Quantidade de gás de cozinha comprada com um salário-mínimo retrocede para o nível de 2008

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

É comum vermos em jornais defensores da atual política de preços da direção da Petrobrás e do governo Bolsonaro, que o preço do gás de cozinha (o GLP) não é um problema, pois se compararmos a algum ano no meio da década de 2000, a coisa era pior. No próprio site da Petrobrás, em “Verdades sobre os preços do gás de cozinha (GLP)”[1], a empresa diz que “Em 2007, o preço ao consumidor do botijão de 13 quilos chegou a representar 8,7% do salário-mínimo”, minimizando o botijão caríssimo.

É verdade que no início do século o que se comprava de GLP com um salário-mínimo era muito menos, até porque a defasagem do salário-mínimo era imensa. Como pode ser visto no Gráfico 1, em janeiro de 2003 a proporção preço do GLP em relação a um salário-mínimo da época chegou a 14,7%. De lá para cá esta proporção veio caindo, chegando ao patamar mínimo de 5,7% em janeiro de 2015. Isto é, em janeiro de 2015, se gastava 5,7% de um salário para comprar um botijão de gás.

Gráfico 1 – Proporção do preço de um botijão de gás de 13kg em relação ao total de um salário-mínimo (julho de 2001 a agosto de 2021)

 

[1] https://petrobras.com.br/en_us/fatos-e-dados/verdades-sobre-os-precos-do-gas-de-cozinha-glp.htm

 

No entanto, desde então ano após ano esta proporção voltou a aumentar atingindo 8,5% do salário-mínimo, e já temos um valor equivalente ao de fevereiro de 2008. Regredimos em dignidade, regredimos 13 anos. O efeito disto, será obviamente a migração cada vez maior para outras formas de cocção, tal como já tratamos em um outro artigo intitulado de “Preço recorde do GLP fará milhões de brasileiros voltarem para o fogão a lenha”[1].

Este fenômeno também vem ocorrendo com a gasolina, como pode ser visto no Gráfico 2. Aqui optamos por colocar um total de um tanque de 55 litros, ao invés de um litro, para melhorar a visualização – mas isto não altera em nada o resultado. Se no início da década de 2000 se gastava 184% de um salário-mínimo para encher um tanque de 55 litros, hoje esta proporção é de 29,9%. A tendência de diminuição já tinha sido revertida em meados de 2017, quando havia atingido a proporção de 25,3%. No entanto, no ano de 2020 por conta da pandemia houve uma diminuição considerável do preço da gasolina (o que não ocorreu no GLP, por conta da alta demanda daquele combustível nas residências devido ao maior isolamento social), chegando a uma proporção de 22,4% em maio de 2020. No entanto, com a recuperação do preço da gasolina hoje a proporção de 29,9% se iguala ao final de 2018, quando em novembro tivemos a proporção de 30,8% e dezembro de 29,3%. Ou seja, a tendência de caber mais litros de gasolina no salário-mínimo também foi revertida, tal qual o GLP (e de forma até mais forte proporcionalmente).

Gráfico 2 – Proporção do preço de um tanque de 55 litro de gasolina comum em relação ao total de um salário-mínimo (julho de 2001 a agosto de 2021)

[1] https://www.sindipetrosjc.org.br/p/2309/preco-recorde-do-glp-fara-milhoes-de-brasileiros-voltarem-para-o-fogao-a-lenha

 

Se a previsão da Associação Brasileira dos Revendedores de Gás Liquefeito do Petróleo (Asmirg) se concretizar e atingirmos preços entre R$ 150 e R$ 200, esta proporção voltará aos maiores patamares do século. A um salário-mínimo de R$ 1.169 (que está na PLOA para 2022) e um valor médio do GLP de R$ 150, teríamos uma proporção de 12,8%, só inferior aos picos de julho de 2002 e do final de 2002 e início de 2003. A mesma coisa para a gasolina.

A imensa inflação sufoca os brasileiros, o IPCA-15 para agosto foi o maior desde 2002. A direção da Petrobrás é hoje – junto aos alimentos e à energia elétrica – a principal responsável por tudo isto, com a inflação dos combustíveis derivados de petróleo.

Ainda temos tempo de reverter tudo isto, cobrando um preço justo para a população brasileira, que sofre com uma grande crise econômica e sanitária. E para cobrar um preço justo, temos que interromper e reverter o processo de privatizações que já levaram mais de R$ 200 bilhões de ativos da nossa estatal, pois só com uma empresa estatal integrada e verticalizada será possível que este preço abusivo não se torne a única realidade possível em nosso país.