'A raposa cuidando do galinheiro': analistas explicam impacto de nova privatização no pré-sal

PPSA

Por sugestão do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, a PPSA, estatal responsável por gerenciar os contratos da União para exploração do petróleo localizado no pré-sal, foi incluída em estudos de possíveis privatizações. Especialistas apontam que em caso de venda da estatal, o governo pode perder a gestão de US$ 122,7 bilhões (cerca de R$ 662 bilhões).

Logo em seguida, no início de junho, o governo Bolsonaro apresentou um projeto de lei que autoriza a venda dos contratos da empresa, apontando até R$ 398,4 bilhões em potencial de arrecadação. O projeto retira os repasses ao Fundo Social, criado para investir os recursos da União obtidos no regime de partilha do pré-sal em áreas como educação e saúde.

Quais são os efeitos da eventual privatização da PPSA?
Para o pesquisador Rodrigo Leão, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a possível privatização da PPSA rompe com o "espírito" do chamado regime de partilha (Lei 12.304/10). Essa legislação, além de criar e definir a atuação da PPSA, determina que as empresas exploradoras do pré-sal ofereçam uma contrapartida ao Estado — o excedente de petróleo. Diferentemente do regime de concessão, a partilha garante mais recursos ao governo. Segundo Leão, a problemática de uma venda da PPSA vai além das finanças.

"O prejuízo [da privatização da PPSA] eu diria que não é tanto do ponto de vista econômico. O prejuízo é muito mais de tirar do Estado uma atribuição que, por definição, é dele: regulação e gerenciamento de recursos fiscais", aponta Leão em entrevista à Sputnik Brasil.

Segundo o especialista, com a PPSA funcionando como uma espécie de agência regulatória e de fiscalização, a privatização seria uma "completa disfunção" do que a empresa representa. Além disso, ele alerta para possíveis conflitos de interesse caso a PPSA saia das mãos do Estado devido a eventuais relações entre a substituta da estatal e as petrolíferas no pré-sal.

"É uma coisa sui generis, a gente não vê nos modelos de partilha algo desse tipo. O Estado tem, por definição, o papel de fiscalizar e gerenciar os recursos gerados pela produção do petróleo. Então acho que podem surgir problemas graves de governança ou de gerenciamento dos recursos", salienta.

Leão também destaca que a PPSA tem uma função de monitorar e controlar o volume de exploração e produção do petróleo. "Com uma empresa privada isso perde o sentido. A ideia de regular esse tipo de timing é poder avaliar o melhor momento de aumentar ou diminuir a produção", afirma, acrescentando que há uma incompreensão a respeito do modelo de partilha.

O presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, afirma que a eventual venda da PPSA traria diversas perdas à capacidade de investimento do Brasil.

"Se privatizada, a PPSA representa uma perda de recursos no médio e longo prazos, perda da capacidade de fomentar a indústria nacional por meio de uma política industrial que fomente o conteúdo nacional e, por fim, e não menos importante, perda do poder do Estado brasileiro de controlar suas reservas de petróleo e gás natural", diz Bacelar, que acredita que privatizar a PPSA é "como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro".

Já o economista Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também ligado ao Ineep, alerta para o risco de perdas econômicas significativas com a privatização. O pesquisador explica que há uma série de incertezas em torno da exploração de petróleo ligadas aos custos e à expectativa de produção. No regime de partilha, o governo não tem de maneira clara as receitas futuras que receberá nesse processo. Portanto, ressalta o pesquisador, o valor da privatização da PPSA tende a ter um "desconto muito grande".

"Há uma tendência de ter perdas econômicas significativas resolvendo privatizar agora a PPSA [...]. Então há um impacto econômico, sobretudo com a possibilidade de perdas de receitas futuras", afirma Costa Pinto à Sputnik.

Política, ideologia e interesses econômicos
O pesquisador da UFRJ aponta que o valor recorde arrecadado pela PPSA no primeiro semestre de 2022 — R$ 1,23 bilhão — ainda é pequeno em relação ao que está por vir. Segundo Costa Pinto, o governo Bolsonaro opera com a lógica de tentar trazer parte desses valores futuros para o presente com a negociação da estatal. Para ele, essa é uma jogada com uma dimensão eleitoral e ideológica.

