Tofolli e novo chefe da AGU atuam em parceria para aprofundar desmonte da Petrobrás

Bolsonaro manda, eles obedecem

No dia 12 de janeiro a grande imprensa anunciou que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, derrubou uma decisão de Marco Aurélio que suspendia o decreto nº 9.355/2018 do ex-presidente Temer. Este decreto, inconstitucional, foi feito sob encomenda para liberar a venda de ativos e de campos de petróleo da Petrobrás sem licitação.

Quatro dias depois, em 16 de janeiro, a Advocacia Geral da União (AGU) - agora chefiada por André Luiz de Almeida Mendonça – comemorava em seu site o fato de ter derrubado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a decisão liminar que impedia a Petrobrás de vender 90% da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), subsidiária da estatal que opera gasodutos. A negociação havia sido barrada pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), após ação popular conduzida pela advogada da FNP e Sindipetro-AL/SE, Raquel Sousa.  

Se apoiando no parecer da AGU usado na ação junto ao STJ, a Petrobrás aproveitou a oportunidade para retomar o processo de venda de outros ativos, como as refinarias, ignorando a validade da liminar expedida pelo ministro Ricardo Lewandowski. A proibição da venda de ações das estatais sem aval do Congresso Nacional, publicada em julho de 2018, segue vigente. Mas exercendo interpretação alheia, o corpo jurídico da companhia considerou que o parecer da AGU lhe libera de cumprir a decisão tomada por um ministro do STF.

O escândalo que representa as duas decisões está, principalmente, no fato de que nenhuma se sustenta em fundamentos técnicos e/ou jurídicos, mas sim em razões supostamente políticas e econômicas. Isso reforça a extrema partidarização que toma conta de amplos setores do Judiciário, expressando uma sistemática e perigosa violação do estado democrático de direito.

Não é segredo para ninguém que Jair Bolsonaro deu diversas declarações, antes mesmo de assumir a presidência, de que pretendia avançar no processo de venda de partes da Petrobrás. Castello Branco, novo presidente da companhia indicado por Bolsonaro, também escreveu no passado recente, na Folha de S. Paulo, artigo defendendo a privatização completa da companhia. E assumiu o comando da empresa defendendo a venda de ativos.

Como denominador comum, a justificativa para o desmonte da empresa está na suposta necessidade de recuperar o caixa da companhia, estimular a economia do país e gerar emprego através da abertura do mercado a novos concorrentes. A mesma argumentação foi usada por Tofolli e pelo novo chefe da AGU para derrubar as decisões de Marco Aurélio e do TRF5. Está claro que a sintonia narrativa não é mera coincidência, assim como está clara a gravidade da situação. Nem Tofolli e nem Mendonça deveriam atuar como extensões do governo.

Em entrevista para a revista Carta Capital, a advogada da FNP, Raquel Sousa, e o advogado Carlos Cleto comentaram a decisão de Tofolli. “É a primeira vez na história do Supremo Tribunal Federal que razões de mera conveniência são invocadas para preterir a aplicação de uma Lei Federal. E os “argumentos” são que ela atrapalha a Petrobrás. O ministro não menciona a Constituição Federal em sua decisão, apenas cita argumentos invocados pela companhia. E são aceitos por ele de maneira completamente acrítica”.

Raquel e Cleto destacam o trecho em que Toffoli afirma que “a complexidade e o vulto da operação financeira para manifestação dessa preferência por parte da Petrobras demandam a formação de parcerias com outros agentes econômicos que atuam no setor, o que não seria possível no âmbito da Lei nº 13.303/2016”.

Curiosamente, a lei que Toffoli julga impossível cumprir é a que contêm regras de licitação essenciais para o combate à corrupção em negociações que envolvem patrimônio público. “Não existem “razões de Estado” que possam preterir a aplicação da Lei. Mas, pelo visto o ministro pensa diferente”, disseram Raquel e Cleto.

