Brasil perde a oportunidade de construir plataformas com conteúdo local

FPSOs made in China

Com desemprego nas alturas e estaleiros vazios, Brasil perde a oportunidade de construir plataformas com conteúdo local.

O Brasil é um dos maiores mercados do mundo de FPSOs, modelo de unidade de produção de óleo e gás offshore capaz de armazenar e realizar operações de transbordo.

Hoje, no país, há 21 navios-plataforma em operação, dos quais 15 a serviço da Petrobrás. Nos próximos anos, a estatal brasileira receberá uma série de novos FPSOs, sendo que sete estão em construção: Guanabara e Sepetiba, para os campos de Mero 1 e 2, respectivamente, e Carioca (Sépia), Anita Garibaldi (Marlim 1), Anna Nery (Marlim 2), Almirante Barroso (Búzios 5) e P-71, cujo destino ainda está incerto.

Além disso, a Petrobrás promove licitações para afretar os FPSOs de Itapu, de Mero 4 e do Projeto Integrado de Parque das Baleias, enquanto negocia com a malaia Misc Berhard e a holandesa SBM as contratações dos FPSOs de Mero 3 e daquele que virá a ser o maior FPSO do mundo, com capacidade para produzir 225 mil b/d de petróleo: o Almirante Tamandaré, que será instalado no campo de Búzios.

Maior projeto offshore da Petrobrás, concentrando 35% do capex de pelo menos R$ 50 bilhões previsto pela petroleira para o período entre 2021 e 2025, o ativo no pré-sal da bacia de Santos ainda receberá ao menos seis outros FPSOs: P-78 e P-79, que são objeto de uma concorrência em curso, e os de Búzios 9, 10, 11 e 12, ainda a serem licitados.

Inicialmente projetados para extrair 225 mil b/d de óleo, os quatro últimos navios-plataforma farão parte da quarta etapa de desenvolvimento do pré-sal. Segundo a ficha de caracterização da atividade submetida ao órgão ambiental este ano, outros nove FPSOs serão demandados para desenvolver os campos de Sururu Central, Sépia 2, Mero FR, Uirapuru, Três Marias, Sagitário, Aram e Revitalização de Lula 1.

Afora a brasileira, petroleiras privadas como a Equinor e a Shell contratarão novas unidades de produção offshore para projetos no Brasil. A norueguesa já assinou contrato com a Modec para construção e afretamento do FPSO de 220 mil b/d que produzirá no campo de Bacalhau, enquanto a anglo-holandesa prepara a contratação do FPSO de Gato do Mato – ambos empreendimentos no pré-sal de Santos.

A participação de estaleiros brasileiros tem, no entanto, se limitado à produção de uma parte reduzida dos módulos dos novos FPSOs e, com rara frequência, à integração do topside das unidades (instalação dos módulos sobre o casco) – caso da P-71, último da série de unidades próprias replicantes que passa por obras de integração no Estaleiro Jurong Aracruz (ES), após ter seu casco convertido na China.

Apenas dois estaleiros no país fecharam contratos para fabricar módulos das plataformas afretadas em construção: o Estaleiros do Brasil (EBR), em São José do Norte (RS), e o Brasfels, do grupo KeppelFels, em Angra dos Reis (RJ). Depois de fabricados, esses equipamentos serão enviados a estaleiros asiáticos, principalmente chineses, para serem instalados nos novos FPSOs.

E as perspectivas não são alvissareiras. Até julho, cerca de 250 blocos exploratórios e 85 campos de produção já tiveram aditamentos de conteúdo local formalizados pelas operadoras junto à ANP(1). Isso significa que os navios-plataforma destinados a esses projetos (leiloados até a 13ª rodada de concessões) já poderão gozar da flexibilização de conteúdo local aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 2017 para empreendimentos contratados a partir da 14ª rodada, sendo construídos com índice mínimo de nacionalização de 40%, conforme previsto pela Resolução ANP 726, de 2018. Antes disso, um ato normativo exigia a produção nacional de 65% a 80% dos equipamentos dos navios e plataformas fossem fabricados no país.

