Petrobrás gasta R$ 3 bi ao ano para alugar gasodutos que privatizou

Tiro no pé

A Petrobrás está pagando cerca de R$ 3 bilhões ao ano para utilizar os gasodutos da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), empresa que a  estatal vendeu por cerca de R$ 36 bilhões mesmo sabendo que iria aumentar a produção, ou seja, ia precisar ainda mais dos gasodutos para distribuir petróleo e gás.

Com a privatização, em pelo menos 10 anos, a petroleira vai gastar todo o ‘lucro’ com a venda do ativo em pagamento de aluguel do gasoduto que antes fazia parte do seu patrimônio. E vai continuar gastando, já que a sua distribuição passa pela TAG. 

Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) /Subseção da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Cararine, a Petrobrás pode gastar o que conseguiu vendendo a empresa em menos tempo ainda porque, além da produção aumentar ano a ano e a estatal precisar escoar o gás e o petróleo, tem os reajustes no preço do aluguel.  

“A Petrobrás produz mais de 90% do petróleo do país e é responsável por 100% do refino, ela mais produz do que exporta, e o transporte do gás é feito pela TAG e a NTS [Nova Transportadora do Sudeste], ambas vendidas. A Petrobrás sabia, antes de vender as transportadoras, iria aumentar a produção e as usaria ainda mais, e mesmo assim vendeu”, diz.

Cloviomar faz uma analogia com a venda de uma casa. Segundo ele, é como se uma pessoa construísse a própria casa e a vendesse, em vez de ampliá-la porque esperava mais um filho, ainda a aluga de volta, pagando em torno de 10% ao ano do valor que recebeu.

”A Petrobras é como o dono da casa. Ela construiu toda a malha de gasodutos e para utilizar o que construiu paga um aluguel”, diz o economista.

Decisão estratégica, sem lógica econômica
Essa “lógica” faz parte da estratégia do governo federal, que teve início no governo de Michel Temer (MDB-SP), e se aprofundou com Jair Bolsonaro (ex-PSL), de transformar a Petrobrás apenas numa empresa produtora de petróleo, saindo de negócios como o mercado de gás, das refinarias e do transporte, pondo fim ao slogan utilizado no governo Lula: “do poço ao posto”.

O ex-presidente da Petrobrás e atual pesquisador do Instituto de Estudo Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), José Sérgio Gabrielli, diz que a venda da TAG foi uma decisão de mudança de estratégia, sem lógica econômica, mas que atende ao mercado, que culminou com a aprovação da nova lei do gás.

“Eu discordo desta movimentação, que vem a partir de 2016 [pós-golpe], de mudar profundamente a regulação do gás natural no Brasil. Esta é a intenção. Por isso, a Petrobrás foi proibida de ser distribuidora, de dominar o mercado, porque empresários acham que é preciso ter concorrência”, diz.

Comparação entre mercados europeu e norte-americano
O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, ressalta que a política de venda de ativos é suicida porque acelera a saída da estatal dos negócios de gás e refinarias. Não dá para comparar os mercados europeu e norte-americano com o Brasil, como defendem o setor privado. A logística de distribuição de gás e óleo é diferente, diz.

“A Europa tem uma rede grande de gasodutos com um grande potencial de consumidores e fontes diversas de gás. Nos Estados Unidos, ocorreu uma grande expansão depois de 2008, mas lá as redes são embaixo dos gasodutos. Nossa rede é litorânea e entra um pouco mais na região oeste, a partir de São Paulo. É maluquice tentar copiar esses modelos, pois não temos os insumos que eles têm”, afirma Gabrielli.

A TAG e a NTS
A TAG é uma companhia que atua no setor de transporte de gás natural, detendo atualmente autorizações de longo prazo para operar e administrar um sistema de gasodutos de cerca de 4,5 mil km de extensão, localizados principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, com capacidade instalada de 75 milhões de metros cúbicos diários.

A Petrobrás concluiu a venda da TAG ao grupo formado pela ENGIE e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ), em março do ano passado, com a transferência de 10% do sua participação remanescente. Em junho de 2019, a Petrobras já havia vendido 90% da sua participação ao mesmo grupo.

A venda da TAG aconteceu dois anos após a Petrobrás ter privatizado a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), subsidiária que controlava a malha de gasodutos mais estratégica do país: 2.000 quilômetros de dutos que interligam toda a região Sudeste. A Brookfield, um fundo de investimentos canadense, pagou pela empresa a bagatela de US$ 4,23 bilhões, sendo US$ 2,59 bilhões em ações e US$ 1,64 bilhão em títulos de dívida.

Desde então, a NTS vem acumulando lucros e receitas recordes às custas da Petrobrás, que agora precisa alugar a preços de mercado os dutos que antes lhe pertenciam. Em média, a estatal gasta R$ 1 bilhão por trimestre com aluguel de dutos. Ou seja, em menos de quatro anos, já terá pago à Brookfield todo o valor que arrecadou com a privatização da NTS.

“Além dos efeitos financeiros, a venda da TAG para um empresa francesa faz o país perder soberania num setor tão importante como a energia”, conclui Cararine.

Fonte: Brasil 247