Vaza Jato confirma: única ação efetiva de Moro foi destruir empregos na Petrobrás

Mais de 200 mil demissões

Desde o dia 9 de junho, quando o site Intercept Brasil revelou de forma inédita as ilegalidades cometidas pela Operação Lava Jato, não há uma única semana sem que novos diálogos nos lembre que, desde o início, a suposta cruzada anti-corrupção foi uma perversa ação política.

Para impedir a candidatura (e provável vitória eleitoral) de Lula à presidência da República, sepultando a continuidade do PT no poder, o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol ultrapassaram limites éticos e legais de sua função, escancarando toda parcialidade e espírito golpista de quem jurava agir em prol da justiça.

Até agora, o site do jornalista Glenn Greenwald já revelou a atuação coordenada entre o juiz e o Ministério Público por fora de audiências e autos; o fato de que horas antes da denúncia do triplex, Deltan Dallagnol duvidava das provas contra Lula; a falsa investigação sobre FHC para criar uma imagem de “imparcialidade”; e a admissão, por parte de alguns procuradores, de que Moro violava princípios éticos e maculava a credibilidade da operação ao virar Ministro da Justiça do governo Bolsonaro.

Mas além de conspirar contra o estado democrático de direito, a operação político-partidária liderada pela dupla Moro-Dallagnol foi também determinante para um drama pouco explorado desde o início da Vaza Jato: as milhares de demissões nos últimos anos, sobretudo de petroleiros terceirizados, no Sistema Petrobrás.

Após Lava Jato, mais de 200 mil demitidos
Em 2014, ano em que a operação Lava Jato foi iniciada, a mão de obra terceirizada era de aproximadamente 360 mil trabalhadores. Mas desde que Moro entrou em cena, expondo o esquema de corrupção entre empreiteiros e ex-diretores, o número de operários vem caindo vertiginosamente.

Para se ter ideia do tamanho da devastação, em 2018 a Petrobrás fechou o ano com 116.065 empregados terceirizados (no Brasil e no exterior). São números inferiores ao registrado no fim do período neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, a força de trabalho terceirizada era de 121.225 trabalhadores.

Diante das primeiras delações, empreiteiras que prestavam serviços à Petrobrás foram acusadas de formação de cartel. Como resposta, a direção da companhia seguiu recomendação de Sérgio Moro e decidiu, em dezembro de 2014, barrar novos contratos com 23 empresas com quem tinha negócios em diversos empreendimentos e obras que visavam expandir a capacidade de exploração, produção e refino de petróleo. Dentre elas, as maiores construtoras do país como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão e Mendes Junior.

Em uma conjuntura econômica já negativa, marcada pela crise internacional, fim do boom das commodities e consequente queda no preço do barril de petróleo, que chegou a ser vendido por menos de 30 dólares, a decisão da Petrobrás foi determinante para agravar a já delicada situação da indústria nacional.

Munição aos entreguistas de plantão
É preciso lembrar também que sem a Lava Jato a imprensa não promoveria com tanto sucesso o enorme espetáculo midiático de depreciação da Petrobrás, o que também teve por consequência mais demissões em massa.

Diariamente, todos os jornais, programas de rádio e portais na internet exploraram (e ainda exploram) as denúncias de corrupção com uma narrativa deliberadamente apocalíptica. De repente, a empresa estava quebrada e prestes a fechar as portas. “Especialistas” a serviço dos interesses de petrolíferas internacionais rebaixavam a nota da empresa, derrubavam a sua credibilidade e exigiam uma ‘nova postura’ da companhia para recuperar sua imagem.

Toda essa movimentação, mesmo sendo de caráter especulativo, teve efeitos concretos na realidade e manipulou a opinião pública. Para reverter o ‘mau humor’ do mercado, tudo o que era exigido foi cumprido: os investimentos planejados foram reduzidos drasticamente, obras foram paralisadas, cidades inteiras que dependiam economicamente das atividades da Petrobrás entraram em colapso e milhares de postos de trabalho foram extintos.

E os terceirizados não foram os únicos afetados, embora seja reconhecidamente a situação mais dramática. Para atender aos anseios do mercado, que exigia uma Petrobrás mais alinhada aos ‘padrões’ da iniciativa privada, em outras palavras mais atrativa para a venda de ativos e privatização que hoje avança perigosamente, a empresa já dispensou mais de 16.500 petroleiros concursados através dos recentes programas de demissão voluntária. Além disso, vem atacando direitos conquistados pela categoria ao longo dos anos, excluindo benefícios e promovendo uma reorganização do ambiente de trabalho que tem adoecido física e psicologicamente os trabalhadores.

Se para o país e os trabalhadores essas mudanças representaram um duro golpe, o mesmo não se pode dizer sobre as multinacionais que durante anos exerceram um forte lobby no Congresso Nacional e no Senado para mudar as regras do setor. Para eles, a exigência de conteúdo local era muito alta e a reserva de 30% das áreas do pré-sal para a Petrobrás, responsável sozinha por sua descoberta, eram ‘protecionistas’ demais.

