Projeto “Petrolino Te Ouve” revela impactos do ambiente de trabalho na saúde mental de petroleiros

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Criado a partir de queixas recorrentes sobre saúde mental entre trabalhadores próprios, contratados e ex-trabalhadores da Petrobrás e Transpetro, o grupo Petrolino Te Ouve surgiu como uma iniciativa conjunta de estagiários do 4º ano de Psicologia da Universidade Santa Cecília e da psicóloga do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista, Marcella Moreti Tegani. Lançado em abril de 2025, o projeto adotou o formato de psicoterapia em grupo, com encontros semanais dedicados à escuta ativa e ao desenvolvimento da prática clínica dos estagiários.
 
Os participantes relataram impactos significativos em sua saúde mental decorrentes de acidentes de trabalho, conflitos interpessoais e episódios de importunação que comprometeram suas carreiras e vidas pessoais. Muitos dos transtornos desenvolvidos foram agravados por falhas no tratamento da empresa com seus trabalhadores e pela condução inadequada de situações internas, o que acabou resultando em afastamentos e até demissões.
 
Embora a gestão da Petrobrás sustente em seu discurso institucional a defesa do bem-estar físico e psicológico dos empregados — com ênfase na ética e na transparência —, os relatos dos trabalhadores e as observações dos estagiários apontam um cenário distinto. Essa percepção foi evidenciada nos debates do grupo e em entrevistas realizadas com os participantes. Entre as respostas, destacam-se:
 
1. O que mantém ou manteve o trabalhador na empresa, além do salário?
Parte dos entrevistados citou a estabilidade financeira, os benefícios e as boas condições de trabalho. Outros relataram satisfação em exercer suas funções e enxergavam oportunidades de desenvolvimento profissional. Houve também quem destacasse que, diante das dificuldades, a necessidade financeira passou a ser o principal motivo para permanecer.
 
2. Como a política afetou a dinâmica de trabalho e a saúde mental?
Todos os participantes compararam períodos de gestão anteriores ao governo Jair Bolsonaro com a realidade atual. Segundo eles, há cerca de 10 anos a empresa investia mais na formação e no cuidado com seus funcionários, incluindo uma faculdade corporativa custeada pela Petrobrás — iniciativa que deixou de existir.
 
3. O que poderia melhorar a saúde mental no ambiente de trabalho?
Os entrevistados apontaram a necessidade urgente de retomar a Pesquisa de Ambiência, melhorar o clima organizacional e restabelecer canais de escuta ativa. Também criticaram o foco excessivo nos indicadores, que pressionaria gestores e influenciaria negativamente relações de trabalho. Outra queixa recorrente envolveu a dificuldade de acesso a documentos, áudios e vídeos necessários para comprovar situações em processos jurídicos, o que minaria a confiança no discurso de “cuidado com a saúde mental”.
 
4. O que seria uma vida ideal dentro da realidade possível?
A maioria mencionou o desejo de uma vida mais tradicional, com estabilidade familiar — muitas vezes baseada na concepção de homem provedor e mulher cuidadora do lar. Outra parte dos entrevistados destacou a importância de ter objetivos claros e condições materiais e institucionais para realizá-los.
 
Ao todo, sete trabalhadores participaram em algum momento do Petrolino Te Ouve, mas houve grande rotatividade entre o primeiro e o segundo semestre de 2025, o que dificultou o acompanhamento contínuo por parte da equipe do Sindipetro-LP e dos estagiários. Ainda assim, o Serviço de Saúde do Sindicato pretende dar continuidade ao projeto em 2026, abrindo espaço para novos estagiários e trabalhadores.
 
A iniciativa mostrou-se significativa tanto para os atendidos quanto para os futuros psicólogos envolvidos. O projeto evidenciou a distância entre o discurso institucional e as práticas organizacionais voltadas à saúde mental, além de demonstrar como fatores políticos e estruturais afetam diretamente o sofrimento psíquico no trabalho. Para os estagiários, a experiência reforçou o papel da Psicologia como ponte entre o trabalhador e o ambiente laboral.
 
Mais do que oferecer acolhimento, o Petrolino Te Ouve contribuiu para a construção de um olhar mais humano sobre a realidade do trabalho — aplicável não apenas à Petrobrás e Transpetro, mas a qualquer organização.