O custo econômico da SELIC a 15%

Artigo

Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

No dia 30 de julho o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu pela manutenção da taxa SELIC a 15%, conservando o patamar mais alto desde meados de 2006, realidade que deve continuar nos próximos meses segundo declaração recente do presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. Além de um recorde nacional de quase duas décadas, o Brasil se manteve com a segunda maior taxa de juros real do mundo, 9,53%, atrás apenas da Turquia (a frente da Rússia, país em guerra), e muito acima da média global, de 1,67%.

A finalidade disto é, segundo o Banco Central, combater a inflação, pois a expectativa de inflação para o ano é de absurdos 4,86%, acima da meta de 3% e do teto de 4,5%.

A utilização da SELIC para combater a inflação não se sustenta diante da realidade, mas isso ficará para o nosso próximo texto. Aqui nosso objetivo é demonstrar que esta política gera um custo econômico estratosférico nas finanças das famílias, das empresas e da União. Custo este sempre sumariamente ignorado pelos defensores da política – o mercado financeiro e os grandes jornais.

A SELIC é a taxa básica de juros da economia brasileira. Definida pelo BC, serve de referência para todas as outras taxas de juros cobradas no país: empréstimos, financiamentos, cartões de crédito, aplicações financeiras etc.O nome significa“Sistema Especial de Liquidação e Custódia”, que é onde o governo registra e negocia seus títulos públicos. Na prática, a SELIC representa o juro que os bancos cobram entre si para empréstimos de curtíssimo prazo (de um dia), mas acaba sendo usado como principal (e às vezes único) instrumento de política monetária. Quando o BC sobe a SELIC, encarece o crédito, desestimula o consumo, o que (em tese) diminuiria a inflação – mas veremos no próximo texto que não é bem assim. O inverso também seria verdade, quando reduz a SELIC, barateia o crédito, incentiva investimentos e consumo, estimulando o crescimento econômico.

Em síntese, é a taxa-mãe dos juros no Brasil, influenciando desde quanto você paga em um financiamento no carro até quanto rende uma aplicação de renda fixa na sua Petros.

Como podemos ver no Gráfico 1 (taxa nominal), a SELIC é historicamente bastante elevada. Com exceção de um período entre 2019 e 2020, quando no início da pandemia chegou a 2%, ela sempre se manteve em patamares muito acima da inflação.

Gráfico 1 – Taxa de juros anual (Selic) fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom)

 

Fonte: Banco Central do Brasil

Como foi dito, o Brasil está hoje com a segunda maior taxa de juros real do mundo, com 9,53% acima da inflação projetada, atrás apenas da Turquia (14,44%) – que tem um problema crônico com a inflação, com a última medição (jul/25) fechando em 33,5% no acumulado de 12 meses. A frente de Rússia (em guerra há três anos e meio) e Argentina (com inflação acumulada de 37%).

Tabela 1 – Taxas de juros atuais descontadas a inflação projetada para os próximos 12 meses (EX ANTE)

Ranking

País

Juros reais

1

Turquia

14,44

2

Brasil

9,53

3

Rússia

7,63

4

Argentina

6,39

5

África do Sul

5,54

6

Indonésia

4,21

7

Filipinas

4,13

8

México

3,96

9

Colômbia

3,69

10

Índia

3,66

11

Tailândia

1,87

12

Hungria

1,82

13

Malásia

1,62

14

China

1,48

15

Israel

1,25

16

França

1,2

17

Cingapura

1,05

18

República Tcheca

0,93

19

Austrália

0,9

20

Suécia

0,76

21

Estados Unidos

0,48

22

Polônia

0,48

23

Itália

0,43

24

Coréia do Sul

0,43

25

Taiwan

0,28

26

Reino Unido

0,28

27

Chile

0,24

28

Suíça

0,05

29

Nova Zelândia

0,02

30

Espanha

-0,07

31

Bélgica

-0,09

32

Hong Kong

-0,21

33

Grécia

-0,35

34

Alemanha

-0,39

35

Portugal

-0,42

36

Áustria

-1,2

37

Canadá

-1,35

38

Japão

-1,72

39

Dinamarca

-1,96

40

Holanda

-3,43

 

Média Geral

1,67

Fonte: MoneYou e Lev Intelligence

Como dissemos, quando a SELIC sobe, as outras taxas de juros da economia brasileira também sobem. Vejamos alguns exemplos.

A taxa média de juros para crédito às Pessoas Físicas subiu junto com a SELIC, de 69,5% em setembro de 2020 (quando a SELIC era de 2%) para os atuais 108,5% (quando a SELIC é de 15%). Em setembro de 2020 tínhamos desemprego elevado, pandemia, insegurança econômica global e uma inflação apenas um pouco abaixo da atual, e mesmo assim a taxa de juros para crédito pessoal era quase metade. A única coisa que mudou desde então foi a SELIC. E com isto o custo dos empréstimos dos brasileiros subiu 56%.

