Não é flor que se cheire
O Sindipetro-LP esteve presente na segunda-feira (10), em Brasília, na audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, convocada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que debateu os valores de referência tecnológica (VRT) para exposição ao benzeno. Os diretores Fábio Mello e Fábio Santos acompanharam a sessão que reuniu pesquisadores, parlamentares, auditores, sindicalistas e representantes dos Ministérios da Saúde e do Trabalho. Assista a audiência completa no link (aqui), a partir dos 53min50seg.
O consenso foi claro: não existe nível seguro de exposição ao benzeno, substância reconhecida mundialmente como cancerígena sem limite de tolerância. As principais propostas apresentadas pelos participantes incluem a redução imediata do VRT para 0,5 ppm, a recriação das Comissões Nacional e Estaduais do Benzeno, o reforço à fiscalização tripartite e o monitoramento público das medições ambientais.
“O local de trabalho tem que ser um local de vida, não de morte”
Abrindo os trabalhos, o senador Paulo Paim informou que o Brasil tem mais de 7,3 milhões de trabalhadores potencialmente expostos ao benzeno, sendo cerca de 770 mil em risco direto.
O parlamentar defendeu a retomada das Comissões Nacionais e Estaduais do Benzeno, extintas em gestões anteriores, destacando que o objetivo do debate é proteger a vida, não negociar o risco.
O ex-ministro e deputado estadual Miguel Rossetto (PT-RS), que iniciou sua trajetória sindical como operador na Petroquisa, empresa subsidiária da Petrobrás criada em 1967 e que foi incorporada pela holding em janeiro de 2012, defendeu uma política de tolerância zero. “O direito à vida e à saúde é inegociável. Não há limite, não há negociação frente a um produto com tamanho potencial cancerígeno como o benzeno”, afirmou.
Rossetto defendeu ainda a recriação das comissões tripartites com participação do governo, empresas e trabalhadores, e o monitoramento contínuo e transparente das concentrações de benzeno nas unidades industriais.
Ministério do Trabalho reconhece defasagem
O auditor fiscal Carlos Eduardo Domingues, do Ministério do Trabalho e Emprego, reconheceu que o Brasil está atrasado em relação às normas internacionais.
Atualmente, o Anexo 13-A da NR-15 fixa o VRT em 1 ppm para o setor petróleo/petroquímico e 2,5 ppm para a siderurgia — valores muito acima dos padrões europeus, que chegarão a 0,2 ppm em 2026.
“O mundo inteiro já usa 0,5 ppm. A Europa vai para 0,2. Precisamos revisar urgentemente o anexo 13-A”, afirmou.
O auditor destacou que o VRT não representa segurança, mas apenas um parâmetro técnico de vigilância, reforçando que mesmo abaixo dele o risco persiste.
Sindicatos alertam: “É o poluidor cuidando da poluição”
O dirigente Gerson Medeiros Cardoso, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas de Porto Alegre e Triunfo, criticou a proposta de substituir o VRT por um “limite de tolerância”, chamando a mudança de “ato abominável”.
“Qualquer exposição leva ao risco de câncer. O VRT salvou milhares de vidas e deve ser reduzido para 0,5 ppm, não abolido”, afirmou.
Ele cobrou o fim da autofiscalização empresarial — “é o poluidor cuidando da poluição” — e a inclusão de categorias ainda desprotegidas, como frentistas e trabalhadores de oficinas.
Ministério da Saúde: 21 doenças associadas ao benzeno
A pesquisadora Lucimara Bezerra, do Ministério da Saúde, lembrou que o benzeno é classificado pela IARC/OMS desde 1982 como cancerígeno do Grupo 1, e que não há nível seguro de exposição.
Segundo o SUS, mais de 43 mil mortes anuais no país estão associadas a tipos de câncer compatíveis com exposição à substância.
“Nenhum nível é totalmente seguro. O VRT é um valor de vigilância, não uma autorização de risco”, alertou.
Lucimara defendeu a redução progressiva dos valores de referência, a notificação compulsória de câncer relacionado ao trabalho e o uso de tecnologias mais seguras.
Base científica reforça o alerta
Pesquisadores da Fundacentro e do Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentaram estudos internacionais que comprovam risco de câncer mesmo em exposições crônicas inferiores a 0,05 ppm, com possibilidade de 1 caso a cada 10 mil trabalhadores expostos.
“O benzeno não tem limite seguro. Só a concentração zero elimina o risco”, afirmou a toxicologista Arline Arcuri, ex-pesquisadora da Fundacentro.
A procuradora Tatiana Campelo, do MPT, completou: “Substituir o valor de referência por um limite de tolerância é induzir a sociedade a acreditar que existe uma dose segura — e isso é falso.”
“Somos sobreviventes dessa história”
Representando a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), o dirigente Fábio Santos, integrante do histórico “Grupo dos 13” — grupo de trabalhadores expostos ao benzeno nas décadas de 1980 e 1990 — emocionou o plenário com seu relato.
“Eu sou um dos que viveram na pele os efeitos do benzeno. Muitos dos nossos companheiros não estão mais aqui. Nós lutamos para que o VRT fosse implantado, para que existisse controle. Agora querem voltar atrás. Não podemos permitir isso.”
Fábio defendeu a criação de um protocolo nacional de atendimento aos trabalhadores expostos, além de políticas de reabilitação e indenização para as vítimas.
“Somos sobreviventes dessa história — e ela não pode se repetir”, afirmou.
Encaminhamentos e próximos passos
A audiência resultou em um conjunto de propostas convergentes, com apoio técnico e sindical:
• Redução imediata do VRT para 0,5 ppm, acompanhando padrões internacionais;
• Recriação das Comissões Nacionais e Estaduais do Benzeno, com participação tripartite;
• Monitoramento contínuo e público das medições ambientais;
• Ampliação das categorias cobertas pelo Acordo Nacional;
• Integração entre os Ministérios do Trabalho, Saúde e Previdência para fortalecimento da fiscalização.
Ao final da audiência, ficou reafirmado o consenso entre pesquisadores, técnicos e entidades sindicais:
“Benzeno mata. E não há limite seguro quando se trata do direito à vida.”
O Sindipetro-LP, ao lado da FNP, seguirá acompanhando os desdobramentos e defendendo políticas que garantam ambientes de trabalho seguros e sem exposição a agentes cancerígenos — porque a vida dos trabalhadores e trabalhadoras vale mais do que qualquer índice ou parâmetro técnico.
