Nova Lei do Gás não barateará o gás de cozinha

Por Eric Gil Dantas

Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

Já estamos acostumados a ouvir Paulo Guedes prometer números fantasiosos a fim de “vender” suas reformas – privatizações, reformas trabalhistas e previdenciárias, desindexações orçamentárias na Educação e Saúde e um longo etc. – ao Congresso e à mídia. Agora é a vez das mentiras para vender a Nova Lei do Gás. Com ela Guedes jura que irá diminuir de 20 a 30% o preço do gás de cozinha e outras maravilhas econômicas. Mas isso faz sentido?

 Tratarei com maior profundidade o que é o Projeto de Lei 6.407/2013 (agora no Senado renomeado de PL 4476/2020) em um próximo texto, mas podemos resumi-lo nos seguintes itens: força a socialização das infraestruturas essenciais da cadeia de gás (como os gasodutos de escoamento da produção, as Unidades de Processamento de Gás Natural – UPGN e os terminais de regaseificação); muda o regime de outorga das atividades de transporte e estocagem subterrânea de gás de regime de concessão – atualmente – para regime de autorização; cria um sistema de transporte de gás, passando a contratar a injeção ou a retirada de gás, também gerando um mercado secundário de gás (compra e venda de sobras e déficits de gás); e a proíbe a propriedade cruzada (por exemplo, produzir gás e ter gasodutos, como era o caso da nossa estatal).

Como está em documento da Empresa de Pesquisa Energética[1], as promessas imaginárias do governo – para além da citada no início do texto – são: R$ 20 bilhões em investimentos em gasodutos, R$ 2 bilhões em arrecadações adicionais de royalties anuais e mais de 10 mil empregos diretos e outros 20 mil empregos indiretos. Como ser contrário a um projeto que promete gerar um tsunami de empregos, receitas públicas, investimentos e de barateamento de gás?

As premissas são as de sempre, se privatizar e desregular – enfim, facilitar a vida dos empresários – eles investirão bilhões de reais, gerando todos esses benefícios. Foi assim no Teto de Gastos, quando Meirelles prometeu que o aumento da credibilidade, responsabilidade e previsibilidade dos gastos públicos trariam mais investimentos para o país. Foi assim na Reforma Trabalhista, quando se dizia que diminuindo os custos trabalhistas o país geraria 6 milhões de empregos. Foi assim na Reforma da Previdência, quando o governo projetava 8 milhões de empregos a mais em quatro anos, simplesmente por gastar menos em previdência pública.

No caso atual, o argumento é que as grandes empresas nacionais e estrangeiras não investem em gasodutos porque o sistema de concessões não os incentivam. Mas não só, como a Petrobrás tem grande parte das estruturas de UPGNs, de terminais de regaseificação e (até privatizarem tudo, com as vendas da TAG e NTS) gasodutos (tanto para transporte, quanto para escoamento do pré-sal), outras empresas não querem investir construindo suas próprias estruturas. Até agora só a Petrobrás investia, mas forçando-a a compartilhar toda a sua estrutura com as concorrentes e impedindo que a estatal tenha seus próprios gasodutos de transporte (será proibido por lei a propriedade da NTS e TAG) agora tudo irá deslanchar. Novamente a Petrobrás construiu tudo com investimentos bilionários para ceder aos empresários que não quiserem arriscar.

O Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) tem duas origens distintas, pode vir tanto do refino do petróleo como do processamento do gás natural. Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível 2020, da ANP, o processamento de gás foi responsável pela produção de 3,3 milhões de m³ de GLP, no ano de 2019, enquanto que o refino foi responsável pela produção de 9,8 milhões de m³ de GLP, ou seja, o gás natural é responsável apenas por 25% da produção de GLP do país. Além disto, a composição de preços do GLP, como informa a ANP para julho de 2020, é de 37,2% de preço do produtor do GLP, 3,1% de tributos federais, 14,3% de tributos estaduais, 20,4% de margem bruta de distribuição mais os custos de transporte e 25% da margem bruta de revenda.

Sendo assim, como uma mudança no mercado que é responsável apenas por um quarto da produção de GLP, produção esta responsável apenas por pouco mais de um terço do preço final da mercadoria, vai dar um “choque de energia barata”? Nem se o gás de cozinha passasse a ser produzido “de graça” chegaríamos ao preço mágico do ministro da Economia.

Mesmo instituições afinadas com este PL admitem que as projeções não são reais. Em seu documento “A aprovação PL do gás, mas… qual gás?”, a FGV Energia afirma que: “Para que haja redução do preço do GLP produzido nas UPGNs é necessário que ele seja mais competitivo do que o produto importado, acrescido dos custos logísticos, que serve hoje de referência para aquele produzido e comercializado no país. Ainda que isso possa vir a ocorrer, parte desta redução poderá ser absorvida pela cadeia de produção, distribuição e revenda, na composição de maiores margens é difícil de se afirmar se haverá ou não uma redução dos preços do botijão de gás em virtude da, ainda virtual, oferta crescente de gás natural no país”. Ou seja, mesmo aceitando as premissas de “choque de oferta” de Guedes (o que é bastante questionável), a FGV Energia duvida que isto se reverterá nesta queda de preços. Em entrevista ao canal do YouTube TC[2], Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), também admite que estes números não condizem com a realidade, assim como Zevi Kann, consultor da ZENERGAS[3], outro defensor do projeto.

Isto porque nenhum deles levantou o fato de que a nova política de preços da Petrobrás simplesmente impede que o GLP vá ser vendido por um preço menor do que o definido por sua própria metodologia (considerando o mercado internacional).

Para discutirmos com seriedade o projeto, primeiramente temos que alertar à população as mentiras que estão em seu entorno, pois a máquina de Fake News do Ministério da Economia também funciona a nível industrial. Depois, e terei como objetivo em um próximo artigo, é preciso mostrar quais são os impactos desta nova lei para a Petrobrás, empresa que garantiu a existência de grande parte da estrutura do gás natural no país até aqui – pois os privatistas não dão ponto sem nó.

[1] https://www.epe.gov.br/sites-pt/sala-de-imprensa/noticias/Documents/EPE_FactSheet_NovaLeidoGas_MME.pdf

[2] https://www.youtube.com/watch?v=5KALarZ3JIE&list=WL&index=29

[3] https://www.youtube.com/watch?v=d0OpUVja9q0