Em evento, pesquisadores apresentam dados e relatos sobre a colaboração da Petrobrás durante ditadura

Reparação

“I Seminário Ditadura, Empresas e Violações de Direitos” reúne perseguidos políticos, pesquisadores, lideranças sindicais e ativistas dos direitos humanos para traçar estratégias de reparação junto às companhias que deram suporte à ditadura militar

Começou no último dia 05, no campus da Vila Mariana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o I Seminário Ditadura, Empresas e Violações de Direitos, que discute de forma sistematizada, com vasta pesquisa acadêmica, a atuação de grandes empresas em apoio à ditadura militar (1964-1985) e formas de reparação coletiva e aos vitimados e suas famílias. Dirigentes da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) estiveram presentes no encontro.

Além do caso Petrobrás, pesquisadores e ativistas dos direitos humanos se debruçaram sobre a colaboração de outras grandes companhias ao regime de exceção, tais quais a Fiat, Folha de S. Paulo, Itaipu, Cobrasma, CSN, Aracruz, entre outras, e os impactos aos trabalhadores e seus sindicatos, aos povos indígenas e às transversalidades de gênero e raça.

A atividade, que segue até quarta-feira (07/06), faz parte do IV Encontro Internacional da Rede de Processos Repressivos, Empresas, Trabalhadores e Sindicatos da América Latina. As pesquisas são vinculadas ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, com parceria do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP).

Luci Praun (Universidade Federal do Acre) e Carlos Eduardo Soares de Freitas (Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual da Bahia) apresentaram o caso Petrobrás ao público. A pesquisa – com vasta fonte documental coletada nos arquivos públicos e também em entrevistas realizadas com petroleiros perseguidos – foi dividida em três eixos: 1) perseguição política e relações de trabalho; 2) repercussões das atividades da empresa sobre: populações urbanas em situação de vulnerabilidade (Vila Socó-Cubatão/SP – 1985) e povos indígenas (Vale do Javari/AM – 1981-1985; 3) beneficiamento econômico da empresa e seus diretores.

Após um breve preâmbulo sobre a fundação da estatal durante o último governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e a criação dos primeiros sindicatos da categoria petroleira ainda na década de 1950, eles lembraram que no ano do golpe, em 1964, a estatal tinha cerca de 36 mil trabalhadores espalhados pelo país – esses já com uma organização sindical forte, nacional e de bases mobilizadas.

Alguns resultados da pesquisa

Os pesquisadores apresentaram dados, relatos e materiais que reafirmam as práticas violadoras dos direitos humanos por parte do regime ditatorial e a colaboração ativa da Petrobrás. Algumas delas são: prisões, torturas, inquéritos, processos e demissões em massa; intervenção nas entidades sindicais; a ocupação militar nas unidades, sobretudo nas refinarias por seu caráter estratégico; a infiltração de 16 oficiais da Escola de Comando do Estado Maior do Exército (Eceme) na empesa.

Outro fato que chamou atenção, obviamente não documentado pela Petrobrás, mas que aparece no relato dos vitimados e de testemunhas são os locais de prisão e tortura dentro da companhia. Um deles relaciona a Fábrica de Borracha (Fabor) e a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro (RJ).

“O depoimento de um trabalhador da Fabor é muito interessante e revelador. Ele diz que se vestia de servente de limpeza para entrar numa sala, onde presenciava pessoas sentadas, de cabeça baixa, quietas, e que levavam chutes quando levantavam as cabeças”, contou a pesquisadora Luci Praun.

“Eu não sei de onde é que eles vinham. Os caras vinham, traziam os caras presos lá na Fabor, onde o primeiro escritório era tudo tábua, era feito de madeira e eles tinham uma sala que eles levavam o pessoal e os caras ficavam sentado, não podia dormir, não podia nada. Mas aquilo era dia e noite. Se dormisse, era sentado. Mais aí eles iam chutavam a cadeira.[…] Eu não sei [de] onde eles traziam aquele pessoal. Não era lá de dentro [da Fabor],devia ser de lá da Reduc”, diz um dos entrevistados em depoimento à pesquisa.   

