Reforma administrativa: se passar, o Brasil tá lascado!

Por Cacau Pereira, pesquisador do Ibeps

Por Cacau Pereira é advogado Especialista em Direito Público, Mestre em Educação e pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps)

O bordão já ficou um pouco batido, é verdade. Mas, poucas vezes alguém sintetizou com tanta simplicidade e objetividade a situação brasileira. E, diante da reforma administrativa embutida na PEC 32/2020, não vejo outra expressão mais adequada do que a cunhada pelo economista Gilberto, no BBB21.

A população brasileira está, há meses, com as suas preocupações voltadas para a pandemia do Covid 19 e a verdadeira sabotagem que estamos sofrendo pelo governo federal, por muitos governadores e prefeitos. Nesse momento, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado concentra as atenções de todos. O mínimo que se espera é que a apuração dos fatos - já fartamente documentados e com inúmeros depoimentos que demonstram os crimes de responsabilidade do mandatário da República - se encaminhe para o processo de impedimento e destituição do genocida que ocupa a cadeira do Palácio do Planalto.

Mas, a Câmara dos Deputados - em total dessintonia com o trágico momento vivido pelo país - tem dado demonstrações, de sobra, de falta de compromisso com o povo, com os servidores e com o serviço público. A aprovação da mal chamada PEC Emergencial - agora transformada em Emenda Constitucional 109 - foi um exemplo disso, com a votação num tempo recorde, de apenas 72 horas.

A EC 109 teve origem na PEC 186, apresentada ainda em 2019, como parte do projeto de reforma administrativa batizado de “Plano Mais Brasil”. O Plano envolvia três propostas de emendas constitucionais: a PEC do pacto federativo, a PEC dos fundos públicos e a PEC Emergencial.

A PEC 186, em sua Ementa, se propunha a alterar o texto permanente da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), dispondo sobre medidas de controle do crescimento das despesas orçamentárias, tanto do Orçamento Fiscal quanto da Seguridade Social.

Simplificando, instituía “gatilhos” como mecanismos de ajuste fiscal, em casos de aumento do endividamento público. Esses gatilhos, quando acionados, afetariam direitos, salários e mesmo o emprego dos servidores públicos.

O texto final aprovado manteve e, em alguns casos, ampliou esses ataques aos servidores. Os gatilhos poderão ser acionados em duas situações: decretação de estado de calamidade pública nacional e situação de emergência fiscal.

O estado de calamidade só poderá ser decretado pelo Congresso Nacional, mediante proposta do presidente da República. Já a emergência fiscal poderá ser decretada pela União, estados, municípios e também pelo Distrito Federal.

Esses gatilhos, quando acionados, implicarão em muitos ataques aos servidores, a começar pelo congelamento salarial, pela proibição de elevar benefícios e gratificações, “engessamento” da carreira, proibição de realizar concursos públicos e contratação de pessoal, proibição de criar novos cargos e funções que impliquem em aumento de despesas, dentre outros.

Essas novas mudanças no texto constitucional aprofundam o caminho aberto pela EC 95, de 2016. Aquela emenda congelou o investimento público nas áreas sociais por 20 anos, condenando o nosso país a uma precarização crescente na prestação de serviços que, na verdade, são direitos sociais aos quais a população pobre só alcança mediante uma forte intervenção do Estado. São os casos da saúde, da educação, da assistência social, dentre outras áreas de atenção à população brasileira.

A EC 109 também piorou o texto da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), ao incluir as despesas com pensionistas como parte dos limites de gastos com pessoal de todas as esferas de governo. Essa inclusão, a médio prazo, será mais um compressor para dificultar a concessão de reajuste ao pessoal da ativa.

A aprovação da emenda viabilizou a retomada do pagamento do auxilio emergencial, que estava suspenso desde o final do ano passado. Para milhões de brasileiros, sem essa ajuda emergencial, o cenário presente era de fome, desalento e desespero.

No entanto, ao invés de garantir essa ajuda, absolutamente justa para quem tem fome e está desempregado, pelos recursos do tesouro, o governo Bolsonaro jogou a fatura nas costas dos servidores públicos, como se esses fossem privilegiados e responsáveis por arcar com esse gasto.

No próximo artigo vamos atualizar as informações sobre o andamento da PEC 32, que teve sua admissibilidade recentemente aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC).