Fundos de pensão querem do governo mais tempo para cobrir déficit nas contas de 2020 e 2021

Recuperação

A forte oscilação das Bolsas e a disparada da inflação nos dois anos sob pandemia afetaram também o resultado dos fundos de pensão, que viram piorar seus balanços contábeis e, agora, querem do governo um prazo maior para cobrir o déficit nas contas de 2020 e 2021.

A Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar) apresentou a proposta à Previc em dezembro e deve voltar a discutir o assunto em reunião do CNPC (Conselho Nacional de Previdência Completar) nesta semana.

Luiz Paulo Brasizza, vice-presidente da associação, diz que o prazo maior deve dar às entidades que administram os planos tempo para recuperar os prejuízos. "Precisa ficar bem claro que não se trata de insolvência, mas de um momento do mercado", afirma.

"Tivemos uma situação atípica em 2020 e 2021. Fazer esse plano de ajuste em 2022 pode levar a uma venda desnecessária de ativos e isso não seria bom. Nossa proposta é discutir em 2023 e 2024, quando esperamos que a situação já tenha melhorado."

O adiantamento poderá evitar a necessidade de planos de equacionamento mais agressivos, como aqueles que incluem cobranças extraordinárias em aposentadorias e salários.

Para milhares de aposentados e pensionistas dos maiores planos ligados a estatais, a mera perspectiva de novas cobranças é motivo de tensão.

Atualmente, trabalhadores da ativa, aposentados e pensionistas de Postalis, dos Correios, Petros, da Petrobras, e Funcef, da Caixa, já têm mensalmente descontos em seus benefícios e salários para cobrir rombos passados.

A situação do Postalis é a mais delicada. Quarto maior do Brasil em número de participantes, o fundo corre o risco de ficar sem dinheiro para aposentadorias em 2026. Hoje, os participantes pagam contribuições extras para cobrir os déficits de 2012 e 2014, que somavam cerca de R$ 6 bilhões.

Em 2015, o Postalis fechou o ano com novo déficit bilionário, que levou o fundo a sofrer intervenção pela Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) em 2017.

Agora, o fundo aguarda a aprovação de uma consolidação de déficits e de um agressivo plano de reestruturação. O saldo dos equacionamentos de 2012 e 2014, pelos quais os participantes já pagaram cerca de R$ 450 milhões anuais, será somado ao déficit de 2015 e também ao mais recente, de 2020. Tudo chega a R$ 8 bilhões.

Carlos Alberto Zachert, diretor de gestão previdencial do Postalis, espera que o plano entre em execução até o fim do semestre. A proposta passou pela direção dos Correios e agora caminha pela burocracia estatal –está na Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais.

Nesse plano, as contribuições extras continuarão praticamente iguais, mas passarão a ser vitalícias –as cobranças feitas atualmente durariam, em média, 16 anos. Aposentados, que hoje pagam 27,30% de seus benefícios, passarão a pagar 26,54%. Para pensionistas, a mordida será de 37,22%. Os funcionários da ativa terão desconto de 17,84% (hoje é de 18,81%). O novo plano também acaba com o pecúlio, reduz pela metade o valor das pensões por morte, e corta 25% no 13º.

O déficit e a baixa solvência do Postalis não são os únicos nós a serem desatados pela gestão do fundo. Os Correios estão na lista de privatizações do governo federal e, ainda que haja o risco de o processo não ser concluído no governo Jair Bolsonaro (PL), a estatal não tem novos concursos há anos e promoveu programas para incentivar demissões. Somente em 2021, 7.000 novos benefícios foram concedidos.

Na Funcef, fundação que gere a previdência dos empregados da Caixa, os assistidos pelos planos mais maduros pagam hoje cerca de 20% do benefício em taxas extras para cobrir rombos do período entre 2014 e 2016. Os planos têm ainda cerca de R$ 2 bilhões de déficits não equacionados.

Os resultados de 2020 e 2021, mesmo deficitários, não devem levar a novo equacionamento. Segundo o presidente da fundação, Gilson Santana, o déficit deve ficar abaixo do teto regulatório que determina a cobrança de taxas adicionais para cobrir rombos.

