior valor real da série histórica exposta no Gráfico 2, de R$ 4,15 (ou R$ 3,715 em valores da época). Neste artigo, dando continuidade ao que já foi inicialmente discutido em texto anterior sobre o preço do GLP[2], falaremos agora da subida de preços do diesel e da gasolina.

Assim como o GLP, a gasolina e o diesel seguem uma política de preços instaurada em 2016 por Michel Temer e Pedro Parente. Estes produtos derivados de petróleo e gás têm “como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo”[3]. Segundo dados da ANP, a composição do preço final do diesel em janeiro deste ano é de 47% do valor pago ao produtor (principalmente à Petrobrás, ainda detentora da maior parte do parque de refino do país), 23% de tributos federais e estaduais, 14% da inclusão obrigatória do biodiesel e 16% para distribuidores e revendedores. Já para a gasolina, a composição é de 29% para o produtor, 44% de tributos, 15% da inclusão do etanol e 12% para distribuidores e revendedores.

A descrição anterior é importante para termos claro qual é o papel de cada item na composição do preço final. No entanto, notem que grande parte disto advém de fato da decisão da refinaria, já que: (i) à exceção da CIDE todas são alíquotas, logo proporcionais ao valor em que este tributo incide (quanto maior o valor do produto, maior o tributo), e (ii) as margens de revenda e de distribuição se mantêm mais ou menos constantes no tempo independentemente do valor, isto é, se o preço na refinaria aumenta os revendedores e distribuidores aumentarão o preço final mais ou menos na mesma proporção.

Em síntese, a política de preços da Petrobrás aqui é a principal determinante do preço final do diesel e da gasolina, principalmente agora que a estatal não tem mais o controle da BR Distribuidora, líder na venda de diesel (29% do mercado) e de gasolina (23,4% do mercado). E é importante lembrar que nada disto é resolvido com a privatização das suas refinarias, pois como já demonstrei aqui[4], este processo criará monopólios privados regionais, o que irá piorar o preço dos derivados.

Assim como em 2018, os preços do diesel e da gasolina sobem junto ao encarecimento do petróleo cru no mercado internacional. Como mostramos no Gráfico 1, o preço do brent está em tendência de alta e já atinge o patamar dos 55 dólares, 3 vezes o valor de abril do ano passado no auge da crise do petróleo.

Gráfico 1 – Preço médio mensal do Brent em dólares (em valores correntes)

 

Fonte: U.S. Energy Information Administration

Assim como mostramos nos gráficos 2 e 3, os preços dos seus derivados acompanharam esta queda e atingiram patamares baixos em abril, maio e junho. Isto se deu tanto pela queda do preço do barril, quanto pela queda da demanda por combustíveis em contexto de pandemia. O que não ocorreu com o preço do GLP, já que mesmo com a queda do preço do petróleo, houve um grande aumento da demanda daquele produto por as pessoas terem ido para suas casas e terem demandado mais botijões para cozinharem.

No Gráfico 2 podemos ver que a variação a partir da adoção da nova política de preços da Petrobrás no diesel é menor. Se compararmos de janeiro de 2013 a setembro de 2016 (antes da adoção da nova política de preços) e de outubro de 2016 até hoje (pós-nova política de preços) temos um preço médio real do diesel 2,3% superior. Se desconsiderarmos o período da baixa dos preços por conta da pandemia (excluindo os meses de abril a dezembro de 2020) teremos um preço do diesel 3,8% superior com a nova política de preços, ainda bem abaixo da diferença do caso da gasolina – como veremos mais para frente. Isto demonstra que o governo é muito mais sensível ao preço do diesel do que o da gasolina, justamente pela pressão dos caminhoneiros. Um outro número que demonstra isto é o dado alardeado pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), que afirma que a defasagem do preço do diesel em relação ao preço de paridade internacional era de R$ 0,345 antes do último reajuste, enquanto que o da gasolina era de R$ 0,231. Mesmo assim, o diesel subiu 20% desde junho do ano passado, rumando para o mesmo patamar de quando houve a greve de 2018.

Gráfico 2 – Preço do Diesel S-10 nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (em vermelho os preços a partir da nova política de preços da Petrobrás)

Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]

Já a gasolina, também temos um grande aumento, de 22,6% desde maio do ano passado. Mesmo em meio à maior crise econômica do século que ainda vigora no país o preço já se compara aos períodos mais caros da gasolina no Brasil. Mais uma vez, consequência da distorção causada pela política de preços da estatal, que não leva em consideração a economia local, e sim a especulação com o preço do barril internacionalmente. Se compararmos o preço da gasolina antes da adoção da nova política de preços, teremos que a gasolina tem um valor 6,4% superior hoje, e se novamente desconsiderarmos o período de pandemia temos um valor 7,7% superior em termos reais se compararmos o antes e depois da adoção desta política de preços.

Gráfico 3 – Preço da Gasolina Comum nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (em vermelho os preços a partir da nova política de preços da Petrobrás)

Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]

Como já citamos anteriormente, isto poderia ser ainda pior. A Abicom exige que os preços das refinarias subam ainda mais, para que as empresas que ela representa possam lucrar mais com a importação de combustíveis. Se a Petrobrás ceder às suas pressões teremos o diesel com o maior valor da série histórica, a R$ 4,205 e a gasolina a R$ 5,03.

Para não contrariar os acionistas da Petrobrás, Bolsonaro diz estar estudando medidas para subsidiar o diesel a partir da retirada do PIS/Cofins, e não mexerá na política de preços da estatal – a verdadeira causadora do problema. Segundo a própria equipe econômica, para cada centavo a menos no diesel a partir desta isenção o governo perderia R$ 800 milhões. Isto é, para retirar, por exemplo, 9 centavos do preço do diesel perderia mais de R$ 7 bilhões, isto em uma crise fiscal com perda de arrecadação e negativas quanto à extensão do auxílio emergencial. Claramente este não é nem de longe um caminho plausível em termos econômicos.

Os caminhoneiros podem ajudar a acabar com a selvageria implantada no governo e na Petrobrás. Não podemos aceitar esta política que submete o custo da comida do trabalhador aos sabores das especulações internacionais, submete os caminhoneiros aos desentendimentos da ditadura saudita com a Rússia, petróleo que sequer é consumido aqui no Brasil. Os caminhoneiros, petroleiros e todos os outros trabalhadores devem encampar esta luta para que o preço do combustível e do gás de cozinha sejam indexados ao custo real dos produtos e às necessidades econômicas locais!

[1] Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política pela UFPR e pesquisador-visitante na FGV-SP.

[2] https://www.sindipetrosjc.org.br/p/2212/o-aumento-do-preco-do-gas-de-cozinha-a-politica-de-precos-da-petrobras-e-a-privatizacao-da-liquigas

[3] https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/precos-de-venda-as-distribuidoras/gasolina-e-diesel/

[4] http://www.fnpetroleiros.org.br/artigos/91/por-que-a-venda-das-refinarias-criara-monopolios-privados-e-quais-sao-as-consequencias-disto