O que é o Regime de Previdência Complementar

Por Cacau Pereira, pesquisador do IBEPS

A Constituição Federal de 1998 estabeleceu um sistema de Seguridade Social baseado num tripé que inclui a Previdência, a Assistência Social e a Saúde como direitos da população. No caso da Previdência, foram estabelecidos dois regimes constitucionais: o Regime Geral de Previdência - que abrange, dentre outros, os trabalhadores com carteira assinada e os autônomos - e o Regime Próprio dos Servidores Públicos.

Um terceiro regime previdenciário foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 20/1998: o Regime de Previdência Complementar, tratado no artigo 202 e parágrafos seguintes. Este é um regime cuja natureza jurídica é de direito privado, podendo ter ou não finalidade lucrativa, é facultativo (opcional) e autônomo em relação aos demais regimes. O RPC instituído, então, foi organizado no modelo de contribuição definida, operado por entidades abertas (bancos e seguradoras) ou entidades fechadas (fundos de pensão) e se baseia na Constituição de reservas (pecúlio). A previdência complementar já existia no Brasil, mas foi bastante alentada com a reforma previdenciária de 1998.

Em se tratando de previdência fechada - fundos de pensão - embora já existissem algumas experiências, foi em 1977 que teve início a sua regulamentação, com a edição da Lei n.º 6.435. Os fundos de pensão já existiam, como nos casos da PREVI e da PETROS, ligados aos empregados de empresas estatais, bem como alguns outros de empresas privadas.

O surgimento dos fundos de pensão no Brasil

Numa experiência pioneira, no dia 16 de abril de 1904 foi criada a Caixa Montepio dos Funccionarios do Banco da Republica do Brazil, com 52 associados, a atual PREVI, por iniciativa de um grupo de empregados. Em 1911, a Assembleia Geral dos Acionistas do Banco do Brasil decidiu contribuir com a Caixa, destinando uma verba semestral fixa, inicialmente.

Já a Fundação Petrobras de Seguridade Social (PETROS) foi criada em 31 de março de 1970, sendo pioneira na administração de planos multipatrocinados, para contemplar outras empresas do Sistema Petrobras. Essas duas experiências foram essenciais para o surgimento de um marco legislativo sobre a previdência complementar no Brasil.

O ressurgimento da previdência complementar nos anos 1970 não ocorreu espontaneamente. O sistema foi criado para corrigir desajustes na relação com trabalhadores de empresas públicas, já que parte deles gozava de estabilidade e, por um determinado período, de complementação de aposentadoria, custeada pelos cofres públicos.

O regime militar tinha pretensões de fortalecer o mercado de capitais e dependia da capacidade de poupança de grandes empresas. Decidiu utilizar-se das empresas estatais para isso.

A previdência complementar, surgida naquele período, teria forte influência do modelo americano e, durante muito tempo, o setor ficou restrito essencialmente às empresas estatais e aos seus trabalhadores. Os dirigentes sindicais deram pouca atenção a esta questão. Mesmo considerando que, em muitos fundos, os participantes tivessem direito a eleger membros dos conselhos diretivos e fiscais.

Podemos então, esquematicamente, estabelecer as seguintes fases ou periodização quanto à organização da previdência complementar no Brasil, nos referenciando nos estudos de Ferrari, Gushiken e Freitas (2001)[1]:

1. Fase formativa: dos anos 1970 a meados da década de 1980. Consolidação de lei específica sobre o tema e criação dos fundos de pensão vinculados às empresas estatais.

2. Fase de desenvolvimento: de meados da década de 1980 a 1995. Compreende a fase de acumulação de reservas dos fundos das empresas públicas e a expansão para as empresas privadas.

3. Fase das privatizações: compreende a década de 1990, na qual diversas empresas estatais são privatizadas, com a utilização em grande escala de recursos dos fundos de pensão das empresas públicas. Há uma remodelagem dos planos de benefícios, com a migração, em geral, do modelo de benefício definido para o modelo de contribuição definida, após as privatizações. Essa fase é marcada pela aprovação da Emenda Constitucional n.º 20.

4. Fase de expansão e consolidação do RPC: a partir da edição das Leis Complementares 108 e 109, em 2001, abrindo a possibilidade de criação de fundos por instituidores e estendendo a modalidade aos servidores públicos de todas as esferas de governo.

No próximo artigo, daremos seguimento a essa temática.

(*) Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps)

 

[1] FERRARI, Augusto Tadeu; GUSHIKEN, Luiz; FREITAS, Wanderley José de. Previdência Complementar: Entendo sua complexidade. Ministério do Trabalho e Emprego: Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2001