É necessário acabar com o PPI, mas sem fundo de estabilização

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Ainda sob gestão bolsonarista, a Petrobrás anunciou mais um reajuste no preço da gasolina às distribuidoras, passando de R$ 3,08 para R$ 3,31 – o maior preço desde setembro do ano passado. Isto ocorre pura e simplesmente pela aplicação do Preço de Paridade de Importação (PPI). Desde 12 de dezembro do ano passado, o preço da gasolina no Costa do Golfo do México (EUA), referência para o PPI, está subindo semana após semana (tendência de alta), segundo dados da U.S. Energy Information Administration, o que também mostra que a política está condizente com seus fundamentos.

O problema a ser resolvido é justamente a política, mudar o PPI. Esta deveria ser a prioridade zero do Jean-Paul Prates, que deve assumir nos próximos dias a presidência da estatal. Além da tendência de alta nos preços internacionais, também teremos o fim das isenções de tributos federais nos combustíveis, adiados até o fim de fevereiro pra gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular (diesel e GLP ficaram até o fim de 2023). Só a volta dos impostos federais geraria aumento de 69 centavos no preço final da gasolina comum.

Ou seja, mudar o PPI é urgente para que não haja novos grandes aumentos nos preços dos combustíveis, gerando um custo político alto para o governo e a estatal. Mas até aqui a proposta de Jean-Paul Prates, que voltou a ser repetida como solução no dia 4 de janeiro , não me parece resolver o problema.

A última versão do projeto criaria a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis) “com a finalidade de reduzir, observadas as regras fiscais e orçamentárias, o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, para o consumidor final” (Projeto de Lei n° 1472, de 2021). Esta é uma versão alterada do projeto original do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que propunha criar um imposto sobre exportação de óleo cru para financiar um fundo (antes era “fundo”, agora é “conta”) que “estabilizaria” o preço dos combustíveis. Com a pressão de petroleiras que atuam no Brasil, foi retirada a proposta de imposto sobre exportação de óleo cru. Esta era a parte que realmente fazia sentido no projeto e resolveria alguma coisa no preço dos combustíveis, pois retiraria parte das receitas adquiridas pelas petroleiras meramente pela explosão dos preços do petróleo no mercado internacional e devolveria para a população brasileira em forma de subsídios aos combustíveis – alguns países no mundo fizeram coisa parecida. 

Infelizmente o imposto sobre exportações foi para o lixo. Na última versão, quem pagaria a conta seria o próprio Estado, a partir das seguintes receitas: (1) participações governamentais relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União resultantes do regime de concessão e resultantes da comercialização do excedente em óleo no regime de partilha de produção; (2) excesso de arrecadação, relativo à previsão da lei orçamentária anual, dos dividendos da Petrobrás pagos à União; (3) receitas públicas não recorrentes relativas ao setor de petróleo e gás, em razão da evolução das cotações internacionais do petróleo bruto; e (4) do superávit financeiro de fontes de livre aplicação disponíveis no balanço da União, em caráter extraordinário. Todos esses itens já fazem parte das receitas do governo federal, não tem nada de “novo”. O resultado seria o mesmo de dar um subsídio, como Bolsonaro fez.

Na prática, a proposta de Prates financia o PPI com recursos públicos. Segundo dados retirados dos documentos da ANP, o PPI para a gasolina na semana passada estaria em R$ 3,36. Digamos que o teto do preço da gasolina fosse estabelecido em R$ 3. O governo federal teria pagado à Petrobras 36 centavos por litro vendido. E sequer isto voltaria como lucro para a União, uma vez que o Estado brasileiro só detém 36,61% do total de ações da companhia, e consequentemente do que recebe do total de dividendos (que em geral já é menor do que o lucro líquido). Além disto, também teríamos o financiamento aos outros produtores (Mataripe, primeira refinaria privatizada) e importadores. 

O que este projeto faz é criar uma fonte de renda extra para o PPI da Petrobrás e uma fonte de renda para produtores privados e importadores. Se todos terão direito ao pagamento dessa diferença, os preços da Petrobras, produtores privados e importadores se igualarão (todos a R$ 3, no nosso exemplo), e não precisarão mais se preocupar se a estatal cobrará preços menores do que eles (na média a Petrobras cobra preços muito menores do que Mataripe e os importadores), o que resolveria a vida destes agentes privados, assolados com a “defasagem de preços” da Petrobras. 

Qual é a diferença entre isto e os subsídios do Bolsonaro? Duas coisas. Em termos de recursos, a fonte e o impacto ser apenas no âmbito federal, e não nos estados e municípios (lembrando que a mudança no ICMS é permanente, então esta pancada já foi dada e não voltará atrás). Em termos de mercado, iremos garantir com dinheiro público a vida tranquila de todas as refinarias privatizadas e dos importadores de combustíveis do país.

Acabar com o PPI e balizar o preço dos combustíveis a partir dos custos nacionais
É urgente acabar com o PPI, pois novos aumentos e o fim das isenções de tributos federais poderão desmoralizar a proposta de mudanças na política de preços, prometida tantas vezes pelo presidente Lula em meio à campanha. É necessário balizar os preços dos combustíveis a partir dos seus custos reais, o quanto a Petrobras gasta para encontrar e extrair petróleo e gás natural e refinar gasolina, diesel, GLP, além do que gasta com a importação complementar destes produtos. Feito isto, a Petrobras poderá cobrar preços muito menores do que nos últimos dois anos, garantindo que a população brasileira realmente tenha acesso com preço justo àquilo que é dela: as reservas de petróleo e a Petrobrás.

 1 https://www.estadao.com.br/economia/petrobras-intervencao-preco-combustiveis-jean-paul-prates/