Gráfico 2 – Taxa média anual de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado

 

Fonte: Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BCB

Com o aumento nos juros para as famílias brasileiras, a consequência prática é que uma maior parcela de sua renda seja comprometida com dívidas. Como podemos ver no Gráfico 3, junto com o crescimento da SELIC e dos juros nos bancos, houve também uma enorme subida no chamado Comprometimento de renda das famílias com juros da dívida com o Sistema Financeiro Nacional. Em setembro de 2020 as famílias brasileiras comprometeram pouco menos de 7% de sua renda com juros de dívida, hoje este percentual é de quase 10%. Um verdadeiro atentado à economia popular.

Gráfico 3 – Comprometimento de renda das famílias com juros da dívida com o Sistema Financeiro Nacional - Com ajuste sazonal (RNDBF) - %

 

 

Fonte: Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BCB

Outro impacto ocorre nas empresas. Como podemos ver no Gráfico 4, o custo de crédito das Pessoas Jurídicas para capital de giro subiu de 13,7% em setembro de 2020, para os atuais 22,2%, comprometendo a atividade econômica e, principalmente, o investimento produtivo. Por que as empresas investirão, se o custo de capital está tão elevado por um lado, e de outro há uma taxa de juros para a empresa viver de renda do Sistema Financeiro? Ao invés de investir produtivamente é melhor comprar título público ou qualquer outra dívida.

Gráfico 4 – Indicador de Custo do Crédito - ICC - Recursos Livres - Pessoas jurídicas - Capital de giro total (a.a.)

 

Fonte: Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BCB

Mas o problema não para por aqui. A União também tem um ônus gigante com isto. A SELIC é a grande indexadora dos títulos da dívida pública brasileira, seja de forma direta ou indireta. De forma direta temos os títulos LFT (Tesouro SELIC), que compõe metade da dívida pública brasileira. A LFT é umtítulo pós-fixado com rentabilidade atrelada à Taxa SELIC. Quando a SELIC sobe, os juros pagos pela União também sobem. E de forma indireta temos: (i) o NTN-B/IPCA+ (que compõe 27% da dívida e é o principal título que a Petros adquire), onde apesar de pagar a inflação mais uma taxa de juros pré-fixada, esta taxa de juros é correlacionada à SELIC do momento da emissão – hoje este valor é de IPCA + cerca de 7% (uma taxa muito superior ao que tínhamos quando a SELIC era menor); e (ii) a LTN (equivale a 15% do estoque da dívida pública) que também é pré-fixada, mas que está correlacionada à SELIC do momento da emissão.

Este mecanismo faz com que a cada subida da SELIC também suba as despesas da União com a dívida pública. Segundo estimativa do Banco Central, publicizada em novembro do ano passado, a cada um ponto percentual a mais de SELIC o governo gasta R$ 55,2 bilhões a mais com juros. Só isso bastaria para provar o tremendo absurdo dessa política.

Lembram da crise do IOF? A expectativa lá em maio era que a mudança no IOF geraria um aumento de R$ 20,5 bilhões na arrecadação do governo em 2025. Parece muito, e houve toda uma crise política para manter esta mudança do IOF, mas é um custo menor do que a subida de meio ponto percentual na SELIC.

Como pode ser visto no Gráfico 5, a subida na SELIC, aliada ao crescimento da dívida pública em si, fez as despesas reais com juros crescerem ainda mais em 2024, chegando a R$ 900 bilhões.

Gráfico 5 – Despesas anuais da União com juros (em valores de jun/25)

 

Fonte: Tesouro Nacional

Em síntese, esta é uma política de um custo econômico e social brutal para a população brasileira e para os cofres do governo. Mas obviamente que esses bilhões a mais em juros pagos aos bancos pelos empréstimos e aos detentores da dívida pública (grande parte também bancos) tem um destino: o bolso de empresas, bancos e ricaços.

É custo para nós, mas é renda para eles. E justamente por isso que não vemos sequer um piu na grande imprensa questionando o óbvio e insustentável custo da política de juros elevados. Muito diferente de qualquer política social, que a primeira coisa que esperneiam é sobre oseu custo fiscal. “O aumento do salário-mínimo vai quebrar o país”, “Ou fazemos uma nova reforma da Previdência ou o país quebra!”, “Reajuste para servidores vai quebrar o país!” e um longo etc. ecoam dia após dia como notícias e opinião nos jornais, mas nunca veremos um só questionamento à única política que realmente pode quebrar o país, aquele que só em juros desviou quase um trilhão de R$ em um único ano.