Venda de refinarias e atual política de preços podem tornar permanente a inflação nos combustíveis, alerta Ineep

Caos na economia

O mercado de combustíveis foi o grande destaque do noticiário da semana no setor de óleo e gás. A demanda atípica para novembro noticiada pela Petrobrás e a promessa de um auxílio financeiro para caminhoneiros comprarem diesel reacenderam o debate sobre o futuro do setor de derivados no país. O coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão, alerta que há uma mistura de fatores que trazem perspectivas negativas para o mercado consumidor brasileiro.

"A saída da Petrobrás do refino abre incertezas sobre quem realizará, nos próximos anos, investimentos significativos na ampliação do parque de refino nacional. A permanência da PPI [política de paridade de importação] impõe riscos e incertezas permanentes sobre todos os elos do abastecimento", avaliou. Para o entrevistado, essa combinação tende a transformar a inflação de combustíveis e gás em "um problema permanente". Além disso, o coordenador do Ineep explica que parte da necessidade atual de importação de derivados acontece por conta da decisão da Petrobrás de produzir um percentual bem mais baixo em relação a sua capacidade total.

"Segundo estimativas do Ineep, para o segmento de diesel, por exemplo, a Petrobrás está produzindo 80% da capacidade possível. Com isso, a companhia teria um potencial de fabricar mais 115 mil barris por dia", estimou. Leão conclui ainda que se o Brasil não mudar de estratégia e expandir sua capacidade de refino, a dependência de importações continuará sendo uma realidade para o mercado nacional.

Como o senhor avalia os riscos de desabastecimento em novembro, por conta da demanda atípica anunciada pela Petrobrás nesta semana?

Pelas regras do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], todo risco de desabastecimento deve ser oficialmente comunicado ao CNPE, ao MME e à ANP. Esses órgãos ainda não se pronunciaram sobre o tema. Além disso, os dados divulgados por esses órgãos estão atualizados até agosto. Trata-se de um debate feito por meio de comunicados ao mercado, informes jurídicos e notícias de imprensa. O INEEP está aguardando informações oficiais para avaliar o risco.

Ao que se deve a atual necessidade brasileira de importação de derivados?

Uma parcela da necessidade de importação é oriunda da decisão da atual gestão da Petrobrás de produzir um percentual bem mais baixo da sua capacidade. Nos últimos meses, embora a companhia tenha elevado seu fator de utilização – 85% no terceiro trimestre –, há diferenças consideráveis para cada derivado. Segundo estimativas do Ineep, para o segmento de diesel, por exemplo, a Petrobras está produzindo 80% da capacidade possível. Com isso, a companhia teria um potencial de fabricar mais 115 mil barris por dia.

A Petrobrás tem capacidade de operar por um longo período com os atuais índices de fator de utilização das refinarias, que estão com 90% no acumulado de outubro?

Durante os anos 2013 e 2014, a companhia manteve seu fator de utilização acima de 95%. Não houve nenhum problema significativo naquele período por conta do alto fator de utilização da empresa.

O aumento da capacidade de processar óleo do pré-sal noticiado nesta semana pela Petrobrás não seria um incentivo para o país cada vez mais depender de derivados nacionais, ao invés de importá-los?

A dependência dos derivados nacionais, em última instância, está ligada à expansão da capacidade petrobrasde refino do país. Atualmente, o país é dependente, por exemplo, de cerca de 20-25% de importações de diesel para atender toda demanda interna, mesmo que utilize sua capacidade plena de refino.

A opção do governo Bolsonaro, até o momento, tem sido utilizar o PPI e vender as refinarias da Petrobrás para criar um ambiente favorável a novos investimentos. Todavia, isso não tem ocorrido e não há perspectivas, por enquanto, de novos projetos nesse segmento. Se esse processo de expansão do refino não ocorrer, a dependência de importações continuará sendo uma realidade para o mercado brasileiro.

A Petrobrás tem defendido a política de PPI e a venda de parte de seu parque de refino. Essa postura, ao seu ver, além de aumentar a dependência das importações, trará quais outras consequências para o mercado e os consumidores brasileiro?

A saída da Petrobrás do refino abre incertezas sobre quem realizará, nos próximos anos, investimentos significativos na ampliação do parque de refino nacional. A permanência da PPI impõe riscos e incertezas permanentes sobre todos os elos do abastecimento. A presença de múltiplos operadores e de preços excessivamente voláteis impõe desafios de coordenação e regulação cada vez maiores. Essa combinação tende a tornar a inflação de combustíveis e gás um problema permanente.

Seria tecnicamente possível a Petrobrás desenhar uma nova política de preços que seja menos sensível a fatores externos?

Com o encolhimento da atuação da Petrobrás no refino, na distribuição e na revenda, a margem de manobra da empresa diminuiu. Por isso, o esforço para vencer a alta dos preços precisa contar com o apoio de outros agentes envolvidos na cadeia de abastecimento.

Do ponto de vista fiscal, poderia ser adotado um tributo de alíquota variável sobre os combustíveis. Em períodos de alta no preço internacional do barril, a alíquota poderia ser reduzida. E, em momentos de baixa a alíquota poderia ser aumentada. Isso poderia ser feito, por exemplo, com a CIDE.

Do ponto de vista financeiro, se poderia criar um fundo de estabilização, como há em outros países. Com o aumento da exportação, esse fundo poderia ser formado pela adoção de um imposto sobre a exportação de óleo cru, com alíquota progressiva e atrelada às cotações do preço internacional. Nesse caso, também seria importante a criação de um estoque regulador de etanol, para evitar a especulação por meio da produção de cana e etanol.

No caso da Petrobras, a empresa também poderia tomar como referência, para a variação do preço, uma cotação dos preços dos derivados no mercado interno, considerando custo de refino nacional e margem de remuneração para acionistas.

Fonte: Petronotícias