Somente no primeiro ano do golpe militar, antes do regime estruturar uma complexa rede de repressão dentro da companhia, a Petrobrás colocou cerca de 3 mil trabalhadores sob suspeita, resultando em 1,5 mil processos de investigação, 712 indiciados e 516 demissões.

A Petrobrás, então, foi militarizada e o quadro se agravou com o endurecimento do regime a partir do Ato Institucional n°5, em 1969, que enquadrou muitos petroleiros na Lei de Segurança Nacional (LSN), com o aval da diretoria da estatal.

Nos anos seguintes, a perseguição política se tornou prática comum e sistematizada a partir da criação de dossiês, produção de ‘listas sujas’ e das Fichas de Controle da Investigação Político Social dos órgãos repressores oficiais: Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Serviço Nacional de Informações (SNI), Secretarias de Segurança Pública Estaduais (SSP), entre outros.

O que se constatou também foi um crescente processo de inserção de agentes do regime militar em atividades operacionais e administrativas da empresa, a ocupação de chefias intermediárias, a participação da Petrobrás em comunidades de informações e o uso da infraestrutura da empresa para ações das Forças Armadas.

No âmbito do beneficiamento econômico, a Petrobrás expandiu significativamente a sua estrutura produtiva com a inauguração ou absorção de sete refinarias entre 1964 e 1985, além da criação das subsidiárias: Petroquisa, BR Distribuidora, Braspetro, Petrofertil, Interbras e Petromisa.

A pesquisa ainda relembra que quatro de dez ex-presidentes da Petrobrás passaram a atuar no ramo petroquímico após a saída da estatal: Ademar de Queiroz, Ernesto Geisel, Shigeaki Ueki e Floriano Peixoto Maria Lima. Além de outros diretores que tiraram proveito econômico do nefasto regime, como Adolpho Rocca Dieguez, Geofísico Barroso e Leopoldo Miguez de Mello.

Danos, vítimas e reparações

Um dos principais propósitos I Seminário Ditadura, Empresas e Violações de Direitos é produzir insumos para que os vitimados, familiares, sindicatos, populações, comunidades e demais atingidos pela ditadura militar-empresarial possam requerer reparações às empresas colaboracionistas.

Os pesquisadores categorizaram os danos protagonizados pela Petrobrás da seguinte maneira: danos à vida, à subsistência, à sobrevivência de um modo de vida, à sustentação econômica e à segurança familiar; danos à liberdade, à integridade física e à integridade psíquica; danos à liberdade e à organização sindical; danos ambientais.

Já em relação às vítimas, foram elencadas: trabalhadores e trabalhadoras petroleiras, dirigentes das entidades, familiares das vítimas, entidades representativas, populações em situações de vulnerabilidade (caso da Vila Socó, em Cubatão), profissionais que atuaram na defesa dos vitimados e as vítimas das operações do Exército e do DOPS/SP.

“As medidas reparatórias devem ser compensatórias face aos danos e prejuízos causados às vítimas. As reparações visam assegurar o não retorno a um regime ditatorial e constituem parâmetros para se avaliar o real processo de democratização de uma sociedade”, explicou o pesquisador Carlos Eduardo Soares de Freitas.

Os pesquisadores ainda ressaltaram que a Petrobrás precisa  reconhecer as violações praticadas em colaboração com a ditadura, promover uma retratação pública perante as vítimas e a sociedade, assim como a adoção de medidas de garantia da memória, como o financiamento de pesquisas, cursos e seminários sobre a responsabilidade empresarial em violações de direitos durante o regime de exceção nos mais variados setores da sociedade.

Ao final da atividade, um último grupo de discussão se formou com os vitimados das variadas categorias de trabalhadores, pesquisadores, lideranças populares, ativistas e defensores dos direitos humanos, liderados pela advogada Rosa Cardoso – que atuou na defesa de presos políticos da ditadura e na Comissão Nacional da Verdade – para debater estratégias em busca de reparação junto às empresas.

Uma delegação da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) participou dessa reunião final. Ela partiu da base do Sindipetro Litoral Paulista para acompanhar o petroleiro Mauro da Cunha, o Maurinho, de 85 anos, perseguido político na Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC), que também deu seu depoimento no seminário e lançou o livro Óleo de Pedra –  Memórias de um Petroleiro nos Anos de Chumbo (editora Comunnicar).

Fonte: FNP