"É evidente que aqui tem uma lógica eleitoreira, porque eu faço caixa no ano eleitoral e esse caixa não necessariamente pode ser adotado como elemento para a ampliação de despesas no ano eleitoral", destaca o economista da UFRJ.

Diante das dificuldades encontradas pelo governo Bolsonaro de concretizar as promessas de se desfazer das estatais, o especialista Rodrigo Leão também ressalta um mote político na movimentação em direção à estatal.

"A PPSA é, digamos assim, um elo de menor resistência. Então [a privatização] seria uma espécie de resposta política do governo para tentar justificar ou tentar trazer elementos para mostrar que, de fato, essa agenda deles avançou", pondera.

Nesse sentido, segundo Eduardo Costa Pinto, existe uma motivação ligada à redução da forma de atuação do Estado no sistema econômico. Para ele, há uma marcante dimensão ideológica no governo Bolsonaro ligada à redução do Estado, liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O economista aponta que essa é uma forma de abrir novos espaços de acumulação para elites financeiras que ganharam força a partir do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

O pesquisador também destaca que há uma dimensão de economia política da renda petrolífera a ser discutida. Essa renda, a diferença entre o preço do petróleo e o custo de produção, se ampliou fortemente no Brasil. Costa Pinto aponta que atualmente a renda petrolífera brasileira está acima de US$ 60 (cerca de R$ 325) e há interesses de grandes petroleiras estrangeiras operando para aumentar essa margem.

"Essa disputa, como no caso da PPSA, significa, além de gerar caixa para o governo, eliminar o modelo de partilha. Essa eliminação do modelo de partilha e a manutenção do modelo de concessão tende a aumentar os ganhos das empresas petroleiras na exploração do pré-sal", ressalta o economista.

Para o líder da FUP, Deyvid Bacelar, o objetivo do governo é aumentar a arrecadação, mesmo que isso acarrete perdas em outras áreas importantes no futuro.

"O que o ministro Paulo Guedes quer com a possível privatização da PPSA é arrecadar mais. Não importa se o país vai perder com essa privatização mais à frente, não importa se a indústria nacional vai perder esse importante veículo de estímulo, não importa se os empregos vão ser gerados em outros países. Com certeza tem um viés ideológico", afirma o petroleiro.

Venda da PPSA pode influenciar os preços dos combustíveis?
Nos últimos meses, a tensão em torno dos preços dos combustíveis no Brasil cresceu, e assim como o governo Bolsonaro a indústria brasileira do petróleo está sob pressão. Apesar da gravidade da situação, o pesquisador do Ineep Rodrigo Leão aponta que a venda da PPSA não teria impacto direto sobre esses preços.

"O que eu acho que está por trás do debate da privatização — e aí a PPSA, indiretamente, entra nesse debate — é que há uma percepção do governo de que a privatização pode gerar, vamos dizer assim, um choque de competitividade no setor e conseguiria reduzir preços", aponta.

O especialista avalia que essa é uma leitura equivocada do setor no Brasil. Leão ressalta que o setor brasileiro de petróleo é oligopolizado, com poucas e grandes refinarias que praticamente não concorrem entre si. "Existe uma percepção de que o setor de petróleo é como se fosse o setor de padarias [...]. É uma visão muito míope do setor", afirma, salientando a complexidade desse mercado.

Já para o economista Eduardo Costa Pinto, apesar de não ter impacto direto nas bombas, a privatização da PPSA pode gerar outros custos para o cidadão brasileiro devido ao fim do regime de partilha e ao arrocho imposto ao Fundo Social.

"Como essa venda trazida para o valor presente não tem nenhuma destinação para o Fundo Social, receitas futuras que seriam destinadas para a educação e a saúde não terão mais esse destino [...]. Logo, o cidadão brasileiro será impactado com menores recursos para educação e saúde [sem aquilo] que o pré-sal poderia gerar no futuro", conclui.

Fonte: Jornal do Brasil