A quem interessa a política de privatização de empresas estatais

Sandoval Alves Rocha

Privatizar uma estatal significa vender uma empresa que pertence ao povo brasileiro para uma instituição privada, que pertence a pessoas físicas ou jurídicas. A primeira diferença básica entre uma empresa pública e uma empresa privada está no destino dos lucros. No caso de uma empresa privada, parte do dinheiro enriquece os donos das empresas e outra parte é investida é investida em novos negócios que deverão gerar mais lucros. No caso de uma empresa estatal, os lucros voltam a ser investidos em serviços públicos, em tecnologias e no desenvolvimento do país a logo prazo. Ou seja, com o uso desse dinheiro, de um jeito ou de outro, quem ganha é a população.

A segunda diferença entre elas é em relação ao interesse que guia essas empresas. O lucro obtido pela Petrobrás, por exemplo, permite que o governo invista boa parte destes recursos em saúde e educação. Já o monopólio público na extração do petróleo possibilita que o Estado controle a flutuação dos preços da gasolina e não precise importar combustíveis ou derivados sob preços mais altos. Isso reduz o custo do diesel e afeta no preço da mercadoria que você compra no mercado, por exemplo. Por outro lado, o maior interesse dos acionistas privados é o de enriquecimento. E por isso, muitas vezes, o que pode ser bom para os negócios, nem sempre trás benefícios às pessoas.

O mito da eficiência

Quantas vezes você já passou raiva com a sua empresa de telefonia e internet? Somente em 2018, a Anatel registrou 2,9 milhões de reclamações contra as operadoras telefônicas. Em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso também iniciou um audacioso projeto de privatizações, assim como este de Bolsonaro. Na época, empresas estatais que compunham a Telebrás foram vendidas por 19 bilhões de reais. O valor parece alto, mas naquele ano a Telebrás rendeu mais lucro do que a Coca-Cola. E se continuasse pública é provável que se pelo tanto que usamos o telefone hoje a empresa rendesse muito dinheiro aos cofres públicos.

Outro exemplo, a privatização do setor elétrico, que levou o país à crise do apagão em 2001. É essa venda realizada há anos atrás que faz com que paguemos preços de luz altíssimos, hoje em dia. Mas o caso mais emblemático é o da mineradora Vale do Rio Doce, vendida em 1997. Até então ela era uma das estatais brasileiras mais lucrativas e foi vendida por 3 bilhões e 300 milhões de reais. Praticamente a preço de banana, já que as suas reservas eram calculadas em mais de 100 bilhões de reais. Hoje, a Vale é responsável pelo assassinato de mais de 248 pessoas pelo rompimento da barragem do Feijão, em Brumadinho e por outros 19 mortos pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana. São milhares de pessoas atingidas, além de denúncias por impacto no solo, contaminação de rios, desmatamento e erosão.

Apesar das perdas irreparáveis para a população e para o meio ambiente há quem defensa a venda das estatais por causa de supostos prejuízos financeiros que elas causam aos cofres públicos. Mas pense bem. Você compraria um produto que só fosse te dar prejuízos? Será que as empresas privadas comprariam algum ativo público se não vissem neles uma oportunidade de aumentar as suas taxas de lucro. Em 2016, apenas as estatais federais somavam cerca de 500 bilhões de reais em patrimônio. Somente em 2018, os lucros das empresas públicas, alvos da privatização, como a Eletrobrás e a Petrobrás, cresceram 132%. No ano passado, o valor do lucro das principais empresas federais foi de 74 bilhões de reais. Entre 2002 e 2016, as empresas públicas federais renderam um total de 200 bilhões e 800 milhões de reais aos cofres públicos. Pensando nisso, faz sentido que o setor privado esteja muito interessado em comprar estas estatais.

Engana-se quem pensa que empresa estatal é coisa ultrapassada ou de comunista. A Volksvagen é uma empresa estatal controlada pelo governo alemão. A Peugeot e a Renaut são outras conhecidas como participação do Estado francês. Apesar de dizerem que o Brasil tem estatais demais com 134 empresas estatais nacionais, o número é baixo em comparação a outros países. A China tem cerca de 150 mil empresas públicas. A Alemanha tem 15 mil estatais. Os Estado Unidos têm 7 mil empresas estatais.

Por conta dos altos preços e dos maus serviços prestados a população, muitos países voltaram atrás na privatização de suas empresas. Segundo o Transnational Institute, entre 2000 e 2017, foram quase 900 serviços reestatizados no mundo. Em torno de 83% dos casos mapeados aconteceram de 2009 em diante. Na Alemanha, nas duas últimas décadas, 348 empresas voltaram a ser estatais. Os Estados Unidos reestarizaram 150 empresas que haviam sido privatizadas. Aqui no Brasil, a cidade de Itu, em São Paulo, passou por uma reestatização. Depois de dez anos enfrentando o aumento de tarifas, o sucateamento de equipamentos e grave racionamento de água, o sistema de saneamento básico da cidade voltou a ser público. Pensando nisso, e em todo potencial estratégico que as empresas estatais têm, faz sentido que o Brasil caminhe na contramão do mundo?

Procure entender melhor a política de privatização do atual governo federal e quais os possíveis efeitos para sua vida, caso as empresas sejam privatizadas (Brasil de Fato).

*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.

Fonte: Amazonas atual