Terceirizadas dão calotes, Petrobrás lava as mãos e mais: quer excluir garantias do ACT

Desde que a direção da Petrobrás elegeu como prioridade uma radical redução de custos para atender ao projeto privatista de Bolsonaro, os mais de 100 mil terceirizados da companhia vêm sofrendo as mais graves consequências desta política. Diariamente, são submetidos aos mais variados tipos de abuso e humilhação, como ocorre neste momento na RPBC, em Cubatão.

Em negociação com as federações de petroleiros, na última terça-feira (2), no Rio de Janeiro, os representantes da alta cúpula da companhia apresentaram a sua ‘solução’ para as irregularidades cometidas pelas terceirizadas: excluir do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) toda e qualquer cláusula que tenha por objetivo preservar, minimamente, os direitos dos terceirizados.  Ou seja, a gestão de Roberto Castello Branco propõe lavar as mãos e entregar milhares de trabalhadores à própria sorte.

Isso significa, por exemplo, que a cláusula 101 do atual ACT seria extinta. Nela, “a companhia compromete-se em exigir das empresas contratadas para prestação de serviços comprovante de caução, pagamento de seguro-garantia, fiança bancária ou outra garantia suficiente e adequada, para cobertura de verbas trabalhistas e rescisórias, no prazo de 10 dias contados da data de assinatura do contrato, em percentual equivalente até 5% do seu valor global ou da parcela de mão de obra referente ao serviço prestado, com validade de 60 dias após o termino da vigência do contrato”.

Outra obrigação que não constaria mais no ACT é de que os petroleiros próprios fiscalizem a execução dos contratos. Uma mudança nesse sentido fragilizaria toda e qualquer política de combate à corrupção e acidentes de trabalho, pois daria enorme liberdade para os gestores dessas empresas atuarem como bem entendem dentro da Petrobrás.

Fábio Mello, diretor do Sindipetro-LP que atua no combate aos calotes e redução salarial de terceirizados, denuncia que a gestão da Petrobrás vem contratando empresas aventureiras. “Elas ganham as licitações e depois sem estrutura ou patrimônio para assumir os compromissos abandonam os empregados sem direito nem mesmo aos dias trabalhados. E a Petrobrás tem responsabilidade nisso, pois o percentual atual no acordo coletivo, que é de 5 % do valor global, não é suficiente para garantir nem os dias trabalhados, quiçá as verbas rescisórias. E como proposta, em vez de aumentar esse percentual, ela sugere um retrocesso ainda maior, a exclusão desta cláusula. É um absurdo”.  

Fábio Mello durante negociação com representantes da Petrobrás


Em mesa, os sindipetros apresentaram propostas concretas. “Nossa companhia deve exigir nos processos licitatórios um depósito calção das prestadoras de serviço com valor suficiente para garantir o pagamento de, no mínimo, os dias trabalhados. Se isso é feito em contratos de locação de imóvel, por que não é feito na Petrobrás para que a força de trabalho não trabalhe de graça?”, questiona Mello.

Outro ponto criticado é o atual método de contratação, que é por serviço executado, pouco importando quantos trabalhadores as empresas irão contratar. Este modelo deixa as terceirizadas à vontade para cometer abusos. Por um lado, permite às contratadas elevar a margem de lucro ao empregar o menor número possível de trabalhadores. E, por outro, quando a mão de obra é compatível com o serviço contratado o que se verifica é um potencial calote. “Nesses casos, há maior divisão de tarefas, com o serviço sendo entregue mais rápido. Mas aí entra a maldade: as empresas recebem praticamente todas as faturas da Petrobrás e depois não pagam os funcionários, que terão de esperar muitas vezes por anos uma intervenção da Justiça”.

Sem constrangimentos, o recado da Petrobrás com a atual postura é de que enquanto for lucrativo contratar esses serviços pelo menor custo possível, pouco importa o que esses empresários farão com a força de trabalho. E se antes a crítica era sobre sua postura muitas vezes negligente e passiva, ela passa a ser ainda pior, pois agora atua ativamente pela precarização das condições de trabalho dos terceirizados.

Trata-se de uma completa desumanização das relações de trabalho, na qual os assalariados passam a ser reduzidos à função de “máquinas” úteis à produção e lucratividade. Aliás, essa é a mesma lógica adotada pelas grandes marcas de roupas, que volta e meia se ‘surpreendem’ com a revelação de trabalho escravo nas empresas responsáveis por terceirizar e, muitas vezes, quarteirizar a produção de vestuários. A Petrobrás, alertada reiteradas vezes pelos sindicatos para o que vem ocorrendo dentro de suas unidades, não poderá usar a mesma desculpa esfarrapada.

Um projeto de governo
A postura da direção da companhia é escandalosa e ultrajante. Mas não surpreende. Na realidade, é coerente com a política de Jair Bolsonaro. Devemos lembrar, por exemplo, que ele já disse que os assalariados devem escolher entre “menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego”. Não devemos nos esquecer também da enorme solidariedade demonstrada com os grandes empresários. Para ele, “'hoje em dia é muito difícil ser patrão no Brasil'.

Tais declarações, feitas durante a campanha eleitoral, se transformaram em programa de governo. Paulo Guedes, superministro da Economia, já apresentou o projeto da carteira de trabalho verde e amarela, que teria como função justamente formalizar a retirada de direitos, legalizando a barbárie que vivemos hoje.

Para os terceirizados da Petrobrás esta política já é uma realidade. A maioria sente na pele a extinção de benefícios e direitos, como plano de saúde, redução salarial de até 50%, e piora do ambiente laboral, com aumento da carga de trabalho, assédio moral e chantagens de todo tipo. Num país de 13 milhões de desempregos, chefes e patrões têm na ponta da língua a famosa e perversa ameaça: “Não quer? Tem quem queira”.

Outros, que não tiveram a mesma ‘sorte’, compõem um enorme batalhão que já supera facilmente os mais de 200 mil trabalhadores desempregados que, do lado de fora dos portões da Petrobrás, aguardam uma oportunidade para voltar. Nem que seja em contratos de curta duração, como são as paradas de manutenção e outros empreendimentos que geram postos temporários. O que não se imaginava era, em pleno século 21, trabalhar de graça.

Se o projeto de privatização da companhia avançar, teremos mais cortes de direitos e demissões em massa. E os ataques não irão cessar sem resistência, pois o que está em curso é um projeto radical de recolonização do país. O objetivo está posto: entregar todas as nossas riquezas ao estrangeiro.

Por isso, recai sobre nós a responsabilidade de erguer uma trincheira em defesa de nossos direitos e de uma Petrobrás a serviço do seu maior acionista: o povo brasileiro, produzindo combustíveis a preços sociais. Afinal, foi com este objetivo que ela foi criada após um dos maiores levantes populares do Brasil. Só a construção de uma greve nacional e unificada, de todos os trabalhadores do Sistema Petrobrás, pode reverter o brutal ataque que o governo desfere sobre nós e nossa companhia.