"Nenhum dos nossos cenários indica que a gente vai ter déficit de um tamanho que necessite de equacionamento", diz ele. "O balancete fechado de novembro já é melhor do que o de outubro, que foi preocupante."

A melhora, afirma o executivo, é resultado de uma aposta maior em títulos públicos, que têm rentabilidade atrelada à taxa Selic, aumentada sucessivas vezes pelo Copom para conter a inflação. Santana acredita que, com a taxa básica de juros em alta, os resultados tendem a ser melhores em 2022.

Neste ano, a fundação aprovou mudanças no reajuste de um dos planos maduros, substituindo o índice negociado pelos empregados da ativa pelo INPC. Segundo Santana, a nova regra dá mais previsibilidade na gestão dos investimentos, reduzindo a margem para perdas futuras.

A Funcef retomou processos internos para apurar responsabilidades pelos investimentos mal feitos que contribuíram para os rombos de meados da década, que estavam parados durante a pandemia. Resultados das investigações estão sendo enviados para o Ministério Público Federal para ajudar nas ações sobre o tema.

Na Petros, a cobrança extra para o equacionamento de déficit de 2015 e 2018 varia de 10,56% a 13,59% a depender do tipo de plano e da situação de cada participante ao fim de 2019.

Até dezembro, a carteira de investimentos dos planos mais maduros da fundação teve perdas entre 3% e 3,8%, quando a meta seria um ganho de 14%. A entidade diz que o resultado de um fundo deve ser observado no longo prazo para eliminar questões conjunturais.

"A Petros conta com uma carteira de investimentos sólida e diversificada", o que, segundo a fundação, dá condições de recuperação. A fundação também diz ter registrado, em 2020, o primeiro superávit após nove anos consecutivos de déficit em um de seus planos de benefício definido, "consolidando o trabalho de reestruturação conduzido pela atual gestão."

Das estatais que foram alvo de investigações, a Previ, do Banco do Brasil, é a menos afetada. O fundo é o maior em pessoas e em ativos investidos, controla R$ 232,2 bilhões e tem 544.755 trabalhadores, aposentados e pensionistas.

Em 2015, um de seus planos também registrou déficit, mas não precisou de contribuições extraordinárias.

O balanço de 2021 dos 618 planos das 232 entidades representadas pela Abrapp só será fechado no fim de março, mas deverá ficar negativo. Até outubro, dado mais recente, 327 planos de 128 fundos estavam com déficit.

Juntos, os fundos administram R$ 1,125 trilhão em ativos distribuídos em investimentos diversos. Quem banca essas operações são os 7,9 milhões de participantes. Por ano, cerca de R$ 70 bilhões são pagos em aposentadorias a 800 mil beneficiários.

Cinco perguntas sobre os fundos de estatais

Por que tenho um desconto em minha aposentadoria paga por um fundo de pensão?
Porque o plano que paga sua aposentadoria teve déficit em algum momento nos últimos anos. Desde 2015, a regulação dos fundos de previdência complementar fechada prevê que o déficit seja solucionado no ano seguinte.

Por quanto tempo o desconto será feito?
Isso depende de cada plano de equacionamento, nome dado às operações para zerar o déficit. Os participantes dos planos precisam ser informados da duração das cobranças.

Existe algum limite para esses descontos?
Não. Pode chegar a 50% do benefício, por exemplo. Essas contribuições extras, porém, são aprovadas em planos que precisam ser discutidos com os participantes.

O desconto é o único meio de quitar o déficit?
Não. As entidades que administram os planos têm autonomia para tomar outras medidas, como rever investimentos, vender ativos e reduzir benefícios. Nem sempre o plano de equacionamento de déficit resulta em contribuição extraordinária

Consigo barrar ou limitar o abatimento?
Associações de servidores das estatais têm diversas ações judiciais para barrar as contribuições extras. Há ainda processos cobrando responsabilização de gestores envolvidos em gestão temerária ou fraudulenta. Entretanto, não há garantia de vitória.

Fonte: Folha de SP