Além de desarticular as cadeias produtivas intensivas em tecnologias e ameaçar os clusters nacionais pioneiros em tecnologias do setor em petróleo e gás, as novas regras de conteúdo local induzem a importação de máquinas, equipamentos, e tecnologia para o atendimento da demanda, e, por conseguinte, torna ainda mais caótica a situação de desemprego no país” alertou, em agosto de 2018, a pesquisadora do Ineep Paola Azevedo. 

Ainda assim, nem mesmo os atuais 40% de nacionalização de plataformas têm garantia de serem cumpridos, uma vez que, entre as operadoras, há a percepção de que vale mais a pena pagar multas pelo não cumprimento de conteúdo local do que arcar com o “Custo Brasil” em sua fabricação. 

É possível que isso ocorra, por exemplo, no FPSO de Mero 3. Segundo reportagem publicada pelo portal PetróleoHoje, da Editora Brasil Energia, na fase de negociações para afretamento da unidade, a Petrobrás teria permitido à Misc abrir mão do conteúdo local no FPSO para baixar o preço final do contrato.

“A perspectiva é que o cenário se manterá dessa forma se não houver uma cobrança e fiscalização maior das autoridades” disse um executivo da área de construção naval e offshore ao Ineep.

Enquanto isso, a indústria de construção naval e offshore no Brasil agoniza. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), dos 42 estaleiros nacionais que estavam em operação em dezembro de 2014, 20 fecharam e apenas 15 estavam em operação em abril deste ano. Os postos de trabalho despencaram 82%, de 84 mil empregos diretos para 15 mil.

Somente no Rio de Janeiro, encerraram as operações de construção naval e offshore nos últimos anos os estaleiros Vard, SBM, Mauá, Aliança e Eisa. Em Pernambuco, o Vard Promar e o Atlântico Sul lutam para conseguir novas encomendas. Na Bahia, o Enseada do Paraguaçu, a exemplo de alguns de seus pares, foca na atividade de movimentação portuária, enquanto, no Rio Grande do Sul, o Ecovix tenta se reerguer após anos sem poder fechar novos contratos com empresas públicas por irregularidades desveladas pela Operação Lava Jato.

Todos esses estaleiros fizeram parte do movimento de retomada da indústria naval brasileira na primeira década deste século, puxada sobretudo pelas encomendas da Petrobras, sob o colchão da política de conteúdo local. Nesse período estaleiros brasileiros – alguns deles construídos para isto – receberam grandes encomendas da Petrobras, como os FPSOs replicantes (P-66 a P-73) e da cessão onerosa (P-74 a P-77), cerca de 120 embarcações pelo programa de renovação de sua frota de apoio marítimo (Prorefam), além de aproximadamente 50 petroleiros e gaseiros pelo programa de modernização e expansão da frota da Transpetro (Promef).

A experiência ficou, no entanto, marcada por dificuldades técnicas, atrasos na entrega de plataformas, exigências de nacionalização muitas vezes descoladas da realidade e os escândalos de corrupção nas contratações da Petrobras junto a epecistas e estaleiros brasileiros. O resultado foi a transferência de boa parte das obras a estaleiros asiáticos e uma quebradeira geral na engenharia brasileira que acabou contribuindo para o aumento do desemprego no país. Os problemas experimentados durante a última curva de aprendizagem não deveriam, contudo, justificar o desmonte da política de conteúdo local voltada a uma indústria com enorme potencial de empregabilidade e de fomento à inovação tecnológica e à engenharia nacional.

O Brasil tem pela frente a chance de utilizar suas reservas petrolíferas como âncora de um modelo de desenvolvimento industrializante, que lhe permita galgar posição menos vulnerável na divisão internacional do trabalho. A aposta nas receitas geradas pela exportação de óleo cru para alavancar a economia do país o deixará exposto à volatilidade da commodity e é insustentável em longo prazo. Caso típico da chamada “doença holandesa” ou “maldição dos recursos naturais”.

Fonte: Ineep