No caso da AGU também salta aos olhos o destaque dado às razões supostamente econômicas para o seu pedido. Na nota oficial, é ressaltado que “a AGU alertou que decisões semelhantes à do TRF5 prejudicam não somente a companhia, mas afetam a economia pública brasileira, comprometendo em especial: a geração de empregos, a arrecadação de royalties e participações governamentais, e de tributos decorrentes e a balança comercial brasileira, além de majorar o risco de ter a União de realizar aporte financeiro, comprometendo, ainda mais, o orçamento público federal”.

Neste caso, Raquel também faz duras críticas. “É um absurdo o ministro do STJ, João Otávio de Noronha, ter concedido essa liminar. Em primeiro lugar, porque a decisão envolvendo o processo da TAG é de cunho eminentemente constitucional. Isso significa que não caberia recurso ao STJ, mas sim ao STF. É grave também a postura da direção da Petrobrás, que ignorou a decisão de Lewandowski. Ela, que no ano passado suspendeu a venda de ativos justamente por conta dessa decisão, hoje promove um ato de desobediência ao virar as costas para uma decisão que não foi cassada por ninguém”.

Ontem a serviço de Temer, hoje a serviço de Bolsonaro
No ano passado, a AGU – então chefiada por uma indicada de Temer, Graça Mendonça – já havia sido acusada de emitir parecer de cunho meramente político, favorecendo a bancada ruralista do Congresso. No caso, a denúncia partiu de movimentos sociais dedicados à causa indígena.  

O parecer vinculante nº 001/2017, editado em julho, estabeleceu que só podem ser demarcadas as terras que estivessem sob posse das comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988. Para entidades ligadas ao movimento indígena, isso “legalizou e legitimou o esbulho, a violência e as violações de que os povos indígenas foram vítimas antes de 1988”. Mendonça rebateu as críticas, e afirmou que o parecer visa "conferir segurança jurídica”, mesma justificativa adotada quando o órgão deu parecer favorável a um decreto de Temer sobre os portos que era suspeito de corrupção.

Cabe dizer também que dias antes da publicação deste parecer um dos membros da bancada ruralista, o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP/RS), já havia adiantado a decisão, relatando as várias reuniões com a própria AGU. Este caso não é muito diferente do que ocorreu com a decisão de Tofolli sobre a Petrobrás. O ministro, estranhamente, divulgou sua decisão à imprensa antes mesmo de publicá-la nos autos.

Parceria antiga... e nociva
Tofolli e Mendonça são velhos conhecidos. Foi pelas mãos do atual presidente do STF que o novo chefe da AGU passou a dirigir, em 2008, o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa. Em novembro de 2018, Tofolli recebeu seu pupilo para lhe parabenizar pelo novo cargo. "Eu o cumprimento e parabenizo. É um excelente advogado da União de carreira. Desejo a ele toda a sorte e sucesso à frente da AGU", disse em entrevista à Conjur.

Se nos parece estranho Tofolli bravejar contra a corrupção, mas desprezar uma lei federal e fechar os olhos para negociações irregulares envolvendo ativos bilionários da Petrobrás, não menos estranha é a situação do novo chefe da AGU. Em entrevista ao Estadão, Mendonça classificou como “a luta da minha vida” o combate à corrupção e também afirmou que “certamente terei apoio do Bolsonaro, que já deu muitos sinais nesse sentido”.

Como é de conhecimento público, o escândalo envolvendo a família Bolsonaro e o motorista Queiroz parece apontar o caminho contrário. A investigação do caso foi convenientemente suspensa pelo ministro do STF, Luiz Fux, a pedido de Flávio Bolsonaro, que quer gozar do foro privilegiado. E Sérgio Moro, considerado por muitos o exemplo de combate à corrupção, quando questionado simplesmente desconversou sobre o tema.

Pelo visto, Romero Jucá e sua frase “com o supremo, com tudo” seguem mais atuais do que nunca.