O aumento do preço do gás de cozinha, a política de preços da Petrobrás e a privatização da Liquigás

Política de preços da Petrobrás

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps [1]

Estima-se que o preço de revenda do botijão de 13kg possa chegar a R$ 150 ainda neste ano

Como muitos já devem ter sentido no bolso, o gás de cozinha (GLP) voltou a encarecer no país, mesmo que em meio à maior crise econômica do século. E o cenário ainda pode piorar. A Associação Brasileira dos Revendedores de Gás Liquefeito do Petróleo (Asmirg) estima que o preço de revenda do botijão de 13kg possa chegar a R$ 150 ainda neste ano, ainda havendo uma estimativa mais pessimista de se chegar à casa dos R$ 200 reais!

A própria associação pontua o maior causador deste preço abusivo, a política de preços da Petrobrás. Neste texto tratarei deste, e de outro fator que agravará o problema, o aumento da concentração do mercado por empresas privadas na distribuição e revenda de GLP, após a venda da estatal Liquigás para duas de suas maiores concorrentes – na verdade, a criação de um oligopólio puramente privado no setor decorrente da política privatista da direção da Petrobrás e do governo.

A política de preços da Petrobrás
O GLP, assim como os combustíveis (gasolina e diesel), tem “como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo”[2]. Desde 2016, após o impeachment de Dilma, Pedro Parente, que assumiu a presidência da Petrobras nomeado por Michel Temer, mudou a política de preços para os produtos resultantes do refino de petróleo da estatal. Apesar dos preços dos produtos do setor de petróleo e derivados serem livres desde 2002, o peso da estatal, que possui 98% da capacidade de refino do país, acaba determinando o seu patamar, e por isto a política da Petrobrás é tão importante para a formação do preço da gasolina, diesel e botijão de gás. Esta política não leva em consideração nem os custos reais de produção, nem o mercado doméstico, e sim o que acontece nos mercados internacionais[3].

O resultado da aplicação desta política pode ser visto no Gráfico 1, onde estão os valores reais (deflacionados para o mês de dezembro de 2020 pelo IPCA). Em termos reais, de agosto de 2016 até janeiro deste ano, o preço do GLP subiu 21,3% – em termos nominais o aumento foi de 42,4%.

Mas não é só isso. O preço do produtor (no caso, a Petrobrás) em si representa apenas metade da composição final do preço que pagamos. O preço do botijão de gás é composto por 47% do preço do produtor, 18% por tributos (estaduais e federais) e 35% de valor pago aos distribuidores e revendedores. Como os distribuidores e revendedores mantêm a sua margem de revenda mais ou menos constante ao longo do tempo, o encarecimento do GLP é repassado integralmente para o bolso do consumidor (aumentando assim o lucro absoluto destas empresas).

A criação de um oligopólio privado
O segundo fator de encarecimento do GLP, o qual será agravado com a política privatista do governo, se situa na distribuição e revenda. Para dezembro de 2019, último dado disponibilizado pela ANP, o setor tinha a distribuição de participação de mercado como mostramos no Gráfico 3. Eram basicamente seis empresas que dominavam quase 100% do mercado. No entanto, uma delas era estatal, a Liquigás.

A Liquigás teve sua privatização concluída em dezembro de 2020, vendida para a Copagaz e Nacional Gás – duas das suas principais concorrentes, como pode ser visto no gráfico abaixo. Mas o que ouvimos sempre do mecenas do Mercado, Roberto Castello Branco, não é que ele faz todo o esforço para aumentar a concorrência? Como que ele está na verdade é ajudando a fortalecer oligopólios privados? Contradições da vida. Agora teremos apenas cinco empresas privadas que farão o que quiserem com o preço do gás de cozinha vendido para 95% dos lares brasileiros, e nenhuma estatal para atuar em momentos de ainda maior abuso.

Mesmo sendo um alerta de uma associação empresarial, que visa unicamente o seu próprio lucro, é verdade o que diz a Asmirg. E isto pode ser ainda pior para o GLP. Após uma grande crise do petróleo, iniciada em março do ano passado, estamos agora com uma elevação no preço do barril de petróleo, o que faz aumentar o preço do GLP. O brent, que chegou a ser comercializada por 19 dólares em abril de 2020, hoje já ultrapassada os 55 dólares e tem uma tendência de alta – intensificada com o início da vacinação pelo mundo.

No caso do GLP, tivemos o aumento de sua demanda em meio à pandemia da Covid-19, pois com as pessoas em casa se demandou mais botijões residenciais, o que fez com que a crise mundial não impactasse na diminuição do seu preço, e sim no seu aumento. Agora com a elevação da demanda mundial por petróleo e gás, poderemos sim ter o cenário em que o botijão de gás custe R$ 150, caso a Petrobrás não mude a sua atual política de preços. Mas até agora temos apenas Castello Branco tranquilizando a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), que cobra um aumento ainda maior dos preços da Petrobrás, para que estes importadores possam lucrar ainda mais em nosso país. Além disto, o Estado saindo do mercado deixando todas as decisões de preço e produção para alguns poucos empresários.

Vejamos como toda esta tragédia impactará em um país que já tem mais de 14 milhões de desempregados e que acaba de perder o auxílio emergencial.

[1] Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política.

[2] https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/precos-de-venda-as-distribuidoras/glp/

[3] Importante lembrar que a venda das refinarias para empresas privadas não mudará isto, e sim irá tirar do governo a possibilidade de atuar nestes preços. Vide artigo escrito sobre o tema: http://www.fnpetroleiros.org.br/artigos/91/por-que-a-venda-das-refinarias-criara-monopolios-privados-e-quais-sao-as-consequencias-disto

Fonte: Sindipetro-RJ