resolução da ANP expõe abandono da UTGCA e escancara desinvestimento da Petrobrás no gás natural

alerta antigo

A recente decisão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que obriga a Petrobrás a garantir a comercialização de gás natural com mínimo de 85% de metano, reacende um alerta antigo e já conhecido pelos trabalhadores: o abandono deliberado da Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato (UTGCA), em Caraguatatuba, e o desinteresse da empresa em investir em gás não associado ao pré-sal.

Criada para processar gás considerado “pobre”, gás natural com baixo teor de componentes pesados, sendo composto quase totalmente por metano (CH?), proveniente de campos como Mexilhão, a UTGCA passou a operar fora da realidade do mercado a partir do momento em que o gás do pré-sal, gás natural com alta concentração de hidrocarbonetos mais pesados, além do metano, avançou rapidamente e se tornou prioridade absoluta da Petrobrás. Desde então, ninguém tem interesse em perfurar poços de gás pobre — o foco passou a ser exclusivamente o gás rico do pré-sal,gás natural com alta concentração de hidrocarbonetos mais pesados, além do metano,  mais rentável e alinhado à lógica de maximização de lucros.

Essa mudança de perfil não é nova. Desde 2018 e 2019, estudos internos,omentado em DDSs, já apontavam que a planta da UTGCA não atendia mais à realidade do escoamento de gás. Na época, chegou a ser elaborado um projeto de modernização com tecnologia de resfriamento, que poderia resultar em superávit na produção de GLP no país, fortalecendo o abastecimento interno e reduzindo custos para a população. O projeto, no entanto, foi engavetado durante o governo Bolsonaro e nunca mais retomado — nem mesmo sob outra alternativa técnica.

Com o passar dos anos, a situação se agravou. A UTGCA (Rota 1) não recebeu investimentos, enquanto rotas estratégicas do pré-sal (Rota 2 - UTG de Cabiúnas e Rota 3 - Complexo de Itaboraí) passaram a concentrar a prioridade de escoamento, inclusive dentro do contexto político e econômico do Estado de São Paulo. O resultado é uma unidade cada vez mais obsoleta, altamente dependente de Mexilhão e sem perspectiva concreta de futuro. As melhorias realizadas em Mexilhão apenas reforçam essa dependência e escancaram o esvaziamento progressivo da UTGCA, cuja operação, segundo avaliações técnicas, pode se tornar inviável nos próximos anos.

A nova resolução da ANP apenas explicita o problema. Durante anos, a empresa foi autorizada a produzir gás com qualidade inferior, sem que houvesse uma resposta estrutural. Agora, o órgão regulador exige o cumprimento dos parâmetros de qualidade, mas a Petrobrás segue sem apresentar um plano claro: ou adapta a UTGCA às novas exigências, ou constrói uma nova planta. Caso contrário, a unidade perde completamente seu propósito, já que ninguém irá perfurar poços de gás pobre sem infraestrutura adequada.

O impacto desse desinvestimento vai muito além da unidade industrial. Trata-se de uma escolha política e econômica que privilegia acionistas em detrimento dos trabalhadores e da população. O avanço do gás do pré-sal poderia ampliar significativamente a produção de GLP, beneficiando milhões de famílias. No entanto, com a venda da distribuidora e o abandono do papel regulador da Petrobrás no mercado, o preço do gás de cozinha segue elevado. Quando a empresa atuava de forma integrada, ao reduzir preços na sua distribuidora, todo o mercado acompanhava. Hoje, isso não existe mais.

A Petrobrás escolheu não investir em um produto mais barato e socialmente essencial. O resultado é sentido diretamente pela população, que paga caro pelo botijão de gás, enquanto bilhões de reais seguem sendo distribuídos anualmente aos acionistas. Recursos existem — o que falta é compromisso com o desenvolvimento nacional, com a soberania energética e com a função social da empresa.

Se a UTGCA não for adaptada, o cenário aponta para desemprego, perda de arrecadação, enfraquecimento da economia regional e aprofundamento das desigualdades sociais. Mais uma vez, a lógica do lucro imediato se sobrepõe ao interesse público, colocando em risco trabalhadores, comunidades e o futuro do setor de gás no país.

Diante desse cenário, a única alternativa concreta para garantir a continuidade da UTGCA é a ampliação da planta, com adequação à Rota 1, permitindo o recebimento e o processamento de gás rico do pré-sal. Sem esse investimento, a unidade caminha para o fechamento inevitável com o esgotamento do gás de Mexilhão. É fundamental que a Petrobrás assuma a responsabilidade de investir na base da UTGCA, adaptando a unidade à nova realidade do gás do pré-sal, assegurando empregos, arrecadação, desenvolvimento regional e o cumprimento do papel social da empresa.

O Sindicato dos Petroleiros denuncia esse processo de desmonte e cobra investimentos urgentes, transparência e responsabilidade social. Não é aceitável que uma empresa estratégica como a Petrobrás siga ignorando unidades, tecnologias e projetos que poderiam beneficiar o Brasil, enquanto reforça um modelo que exclui trabalhadores e penaliza a população.