Só é possível questionar os preços dos combustíveis porque a Petrobrás é estatal

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

A inflação no Brasil está descontrolada. Segundo estimativa da OCDE para as 20 economias mais importantes em 2021, o nosso país só deverá ter inflação ao consumidor menor do que a Turquia (47%) e a Argentina (17,8%). Já um Datafolha publicado ontem mostrou que 41% da população acha que o governo Bolsonaro tem “muita responsabilidade” sobre a inflação e 34% que tem “um pouco de responsabilidade”, sendo que apenas 23% diz que o presidente não tem responsabilidade alguma.

O aumento de preços vem acelerando desde o ano passado, quando já havia inflação forte nos alimentos, principalmente pelo aumento de preços de grãos, carnes e oleaginosas no mercado internacional, temperado com desvalorização do real diante do dólar, além do aumento da renda de uma enorme parcela da população através do auxílio emergencial. Enquanto o índice geral de preços de 2020 fechou em 4,52%, alimentos e bebidas aumentaram 14,09% - sendo que “Óleos e gorduras” fecharam em 61,77%, “Cereais, leguminosas e oleaginosas” em 60,42% e carnes em 17,97%. Por outro lado, apenas o gás de cozinha subiu dentre os combustíveis – devido ao aumento do consumo residencial, fruto do isolamento social.

Mas o tema da inflação vem ganhando muita força no debate público nestes últimos meses, agora por conta do preço dos combustíveis e do preço da energia elétrica. Curiosamente, ambos os preços são advindos principalmente de empresas estatais, Petrobrás e Eletrobras, e justamente por isto podem ser de escrutínio público. 

Em maio deste ano, em resposta ao alto preço da carne, Bolsonaro disse o seguinte: “Acham que devo proibir exportação de carne por 30 dias aqui no Brasil também, igual a Argentina, para ver se abaixa o preço? Sabe qual a minha decisão? Não vai ter proibição de nada! É livre mercado. O mercado vai regularizar isso daí. Se proibirmos, vai ser uma desgraça”[1], isso em referência à política adotada pela Argentina. Já sobre o arroz, Bolsonaro gritou as seguintes palavras: “Tu quer que eu baixe na canetada? Você quer que eu tabele? Se você quer que eu tabele, eu tabelo. Mas você vai comprar lá na Venezuela”[2].

Isto é, quando são preços do setor privado (mesmo se tratando de itens essenciais), não só o Bolsonaro, mas todos os governantes lavam as mãos, dizendo que o mercado deve definir seus preços e a população que se vire. No máximo, pode haver algum tipo de desoneração, mas que em meio ao contexto de anos de crise fiscal, se torna algo cada vez menos possível de se adotar – vide o caso do diesel. Por outro lado, quando se trata de preços de produtos e serviços ofertados por estatais, há algum tipo de responsividade diante dos brasileiros.

Em um primeiro momento, tentando se esquivar, Bolsonaro acionou toda a sua rede de Fake News, inclusive da própria Petrobrás, para tentar jogar a responsabilidade da alta dos preços no ICMS e nos governadores. Mas isto não colocou para além da sua própria base. Até tentou colocar a culpa em um tal de “nove dedos”[3].

No entanto, tal como o Datafolha apontou, Bolsonaro não está conseguindo se livrar tão facilmente de sua responsabilidade. Não é à toa que o presidente da Petrobrás teve que prestar contas na Câmara na semana passada. Afinal, a Petrobrás é a estatal responsável por quase toda produção de derivados de petróleo no país e de parte da importação. A partir de uma decisão sua, os preços dos combustíveis podem diminuir rapidamente em todo o país e não precisa correr atrás de soluções mirabolantes e duvidosas, como as que apareceram na Medida Provisória dos combustíveis: fabricação de veículos leves a diesel, permissão de bombas self service em postos e serviços de delivery na venda de gasolina.

Paulo Guedes e sua trupe sabem disso e é justamente por este motivo que tentam fatiar e entregar o mais rápido possível a Petrobrás, a Eletrobras e qualquer outra estatal para os seus clientes. Com o mercado totalmente privado, aí sim a população brasileira nunca mais poderá palpitar sobre preço de nada, só poderá aceitar o “livre mercado”, a ditadura do empresário, mesmo que isto cause acidentes, insegurança alimentar e miséria.

Cada vez mais fica evidente a importância das estatais não só para a economia, mas também para a nossa democracia, para que a vontade popular tenha meios reais para se manifestar.

[1] https://www.canalrural.com.br/noticias/pecuaria/bolsonaro-diz-que-nao-vai-interferir-no-preco-da-carne/

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/25/bolsonaro-se-irrita-ao-ser-abordado-sobre-preco-alto-do-arroz.ghtml

[3]https://br.noticias.yahoo.com/alto-preco-da-gasolina-tambem-e-culpa-do-nove-dedos-diz-bolsonaro-182208520.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS5ici8&guce_referrer_sig=AQAAAAmu5ZWOYLt7ppTt38sD4hKr_oVru7qsqBgrsRrX1j9onssbuh8hNGz-ZAE79M2qcHNSgIfX7JBp8ppCt8DztqBe-2WN4qZqZg_AieiGYWBr56fvIrJnMP-G6ioypYWcleX9a0ACS7V7_6bw7kMBxaPIORT2Pow4oLB3doqV8til