Mais um lucro recorde da Petrobras. Há o que comemorar?

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

“Com muito orgulho e um forte sentimento de dever cumprido que compartilhamos aqui os resultados de 2022”, assim Rodrigo Araujo Alves, diretor financeiro da Petrobras indicado por Bolsonaro, abriu a mensagem aos acionistas e investidores sobre o resultado do 4º trimestre. O lucro é o maior já apresentado por uma empresa na história do Brasil. 

Foram R$ 188,3 bilhões de lucro líquido. Quase R$ 82 bilhões a mais do que no ano anterior, que já havia sido recorde. Em tese deveria ser realmente motivo de um grande orgulho nacional, afinal de contas, a Petrobrás é nossa maior estatal e a maior empresa do país. Mas será que o resultado é fruto de algo a se orgulhar?

De onde vieram as receitas?
Em 2022 chegamos ao maior preço do barril de petróleo vendido pela Petrobras, na história da nossa moeda. No ano passado o brent ficou em R$ 522, 37% a mais do que no ano imediatamente anterior. E como podemos ver no Gráfico 1, muito superior a qualquer outro momento recente. Isto ocorre tanto por conta do preço internacional do petróleo (a referência para a Petrobras é o brent) quanto por uma moeda extremamente desvalorizada. Quando o brent esteve acima dos 100 dólares, entre 2012 e 2013, um dólar equivalia a R$ 1,92. Em 2022 a média do câmbio ficou em R$ 5,16. 

Gráfico 1 – Preço médio anual do brent em R$
 

Fonte: Petrobrás

Mas a maior parte das receitas de petróleo da Petrobras são materializadas em produtos derivados e vendidas por aqui mesmo: 61% do total das receitas de venda da companhia veio de derivados de petróleo vendidos no mercado interno. Portanto, o peso do PPI (Preço da Paridade de Importação) é enorme na equação que explica o resultado recorde da empresa. 

Ainda explicando as receitas da empresa, outros 6,2% vieram de venda de petróleo no mercado interno, basicamente para a Refinaria de Mataripe (ex-RLAM); e 22% vieram de exportações, principalmente de petróleo (16%) e de óleo combustível (6%). 

A Petrobrás atingiu em 2022 o maior preço de derivados (Preço de derivados básicos - Mercado interno R$/bbl) de sua história. A empresa vendeu derivados no mercado interno a preços 52% superiores a 2021, quando já havia batido recorde. Se compararmos com os valores de dois anos atrás, foi um aumento de 149%. Tudo isso sem aumento de custos, à exceção do pagamento de royalties. São muitas receitas a mais com basicamente os mesmos custos.

Gráfico 2 – Preço de derivados básicos - Mercado interno R$/bbl (média anual)
 
Fonte: Petrobrás

Tudo isto seria ótimo, se não fôssemos nós mesmos que estivéssemos pagando a conta. Como disse acima, 61% da receita total de vendas é explicada estritamente pela venda da Petrobras ao mercado brasileiro. E só não é maior porque privatizaram refinarias, que passaram a comprar óleo da estatal, refinar e vender ainda mais caro do que a própria Petrobrás.

Além disso, as privatizações continuaram a ser uma fonte importante de receitas para o resultado da empresa. Em 2022 a estatal recebeu R$ 24,82 bilhões em privatizações (Campo de Albacora Leste, Gaspetro, REMAN, etc.). Em 2021 o valor havia sido de R$ 25,5 bilhões. 

E para onde foi esse dinheiro?
O argumento de que o PPI é necessário para manter a capacidade de investimentos da companhia é, na prática, uma mentira. Se compararmos o histórico de investimentos (em dólares atualizados para 2022), a Petrobras investe hoje (US$ 9,8 bilhões) o mesmo que investia no início do século, quando a empresa era muito menor. Em 2022 o investimento foi o equivalente a 19% do que foi investido por ano em seu ápice, entre 2009 e 2014, quando a média era de US$ 53 bilhões. 

Gráfico 3 – Investimentos anuais da Petrobras (em dólares de dezembro de 2022)
 

Fonte: Elaborado a partir de dados da Petrobras

Na verdade, o dinheiro que a Petrobrás arrecada, cobrando preços estratosféricos da população brasileira e vendendo seus próprios ativos, é torrado com pagamento de dividendos nunca visto antes! 

A Petrobrás deverá encerrar o pagamento de dividendos referentes ao ano de 2022 no valor de R$ 215,8 bilhões. Isso mesmo, é superior ao que teve de lucro. Parece até irracional. Você lucra R$ 188 bilhões e distribui R$ 216 bilhões. Em 2021 algo parecido já havia ocorrido, quando houve distribuição de quase todo o lucro de R$ 105 bilhões. É saque puro e simples. 

A Petrobrás virou a segunda maior pagadora de dividendos do mundo em 2022, segundo a gestora de recursos Janus Henderson. Atrás apenas da mineradora BHP, e isso por questões contábeis, pois se considerar o pagamento líquido, a Petrobras entregará mais em dividendos do que a BHP. 
Se isto se concretizar, o retorno sobre o valor de cada ação em 2022 terá sido de 40%. Um detentor de ação da Petrobras terá um retorno de quase metade do valor da sua ação em forma de dividendos em 365 dias, e o total do valor investido em dois aos e meio. Isso é uma aberração completa que não ocorre em nenhum lugar do mundo! 

Tudo isso me faz discordar completamente do diretor financeiro da Petrobrás. O resultado financeiro da empresa não é motivo de orgulho, mas sim de vergonha. A Petrobras não pode ser uma máquina de espoliar sua própria população e entregar tudo (ou até mais) do que ganha aos acionistas, grande parte deles estrangeiros. A nossa maior estatal tem que voltar a investir em segurança energética e em transição energética. Tem que acabar com o PPI, cobrando preços menores para a população, acabando com o retorno da lenha e do carvão na vida do brasileiro. 

Espero que daqui a um ano eu possa escrever sobre o resultado da estatal para 2023 falando de uma nova realidade, que realmente seja motivo de orgulho para cada brasileiro, verdadeiros donos da Petrobrás.