Projeto de teto para o ICMS resolverá o problema do preço dos combustíveis?

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

O projeto que cria um teto para o ICMS incidente em combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, o PLP 18/2022, foi aprovado nesta semana tanto na Câmara quanto no Senado.

Este projeto compõe um pacote de medidas que apareceu como uma última cartada do Bolsonaro para diminuir o preço dos combustíveis às vésperas da eleição. Neste texto iremos analisar as possíveis consequências deste projeto, tanto para o preço final dos combustíveis quanto para as contas públicas.

O que o projeto modifica na tributação dos combustíveis?
Hoje os combustíveis têm uma carga tributária composta por tributos federais (CIDE e PIS/COFINS) e estaduais (ICMS). Os estados cobram uma alíquota média para a gasolina de 28% e para diesel S-10 de 16%. Já em termos de tributos federais, a gasolina tem um tributo fixo de 69 centavos por litro e o diesel está com todos estes tributos zerados (a CIDE desde a greve dos caminhoneiros de 2018 e PIS/COFINS desde março deste ano).

O PLP tem por objetivo principal traçar um limite para a alíquota do ICMS na gasolina e no diesel para 17%. Como pode ser visto no Gráfico 1, isto em tese impactaria muito mais a gasolina (em azul) do que o diesel S-10 (em laranja). Enquanto na gasolina o corte é geral, diminuindo uma média de 11 p.p. na alíquota do ICMS, no diesel há cortes em apenas 8 estados, e somente no Amapá (que tem alíquota de 25%) de forma significativa.

Gráfico 1 – Alíquotas de ICMS para gasolina e diesel S-10 por Unidade Federativa e o limite de 17% imposto pelo PLP 18/2022

Fonte: Tributação dos Combustíveis por Estado/Referência: junho de 2022 (Fecombustíveis)

No entanto, desde 2021 o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), entidade que reúne os secretários estaduais de Fazenda, mantém congelado o preço de referência para o cálculo do ICMS tanto para o diesel quanto para a gasolina. Sendo assim, na prática, as alíquotas efetivas de ICMS hoje são muito menores do que as que estão na lei. Se legalmente a alíquota média do ICMS brasileiro sobre a gasolina é de 28%, hoje efetivamente ela está em 24,1%. Sendo assim, o impacto do limite para 17% é menor do que se pensaria a princípio.

Tabela 1 – Alíquotas de ICMS legais e efetivas para a gasolina comum (estados os quais a Petrobras disponibiliza dados)

Fonte: Fecombustíveis; Petrobras

O mesmo ocorre para o diesel S-10. Mas neste caso, basicamente não há nenhum impacto no preço com o limite de 17%, pois o único estado que hoje cobra um ICMS acima dos 17% é o Amapá (em torno de 19%, mas não está na tabela abaixo por a Petrobras não disponibilizar o dado para este estado).

Tabela 2 – Alíquotas de ICMS legais e efetivas para o diesel S-10 (estados os quais a Petrobras disponibiliza dados)

Fonte: Fecombustíveis; Petrobras

O PLP também prevê zerar os impostos federais da gasolina, que hoje é de 69 centavos. Sendo assim, a diminuição do ICMS para 17% e o subsídio até o fim do ano dos impostos federais deverá impactar exclusivamente a gasolina e em algo em torno de: R$ 0,76 o ICMS e R$ 0,69 os impostos federais, somando R$ 1,45.

Quanto do subsídio pode chegar ao preço final?
Mas isto pouco provavelmente chega 100% até o consumidor, pois há toda uma cadeia produtiva: depois da refinaria ainda temos a distribuição e a revenda. Em geral, subsídios ou diminuição de preço no início da cadeia nunca chegam inteiras à ponta, pois acabam incorporados como aumento da margem de lucro das empresas que compõem o setor. Basta ver a última diminuição no preço do GLP por parte da Petrobras. A estatal diminuiu em R$ 3,27 o botijão, no dia 9 de abril, mas de lá pra cá a diminuição no preço para o consumidor foi de apenas 90 centavos. Supondo um cenário bastante otimista, onde 70% do subsídio chegue à ponta, teríamos então um efeito de R$ 1,02 para a gasolina.

Aí aparece um segundo problema. Segundo a ABICOM, os preços da gasolina no país hoje estão em média 67 centavos abaixo do PPI, e do diesel R$ 1,08. Ou seja, assim como aconteceu em momentos de criação de subsídios no ano passado (abril de 2021 para o diesel), parte da diminuição pode ser engolida por novos reajustes da Petrobras a qualquer momento. Segundo a ABICOM, para o caso de Paulínia a defasagem está em 82 centavos, ou seja, um reajuste pode engolir quase todo o subsídio. Inclusive membros do Ministério da Economia disseram nesta semana que novos reajustes estão por vir.

E o custo dos subsídios?
O maior problema do projeto me parece ser o seu custo-benefício. É uma verdadeira bomba fiscal.

O ICMS é o principal tributo de qualquer estado do país. De janeiro a maio deste ano, o ICMS foi responsável por 81% da arrecadação dos estados brasileiros. E dentro deste tributo, 30% dele vem de combustíveis/lubrificantes (19,5%) e de energia elétrica (11%), os dois principais itens do PLP.

A arrecadação deste tributo também impacta os municípios, já que eles recebem 25% do ICMS através da Cota-Parte (transferência do estado para o município). 33% das receitas correntes líquidas de São José dos Campos, por exemplo, é composta pela sua Cota-Parte de ICMS. Qualquer política que subsidie um produto renunciando ao ICMS é sentido rapidamente pelos municípios. Sem contar que impacta no FUNDEB e nos mínimos constitucionais de Educação e Saúde. Apesar das emendas sobre este tema apresentadas pelos senadores, não há nenhuma garantia que FUNDEB, Educação e Saúde não terão grandes perdas fiscais.

Os cálculos de renúncia fiscal estão mais ou menos os seguintes: (i) União renunciará a R$ 20,3 bi com gasolina e etanol, e R$ 14,9 bilhões em diesel e GLP (que já estão em vigor), totalizando R$ 35,2 bilhões; (ii) segundo o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz) “as perdas representam um valor de R$ 115 bilhões por ano aos Estados, dos quais R$ 28,75 bilhões são apenas para os Municípios”[1]. Ou seja, até o fim do ano seria algo em torno de R$ 58 bilhões. É importante lembrar que o limite do ICMS seguirá indefinidamente, então os estados e municípios perderão para sempre esses R$ 115 bilhões anuais.

Em síntese, somando até o fim do ano o Estado brasileiro (União, estados e municípios) torraria – independentemente do que a União compensaria ou não – R$ 93 bilhões em subsídios para gasolina, etanol, GNV e GLP. E a partir do ano que vem, pelo menos R$ 115 bilhões anuais ad infinitum.

Ou seja, vamos torrar 3 Eletrobras privatizadas neste ano para que o Bolsonaro aumente suas chances eleitorais. Vamos torrar 3 Eletrobras para não “interferir” nos preços da Petrobras. Vamos torrar três Eletrobras para que a Petrobras possa pagar mais de R$ 100 ou de R$ 150 bilhões em dividendos aos seus acionistas.

Isto parece racional? Isso parece racional economicamente? Fiscalmente? Socialmente? Democraticamente? Vamos destruir as contas da União, dos estados e dos municípios e talvez sequer consigamos diminuir em 50 centavos o preço da gasolina.

 

[1] https://comsefaz.org.br/novo/index.php/2022/06/13/novo-texto-do-projeto-que-fixa-o-limite-da-aliquota-do-icms-provoca-desassistencia-de-servicos-publicos-essenciais/