As reações às mudanças no estatuto da Petrobras fazem sentido?

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Nesta segunda-feira, 23, a Petrobras publicou uma proposta de revisão no seu estatuto. A mudança engloba dois pontos que fizeram o mercado “reagir negativamente”. O primeiro foi a criação de uma reserva de remuneração de capital com a finalidade de “assegurar recursos para o pagamento de dividendos, juros sobre o capital próprio, suas antecipações, recompras de ações autorizadas por lei, absorção de prejuízos e, como finalidade remanescente, incorporação ao capital social”. O segundo foi a exclusão de “vedações para a indicação de administradores previstas na Lei nº13.303/2016 [lei das estatais] consideradas inconstitucionais por meio de Tutela Provisória Incidental na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.331-DF, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, bem como explicitar que, para a investidura em cargo de administração, a Companhia somente considerará hipóteses de conflito de interesses formal nos casos expressamente previstos em lei”.

No primeiro ponto o “mercado” entendeu que esta mudança pode diminuir o pagamento de dividendos extraordinários. Ou seja, para o “mercado” a política já extremamente bondosa com os acionistas de pagamento de 45% de fluxo de caixa livre não é o suficiente. Para se ter uma ideia, o fluxo de caixa livre do 1º semestre deste ano foi de R$ 88 bilhões, sendo assim, 45% deste valor equivale a R$ 33,5 bilhões. Em uma simplificação grosseira, digamos que em 12 meses este valor seja o dobro, R$ 67 bilhões. Qual empresa em todo o território nacional distribuirá R$ 67 bilhões em dividendos? E pasmem, não estão satisfeitos, querem uma distribuição extraordinária de lucros, mágica que possibilitou no passado recente que a Petrobras distribuísse mais dividendos do que teve de lucro.

E sequer este fundo vai para investimentos, proposta da Rosangela Buzanelli que foi rejeitada no Conselho de Administração. Como descrevemos no primeiro parágrafo, ele pode servir simplesmente para absorver prejuízos ou mesmo pagar dividendos em um ano de prejuízo da empresa. Na melhor das hipóteses vai para recompra de ações. Realmente o apetite de vampiro do mercado impressiona. Querem a volta da insustentabilidade da empresa, do saque institucionalizado que os beneficiaram indecentemente nos últimos anos.

O segundo ponto se refere a uma resposta à ação do STF que suspende norma que restringe nomeações para direção de estatais. Bem, em 2016 no auge do sentimento antipolítica se aprovou a Lei das Estatais. Esta lei vedava indicações de conselheiros e diretores que fossem titulares de cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou na organização e na realização de campanha eleitoral. Em síntese, qualquer indivíduo que tenha ocupado qualquer cargo político, partidário ou tenha dirigido uma candidatura teria que passar 3 anos sem fazê-lo para ter o direito de ocupar uma função de direção em estatal. O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que isto é inconstitucional, pois você discrimina sem critério técnico algum qualquer pessoa que orbite o mundo político.

Mas na redação atual do estatuto social da Petrobras se reproduz trechos desta lei, e isto é o que a Petrobras quer reescrever. Já que a lei é inconstitucional, por que reproduzi-la em seu estatuto? Para quê seria necessário reproduzir uma lei em um estatuto? Sabemos que ela foi posta no estatuto para aumentar as chances de impedir a conexão entre representantes eleitos e as estatais, provavelmente porque sabiam da sua inconstitucionalidade e que em algum momento trechos da lei cairiam. E quando caísse o mercado poderia fazer esse estardalhaço.

Esse trecho da lei das estatais não faz sentido. É baseado em puro senso comum, de que todo político e toda a política (institucional) é corrupta, e deve ser evitada. E que existe uma técnica pura e apartada da política (geralmente representada pelo “mercado”). Nada disso é verificado em nenhum estudo científico sobre burocracia estatal. Mas primeiro, as empresas estatais são do Estado, e a direção do Estado é composta por pessoas eleitas, e consequentemente a política das estatais deve representar os donos destas empresas, isto é, o povo brasileiro. Quando você define que um indivíduo, por ter sido secretário, ministro, deputado ou mesmo coordenador de uma campanha eleitoral não é apto a ser nomeado para uma estatal você está simplesmente punindo a representação política democrática. Nada além disso. Não se está aumentando a capacidade técnica de uma empresa nem blindando de nenhum ato de corrupção. Basta lembrar que o Paulo Roberto Costa e o Nestor Cerveró eram servidores de carreira da Petrobras.

Além de ignorar problemas reais, como a porta-giratória que colocou o Roberto Castello Branco na 3R, empresa à qual ele vendeu vários ativos da Petrobras à época em que presidia a estatal. Isso sim é um conflito óbvio de interesses que pode impactar negativamente no desempenho de uma estatal.

Estes dois fatos foram o suficiente para gerar títulos estrondosos e sensacionalistas como o que anuncia que a “Petrobras perde mais de R$ 32 bilhões em valor de mercado após propor mudanças no estatuto”. Isso só quer dizer que as ações caíram pouco mais de 6% naquele dia. Essa notícia tem tanta relevância quanto alguma que, ontem, diria que a Petrobras ganhou R$ 7,4 bilhões em valor de mercado (pois as ações subiram 1,5%). Bem, do início do ano até agora as ações subiram 13%. Mas não mudará muita coisa na vida da Petrobras, já que não pretende fazer emissão de novas ações.

É muito barulho por nada. Nenhuma destas mudanças põe em risco a Petrobras ou o setor de petróleo e combustíveis do país. Mas como sempre, quando a Petrobras não faz exatamente o que os donos de ações, especuladores, corretoras e bancos gostariam que ela fizesse, mesmo que seja algo que a prejudique financeiramente (como quando distribui mais dividendos do que teve de lucro), jornais, analistas e “especialistas” correm gritando que é um absurdo, aparelhamento, retrocesso. Nada de novo sob o sol.