Em outras palavras, ter direito a explorar até 70% do nosso petróleo, como a lei permitia, era pouco. Eles queriam tudo e a Lava Jato se apresentou como a oportunidade de ouro para mudar as regras do jogo. Como queriam, a exigência de conteúdo local foi reduzida drasticamente (até mesmo em contratos antigos), a Petrobrás não é mais operadora única do pré-sal e nem tem mais direito à participação mínima de 30% no pré-sal.

Graças à Lava Jato, os setores que historicamente sempre defenderam a privatização da Petrobrás e entrega de nosso petróleo ao estrangeiro finalmente tinham não só “legitimidade”, mas força para defender seus interesses. E o mais grave, convencendo uma ampla parcela da população de que seria bom para o país e que a Petrobrás, sem "parceiros", não teria condições de explorar esta riqueza.

Imprensa é 'forçada' a registrar tragédia
Entretanto, os efeitos negativos da Lava Jato sobre a Petrobrás e o país são tão contundentes que até mesmo a grande imprensa foi obrigada a reconhecer este fato. Em abril de 2017, por exemplo, o Estadão estampou a seguinte manchete: “Em três anos, principais empresas citadas na Lava Jato demitiram quase 600 mil”. A reportagem destacou que “a quantidade de postos de trabalho fechados mostra um impacto considerável – equivalente a 5% do total de pessoas que entraram na fila do desemprego entre 2013 e 2016, que foi de 11,2 milhões. [...] O total de desocupados no País era de 1,1 milhão em dezembro de 2013; no fim de 2016, o número havia crescido para 12,3 milhões”.

Também em 2017, o jornal Valor Econômico citou que a Associação das Empresas de Serviços de Petróleo estimava que o setor de óleo e gás havia perdido 440 mil empregos entre 2013 e 2016. Recentemente, em seu pedido de recuperação judicial, a Odebrecht relatou que restam 48 mil dos 276 mil funcionários que tinha em seu quadro no ano de 2014.

Lava Jato não combateu corrupção
Existindo comprovação de atos ilícitos, todos aqueles que desviaram recursos da companhia para favorecimento em contratos, enriquecimento pessoal ou caixa 2 devem, evidentemente, pagar por seus crimes. Entretanto, havia diversas formas de se combater a corrupção sem destruir o país.

E, infelizmente, as conversas vazadas pelo Intercept Brasil demonstram que a Lava Jato nunca quis, de fato, livrar o país da corrupção. Custe o que custar, a obsessão da República de Curitiba era tirar Lula da corrida presidencial e o PT do poder. Prova disso é o fato de que executivos e doleiros que colaboraram com os reais objetivos da Lava Jato foram devidamente recompensados, pouco importando o fato de que seriam responsáveis – segundo a própria operação - por crimes graves como pagamentos de propina a agentes públicos, lavagem de dinheiro e formação de cartel.

Com o vazamento das conversas entre os membros da República de Curitiba sabemos, por exemplo, que Léo Pinheiro (ex-presidente da construtora OAS) só passou a ser considerado merecedor de crédito após mudar diversas vezes sua versão sobre o apartamento tríplex de Guarujá (SP). Quando depois de um ano de negociações com a Lava jato enfim incriminou Lula, afirmando ter reformado o triplex para o ex-presidente, sua delação foi enfim considerada válida. O mesmo ocorreu com vários outros delatores.

Aliás, reportagem do El País - publicada em março de 2017 - já apontava que “enquanto presos comuns se amontoam em cubículos, empresários, diretores e doleiros que firmaram acordos de colaboração premiada com a Justiça no âmbito da Operação Lava Jato [...] negociaram com o Ministério Público Federal acordos nos quais puderam manter parte do patrimônio obtido muitas vezes de forma ilegal, além de terem as penas reduzidas além do que prevê a lei de colaborações. Hoje muitos estão em coberturas de luxo e condomínios abastados cumprindo suas penas”.

Em resposta à imprensa, o Ministério Público emitiu nota afirmando que “o juiz, nesses casos, tem o poder máximo que lhe pode ser deferido pela lei, que é o de conceder perdão, ou ainda o poder bastante significativo de substituir a pena privativa de liberdade pela restrição de direitos”.

Hoje, sabemos as razões que levaram Dallagnol e companhia a defender Moro com unhas e dentes. Desde aquele período, eles atuavam em perfeita sintonia e completa irregularidade. Todos esses fatos demonstram que milhares de trabalhadores pagam até hoje os “efeitos colaterais” de um farsesco combate à corrupção enquanto réus confessos estão muito bem, obrigado, simplesmente por colaborarem com os objetivos político-partidários da operação. Além de cometer abuso de autoridade e diversas ilegalidades, a Lava Jato foi fundamental para favorecer o projeto de recolonização do país, com o desmonte do patrimônio público e dos empregos.

O Brasil tem hoje quase 13 milhões de desempregados e nenhuma medida concreta é apresentada pelo governo Bolsonaro para resolver este drama. E para quem acreditava que pelo menos a corrupção estava sendo combatida, basta lembrar o silêncio constrangedor do ministro da Justiça diante da pergunta que há meses ecoa sem resposta: cadê o Queiroz?