Privatizações, BR e os conflitos de interesses

Por Cacau Pereira, pesquisador do Ibeps

*Por Cacau Pereira, pesquisador do Ibeps

A incorporação do Centrão à base de sustentação do governo Bolsonaro (sem partido) está fazendo a equipe econômica sonhar alto e preparar novos ataques às empresas públicas brasileiras e à soberania nacional.

Os planos do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, apontam para a conclusão, ainda neste ano, das vendas da Eletrobras e dos Correios; e, ainda, da entrega ao mercado da fatia da BR Distribuidora que ainda se encontra nas mãos da Petrobras. Está também prevista a privatização do Porto de Santos, só que para o ano de 2022.

Ainda na área de transporte e logística cogita-se vender o Porto de Vitória/ES, a Trensurb, de Porto Alegre, e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), de Minas Gerais, que administra o metrô da capital, Belo Horizonte.

As privatizações exigem autorização do Congresso Nacional e, por isso, o Planalto dá atenção especial às eleições para as mesas das duas casas legislativas (Câmara e Senado). O Projeto que autoriza a venda da Eletrobras encontra-se na Câmara desde 2019 e o que prevê a privatização dos correios deve ser encaminhado ainda no mês de fevereiro para tramitação.

Como as privatizações são vistas com desconfiança pela maioria da população, o governo não descarta fatiar a venda dos Correios, por região ou por carteira de produtos. Para tocar esses projetos entreguistas, começou uma dança das cadeiras envolvendo executivos que estarão à frente das empresas envolvidas.

Escolha do novo presidente da BR Distribuidora reforça tese da privatização total
O atual presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., pediu demissão para assumir a presidência da BR Distribuidora, a partir de março. Sua escolha foi bastante elogiada pelo atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. As ações da BR tiveram alta, de imediato, sinalizando a satisfação do mercado com a escolha. O atual presidente, Rafael Grisolia, já está de malas prontas para deixar a empresa.

A passagem de Ferreira Jr. pela Eletrobras não deixará saudades para os empregados da empresa. O dirigente foi indicado por Michel Temer (MDB) em 2016 e permaneceu durante o governo Bolsonaro. Durante a sua gestão foram vendidas seis subsidiárias da companhia nos estados e um plano de demissões foi efetivado. As negociações salariais emperraram e a empresa ameaça cobrar dos trabalhadores valores de antigas PLRs (participação nos lucros e resultados) que teriam sido pagas indevidamente por administrações anteriores.

A redução do custo com pessoal foi da ordem de 35%, somente de janeiro a setembro de 2020, conforme os balancetes publicados. A empresa alcançou margens de lucro importantes, na ordem dos R$ 30 bilhões, depois dessa reestruturação. Apesar de deixar a presidência, o executivo irá permanecer no Conselho de Administração da Eletrobras.

A possível vinda de Ferreira Jr. para a BR tem como principal objetivo liquidar de vez a venda dos ativos da empresa para o setor privado. Atualmente, a Petrobras ainda detém uma participação de 37,5% na distribuidora, que teve a maioria de suas ações vendidas em 2019.

Em entrevista, o CEO da Eletrobras afirmou que "no momento que nós acharmos que as condições do mercado são favoráveis estamos com o dedo no gatilho para vender" e que "não queremos ficar como acionistas da BR, queremos ela com cliente", arrematou.

Escolha de Ferreira Jr. fere a lei da quarentena
A posse do executivo, se vier a ocorrer, incorrerá em descumprimento flagrante da lei, que prevê a quarentena de seis meses para que algum dirigente de empresa pública assuma cargo semelhante na iniciativa privada, o que é o caso. A Comissão de Ética Pública do governo federal deverá analisar o caso. Se atuar dentro da legalidade, a posse não pode ocorrer.

O instituto da quarentena é regulado pela Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013, que “dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego”.

Configura conflito de interesses, pelo artigo 6º, inciso II, da Lei, que ministros de Estado; cargos de natureza especial; presidente, vice-presidente ou diretor de autarquias; cargos do Grupo de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) assumam cargos de direção, administração ou conselheiro em empresas privadas ou mesmo prestem serviços eventuais, assessoria ou consultoria a essas empresas.

O conflito de interesses é definido como a “situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública” (artigo 3º, inciso I).

A Comissão de Ética Pública pode, no entanto, flexibilizar a quarentena e é aí que mora o perigo, pois os interesses das empresas poderão se sobrepor ao interesse público e desrespeitar a Lei.

Resistir às privatizações é preciso
O governo federal deu um passo importante na sua política de privatizações ao aprovar o Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), que ampliou o espaço para a gestão privatizada dos serviços de água e esgoto no país.

A universalização da oferta de serviços foi jogada para o longínquo dia 1º de janeiro de 2040. Os municípios que não aderirem à privatização terão suspensos os contratos de repasse. A delegação de serviços das empresas que se mantiverem estatais fica proibida.

O novo marco regulatório vai estimular as privatizações e as concessões para o setor privado. Os recursos federais serão alocados, preferencialmente, nas PPPs (parcerias público-privadas) patrocinadas. O serviço será regionalizado e, caso algum estado não tenha mais como avançar na regionalização e a necessidade de investimento superar a capacidade de pagamento da população, o governo federal poderá colocar dinheiro público na jogada.

Esse modelo agora virou referência para outros setores, como o petróleo, gás natural, energia elétrica e navegação de cabotagem, dentre outros.

A agenda dos sindicatos e movimentos sociais deve, necessariamente, ter a defesa das empresas públicas e do patrimônio brasileiro como elementos centrais, sob pena dos riscos que as privatizações impõem à soberania nacional, nas diversas áreas que se planeja entregar ao setor privado nacional e estrangeiro.