O que o resultado do leilão da cessão onerosa nos diz?

Maior leilão de petróleo

Por Eric Gil Dantas[1], pelo IBEPS

Ontem ocorreu o maior leilão da história da indústria mundial do petróleo, o do excedente da cessão onerosa na área do pré-sal, leilão o qual se esperava receber R$ 106 bilhões por seus arremates. A surpresa ficou por conta da arrecadação muito aquém da projetada pelo governo, ou, em números, uma arrecadação 34% menor do que o garganteado por Guedes e cia. há uma semana. Depois das grandes petrolíferas mundiais praticamente desistirem de competir pela área, apenas dois dos quatro campos foram arrematados. Além disto, 90,2% da arrecadação veio exclusivamente da nossa própria estatal. Mas segundo Bolsonaro, em declaração feita ontem mesmo, não houve nenhuma frustação neste leilão. Será?

Primeiramente é preciso ter em mente quais são os objetivos deste governo com a Petrobrás e com o pré-sal. Desde o governo Temer, com a direção de Pedro Parente, a Petrobrás tem como objetivo – ao menos declarado – sair de outras áreas (exploração em áreas rasas e profundas, refino, transporte e distribuição) e focar especificamente na exploração do pré-sal. Parte da estratégia de “focar” no pré-sal, nós sabemos que é desculpa para privatizar a estatal de forma fatiada (BR Distribuidora, TAG e NTS são exemplos disto), já que ainda há uma grande rejeição popular, segundo pesquisas de opinião, para a privatização da Petrobrás (65% da população é contra, enquanto que 27% é a favor, segundo último Datafolha sobre o tema). Há uma relação contraditória aí: se o plano da Petrobrás seria focar no pré-sal, seria uma vitória para o governo e a direção da empresa o resultado do leilão de ontem, afinal de contas a Petrobrás angariou as áreas que ela já havia manifestado interesse, áreas em que a estatal já atuava na exploração de óleo e gás. No entanto, sabemos que a real intenção do governo é que a Petrobrás tenha cada vez menos participação neste mercado. Mas arrematando as áreas de Búzios (a maior área em mar de petróleo do mundo) e Itapu, a Petrobrás voltará a ganhar market share na exploração, o que claramente contraria a orientação de Paulo Guedes e Roberto Castello Branco. Ou seja, pensando em intenções reais, foi ruim para eles, e foi bom para nós que defendemos a grandeza da Petrobrás.

Segundo, mas o que o governo quer com o pré-sal? Creio que são dois os objetivos: (i) utilizar a maior descoberta de petróleo das últimas décadas para atrair empresas estrangeiras para o país; e (ii) financiar a compra de deputados, governadores e prefeitos para o programa neoliberal de Guedes.

Em relação ao primeiro ponto, este leilão especificamente foi um fracasso. Das 14 empresas que se inscreveram, apenas 7 apareceram no leilão e somente a Petrobrás juntamente com as duas chinesas se manifestaram. Já na semana passada, BP e Shell anunciaram que – mesmo credenciadas para o leilão – não iriam aparecer no evento. Segundo analistas do mercado, os principais entraves à participação efetiva das petrolíferas estrangeiras nos arremates foram: (i) valores de bônus acima do que eles gostariam de pagar pelos campos do pré-sal; e (ii) indefinição do valor que deveria ser pago a título de indenização aos investimentos já feitos nesta área pela nossa estatal. À isto, poderíamos acrescentar as incertezas técnicas sobre como ocorreria as divisões deste campo, que já é explorado pela Petrobrás.

Nisto, Bolsonaro e Guedes perderam. Os reais motivos que levaram as estrangeiras a não participarem efetivamente do leilão ainda não são totalmente conhecidos, mas podemos concluir que elas não estão dispostas a fazerem investimentos tão grandes para explorarem o pré-sal. Nenhuma surpresa até aqui, afinal de contas, na economia brasileira quem arca com grandes investimentos produtivos e tecnológicos são as empresas estatais e o Estado, e não as empresas privadas – vide os investimentos para a descoberta do próprio pré-sal. A partir disto, o próximo plano do governo será rebaixar os valores exigidos pela área do pré-sal, para alinhar à vontade das estrangeiras?

Já em relação ao dinheiro do pré-sal para comprar apoio político, digamos que o governo teve uma vitória parcial. Como foi noticiado nas últimas semanas, Bolsonaro e Guedes transformaram o dinheiro do pré-sal em um grande fundo para comprar apoio político no Congresso e nos estados e municípios. Prometido a deputados e senadores (em dinheiro para emendas parlamentares) para aprovarem a Reforma da Previdência lá trás e para apoiarem as próximas reformas mais a frente, e a governadores e prefeitos (a partir do “pacto federativo”) para apoiarem reformas locais (como a privatização do mercado de gás a nível estadual ou mesmo adesão à reforma da Previdência nacional), o dinheiro virá – mas só 2/3 do combinado. Ou seja, haverá dinheiro para: (i) aliviar as contas da União; (ii) garantir emendas parlamentares; e (iii) dividir com estados e municípios. No entanto, criou-se um clima de frustração, pois o governo prometeu mais do que pôde dar a estes outros atores. Pensando em termos de cálculo político, isto foi ruim para a articulação do governo. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), tentou, inclusive, amenizar esta derrota do governo, dizendo que o dinheiro virá no próximo ano, quando haverá novos leilões para as áreas não arrematadas.

Em síntese, o leilão da cessão onerosa foi muito aquém do que o governo esperava. Não só frustou o governo em termos fiscais, como também em termos de privatização e desnacionalização do mercado brasileiro de petróleo – por que as petrolíferas estrangeiras não quiseram estes campos do pré-sal? O governo conseguirá, com o dinheiro retirado dos cofres da Petrobrás, a partir do pagamento do bônus, garantir apoio político de parlamentares, governadores e prefeitos, mas prometeu mais do que pôde entregar – isto atrapalhará a articulação política?

Além disto, este leilão mostra mais uma vez que o país não pode esperar por empresas privadas e estrangeiras para explorar a maior descoberta de riqueza da história econômica do país, o pré-sal. Assim como Dilma não conseguiu, a partir de isenções bilionárias (como as isenções do IPI e da folha de pagamento), fazer com que empresários investissem e assim diminuíssem os efeitos da crise econômica, não podemos depender de outras empresas (privadas e estrangeiras) para, a partir do pré-sal, voltar a gerar emprego e renda para o povo brasileiro. Somente uma Petrobrás estatal e voltada para o desenvolvimento nacional terá o compromisso que nós precisamos para, a partir desta oportunidade, dar a volta por cima e, aí sim, superar esta grande crise econômica.

[1] Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS), é doutor em Ciência Política.