Pode uma representante eleita pelos trabalhadores não representar os trabalhadores?

Conselho de Administração

Por Anderson Mancuso, petroleiro de base em Santos e militante LGBT

A representante dos empregados no Conselho de Administração da Petrobrás esteve na RPBC e no prédio do Valongo em Santos (Edisa) para conversar com os trabalhadores nos dias 3 e 4 de novembro, respectivamente. O evento foi organizado pela Petrobrás e os convites foram enviados aos trabalhadores via notes no mesmo dia, poucas horas antes do evento. Vale destacar que no Edisa o evento contou com um esquema especial de segurança (conforme consta na foto) e contou com forte incentivo dos gerentes para que os trabalhadores participassem. Não foi à toa que o auditório principal estava lotado e suas primeiras fileiras repletas de gerentes e coordenadores.

A conversa com a representante dos empregados mais parecia uma defesa gerencial do último plano de negócios e gestão da empresa de tamanho alinhamento e similaridade com a política de desinvestimento defendida pela alta direção. A representante iniciou a conversa com os trabalhadores do Edisa dizendo que no dia anterior esteve na RPBC, onde ocorreu uma ótima conversa com os trabalhadores da área operacional. Ela lembrou que sua candidatura foi motivada principalmente pela indignação frente à corrupção estampada com a operação Lava Jato e disse ainda que foi com surpresa que recebeu a notícia da sua ida para o segundo turno e de sua vitória, uma vez que ela não detinha apoio de nenhuma das entidades sindicais. Mas claro que ela não falou que detinha um amplo e escancarado apoio do corpo gerencial que utilizou de todas suas ferramentas (emails, influências sociais, hierárquicas e gerenciais) para apoiar sua campanha. Ela finalizou sua introdução alegando que, devido a sua obrigatoriedade em seguir leis de sigilo e termos de confidencialidade, muitos assuntos e questões cobrados pelos trabalhadores em certos fóruns ela, em muitos momentos, não podia desenvolver sobre os assuntos objetos de discussão pelo Conselho. A partir daí foi aberta às perguntas e a representante informou que gostaria de ouvir a posição dos trabalhadores sobre o bloqueio dos pendrives e emails. Mas as perguntas dos trabalhadores avançaram para muitos outros pontos como retaliação ao movimento sindical, privatização, energias renováveis, funcionamento do CA, terceirização, contratos e acordo coletivo.

Betânia Rodrigues respondeu enfaticamente a certas perguntas, tergiversando em outras, mas foi enfática na defesa dos desinvestimentos por conta da atual situação financeira da empresa. Apesar de inicialmente ter justificado certas dificuldades de cumprir sua tarefa de representante por conta de ser “sozinha” e “presa" à leis de sigilo e termos de confidencialidade, esta conversa mostrou uma representante melhor preparada e assessorada pelo corpo de gestores da Petrobrás, se diferenciando da Betânia da época de sua candidatura, que apresentava uma posição não muito nítida e um projeto difuso sobre Petrobrás, apesar do seu perfil político individual ter sido evidenciado quando o seu perfil nas redes sociais foi conhecido antes de ser apagado. Como ela mostrara inicialmente em sua candidatura, a representante continua alheia às entidades sindicais e associações dos trabalhadores, e muito e melhor afinada com o discurso gerencial da empresa.

As repostas de Betânia às perguntas dos trabalhadores são reveladoras, por isso vale a pena revisitar algumas delas. Uma trabalhadora do Edisa perguntou de onde ela obtém informações e dados para se preparar para as reuniões do CA e a representante respondeu que além do material que é disponibilizado pelo Comitê de Assessoramento do próprio CA, ela busca informações extras junto aos gerentes da empresa, e ainda respondeu a outra pergunta dizendo que desconhecia as ações promovidas pela AEPET. Quando foi questionada sobre a sua posição frente aos desinvestimentos e parcerias, ela foi firme em defendê-las e enfatizou a importância das parcerias, complementando que quando existe parceria, a Petrobrás trabalha melhor. Ela exemplificou o sucesso que foi a parceria que ela mesma acompanhou no Campo de Frade (Bacia de Campos). Quando foi interrompida por um trabalhador do Edisa que questionou se o acidente ocorrido no mesmo campo (por economia da Chevron) era um exemplo de sucesso, Betânia tergiversou e disse que não acompanhou a parceria na época do acidente. Outro trabalhador polemizou o fato da empresa vender participações e desmobilizar ativos nas áreas envolvendo outras fontes de energia como biodiesel e álcool; ela respondeu que apesar de considerar a atuação nessas áreas importante, disse que o momento pode exigir certas mudanças e defende que o estudo sobre as energias renováveis permaneça de forma embrionária no Cenpes. Sobre o bloqueio dos pendrives e emails, a representante se mostrou contra a metodologia adotada pela empresa. Muitos trabalhadores sugeriram soluções alternativas daquela divulgada pela empresa na calada da noite. Uma trabalhadora comentou que a decisão tomada parte de um setor que parece não conhecer o dia-a-dia dos trabalhadores. Sobre este assunto Betânia falou a seguinte frase: “Não tenham dúvida que vocês estão sendo monitorados, advertências e demissões já vem ocorrendo”. Sobre a venda do bloco no campo de Carcará ela disse que votou a favor, mas que depois conversando com alguns técnicos da empresa ela ficou com a sensação que talvez pudesse ter se posicionado de outra forma. Em seguida disse que se o CA aprova ações que são boas para a empresa, consequentemente são boas para os trabalhadores.

Sobre questões envolvendo a demanda dos trabalhadores, ela informou que ela não pode participar nem votar nesses pontos no CA por conflito de interesses e que um dos Comitês internos do Conselho que ela não pode fazer parte é o Comitê de Remuneração e Sucessão. Mas sobre o Acordo Coletivo deste ano disse que a segunda proposta da empresa melhorou e que confia na negociação entre o RH e as entidades sindicais. Mais uma vez, a representante reproduz o discurso da empresa que repete exaustivamente em seus emails enviados aos trabalhadores que a mesa de negociação é o melhor caminho para chegar ao melhor acordo. Apesar de ainda ter alguns trabalhadores inscritos para fazer perguntas, a representante solicitou que a conversa se encerrasse na pergunta que ela considerou uma "boa deixa" para finalizar a conversa que era se o CA tinha um funcionamento vivo. Ela respondeu que sim, traçou o perfil dos conselheiros e os elogiou dizendo que eles não estão lá por dinheiro e sim por amor à Petrobrás, como se petroleiros fossem.

Esta conversa com a representante eleita no CA deve servir para reflexão de todos os trabalhadores, não só para aqueles que nela votaram, mas também para aqueles que não participaram do pleito. Esta conversa reforça que Betânia Rodrigues terá o seu papel reservado na história dos petroleiros escrita com muito suor e sangue não como a primeira mulher a ocupar a representação no CA, mas sim como uma representante que opera mais como um braço da empresa neste espaço do que defender a demanda real dos trabalhadores e a nossa soberania nacional, uma vez que defender desinvestimentos é defender desemprego e a privatização da nossa empresa.

Pode uma representante eleita pelos trabalhadores não representar os trabalhadores? Faz parte do processo democrático? Isso ocorre somente numa democracia frágil e facilmente sequestrada por aqueles que ditam as regras do jogo. Até quando deixaremos que a privatização e o desmantelamento da Petrobrás se aprofunde debaixo dos nossos olhos?